por André Gonçalves
É de Euclides da Cunha, em Os Sertões, a frase “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. O tempo e a íntima ligação entre os brasileiros do Nordeste e o sertão do país fizeram com que houvesse quase uma releitura: é comum que se veja a frase original de Euclides adaptada para “o nordestino é, antes de tudo, um forte”. Mas o que é ser nordestino?
São tantas e tão ricas as possibilidades de “ser nordestino” que é difícil uma definição objetiva. Talvez possamos dizer que, mais que “um forte”, o nordestino, ou mais, a gente nordestina, é A força. Isso não significa uma superioridade sobre qualquer outra gente: ao contrário. O nordestino carrega na alma a vontade de ser igual.
Mas talvez possamos dizer que seja A força pela história, pelas revoltas contra a dominação abusiva de qualquer poder. Mesmo quando subjugada por algum tempo, a gente nordestina, renitente, resistente, teimosa, obstinada, reagiu e reage. Grande parte das maiores revoltas populares do Brasil em todas as épocas começou na região. E é uma delas que destacamos na nossa homenagem, nesta edição 42: Mandu Ladino, o jovem indígena piauiense que lutou contra a destruição de sua cultura e a eliminação de seu povo, dá nome a Revestrés 42. Uma história pouco conhecida país afora, mas que representa como tantas outras o ser nordestino que é A força por reunir a força de todos que tem coragem de lutar contra preconceitos e desigualdades.
Esta edição tem mesmo a cara de nordeste. Trazemos a Procissão das Sanfonas, de Teresina. Milhares de pessoas seguindo uma centena de sanfoneiros pelas ruas da cidade, rompendo com alegria, música e diversidade a rotina do comércio e aridez cotidiana, louvando tradições e heróis populares. Também tem um nordestino que saiu do Cariri e desembarcou em São Paulo, jornalista e apaixonado pela vida, tuiteiro com um milhão e meio de seguidores e língua afiada como bem pede a tradição da região: Xico Sá. Da Bahia, o ensaio e a história de suspense e criatividade de um fotógrafo premiado mundo afora: Não minta pra mim, de Paulo Coqueiro, baiano que mexeu com a fotografia brasileira e levanta importantes questões contemporâneas. Também em Teresina, o Mercado da Piçarra e seus frequentadores da madrugada, devoradores de mão de vaca, sarapatel e maria isabel. Teresina que também é musa de músicos e artistas que a homenageiam em prosa, verso e cantigas, e você vai conhecer alguns deles. Tem ainda Totonho e os Cabra, paraibano, com sua “música brasileira do baixo clero”, e que diz que arte é absolutamente risco.
Para fechar a edição, o Humanismo Caboclo, que leva conhecimento e futuro a crianças e jovens e quer transformar o mundo a partir do sertão, e a entrevista provocativa e forte de Joice Berth que, se não é nordestina – nasceu e vive em São Paulo -, representa como poucas a coragem de ser mulher e de enfrentar o mundo machista e desigual – e também participar da construção de um novo jeito de viver.
Além de tudo isso, tem mais coisas nessa Revestrés. Mas ela é meio como o Nordeste: tem de tudo um pouco, e muito de tudo que é bom. E você vai descobrindo aos poucos.
A você que nos lê, desejamos uma leitura arretada de boa. Segue renitente, Nordeste!