Excepcionalmente esse Blog da Redação traz uma carta.

Não é todo dia que chega a qualquer redação do Brasil uma carta de Ignácio de Loyola Brandão. Aqui, chegou. E a gente mostra pra você.

 

O Piauí tem sua revista

 

Ignácio de Loyola Brandão

 

“Porque eu vou confessar para vocês: eu não superei coisa nenhuma! Até hoje me enche o saco cadeira de rodas, correr para ir ao banheiro, chegar a uma cidade e minha cadeira de rodas estar quebrada.” Sincero, desabusado, de saco cheio,  franco, na contramão do politicamente correto. Marcelo Rubens Paiva deu a REVESTRÉS uma das mais belas entrevistas que ouvi dele. Desabafo puro, real.  Vamos por partes. Depois de fazer revistas por mais de 50 anos (Claudia, Setenta, Planeta Lui, Ciencia & Vida, Vogue, Homem Vogue, entre outras), quero dizer com alegria que o Piauí tem sua revista e não é a revista Piaui, é a REVESTRÉS  ( o logotipo é difícil de reproduzir em um computador normal: estão ficando antigas estas máquinas modernas; como girar as letras?).

Vai aqui quem desconhece a história da imprensa em meu estado adotivo. Digo meu estado porque sou Cidadão Piauiense há muitos anos.

REVESTRÉS, revista boa para banca em Teresina, por todo Nordeste, no Rio e São Paulo ou o que chamam Sul. Brasileira, sendo piauiense. Escrita sem provincianismo, assim como dona de um design limpo, enxuto, direto. Bem impressa e cheirosa.  Para mim, cheiro é fundamental em revista e em livro. A entrevista de abertura é um arraso. Marcelo Rubens Paiva não tem papas na língua, e define bem o brasileiro, como também desmistifica essa história de superação. Nunca tinha lido ou ouvido dizer o que ele disse sobre sua própria situação. Sincero, aberto, verdadeiro,  odiando a palavra superação que vem sendo usada até para quem quebra um dedo. Esta revista deveria ser distribuída para todo o Brasil, para psicólogos, terapeutas, neuros, fisioterapeutas  e também para os que vivem da “exploração” do tema superação.

Vou em frente, conheço Sulica e  as festas nas ilhas de areia do Rio Parnaíba, onde estive durante uma festa literária,  percorro o rio,  sei as tentativas de reocupação. Vejo as lembranças de Ai que Vida, um filme piauiense (é isso mesmo) de maior sucesso que completa dez anos. Atravesso as manifestações de muros, os desenhos, grafites, frases, siglas cifradas. E me vêm à memória o tempo em que vivi em Berlim, onde havia o chamado maior painel de grafites do mundo, a maior demonstração de arte urbana do planeta: O Muro, die Mauer, The Wall (Pink Floyd): o célebre Muro com 165 quilômetros de arte. Arte permitida apenas do lado ocidental. O comunismo odiava os grafites, assim como o prefeito de São Paulo, João Doria.

Mas há matérias que me encantam, porque são aquelas que mostram o Brasil em sua pureza e resistência. Aquelas coisas que quando viajo adoro conhecer, frequentar, ver, estar. Se anos atrás conheci o suco do Abrãao, que  ficou na alma, agora quero ir  ao Bar e Mercearia São Francisco, na verdade o bar do Zé de Melo. Um destes recantos especiais, típicos,  cheios de vida, espírito. O homem está num dos metros quadrados mais valorizados da cidade e  aos 85 anos recusa propostas milionárias do setor imobiliário. Não arreda pé. Essa gente é que mantém a alma, não deixa o dinheiro arruinar tudo, como diz o Caetano em uma canção. Zé de Melo, onde se compra de caderneta, assim como aqui em São Paulo em Pinheiros, compro de caderneta no empório da chinesa Claudia.

Uma delicia percorrer REVESTRÉS com sua cor local, a ficção, as entrevistas. Devia ser entregue no aeroporto a quem desce para ficar uns dias, distribuída nos hotéis, bares, restaurantes. Acho que falta uma culinária piauiense, devia ter em todo número. E aí chegando, dia desses, quero ir direto à Kina Kana, pedir um pastel e uma garapa (como se dizia no interior de São Paulo, onde nasci). Importante, assim como vinícolas tem suas videiras próprias, a  Kina Kana tem seu canavial em Demerval Lobão. Tudo autêntico. Este é o Brasil distante de Temer, das politicalhas. E nunca esqueço os primeiros números de REVESTRÉS que Wellington me enviava para ler, dar palpite, talvez colaborar. Colaborei e me orgulho disso. Está valendo a pena.