Nathan Sousa

O itinerário da luz

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O sentido do teatro em Constantin Stanislavski e Bertolt Brecht

Afinal, qual é o sentido da arte cênica? No decorrer dos últimos cem anos, muitos artistas e intelectuais se posicionaram de maneira diversa sobre essa questão. Ao contrário da determinação aristotélica de separação clara e clássica entre palco e espectador, a busca por uma simbiose entra em cena. Figura de destaque quando a isso é a de Constantin Stanislavski, apresentando peças que tinham como objetivo a interação total entre encenação e a vida real. Portanto, uma nova concepção sobre o sentido do teatro veio à baila: um espaço de aprofundamento e ampliação do reconhecimento do eu no outro. Stanislavski sugeria a seus atores que os mesmos buscassem, incessantemente, a encenação como uma vivência das leis naturais.

Já para Bertolt Brecht, enveredando pelas tradições do teatro do Oriente, especificamente pela Ópera de Pequim, a ideia era a de despertar a atenção do público ao invés de “magnetizá-lo” como fruto do encantamento. Isto fica claro em seu texto “Pequeno organon para o teatro”. Para ele, a essência da encenação estava na ludicidade e na diversão como pilastras fundamentais para a representação. O que se coloca em questão é o caráter universal, sua origem e o cerne da arte de William Shakespeare.

Brecht é um dramaturgo da crítica à burguesia e ao capitalismo. Tem no teatro, um instrumento de alerta para os excessos e faltas desses elementos, caso da reprodução desenfreada das desigualdades econômicas e sociais. Para tanto, necessitava-se de elementos que causassem estranhamento no espectador. E Brecht não relaxou em ousar. Construiu ambientes com base em cartazes que sinalizavam para o local da cena, usou o canto como mecanismo capaz de lembrar o público que a obra está se transformando ali mesmo e etc. Tudo isso voltado para o despertar do senso crítico no espectador.

Abre-se espaço para novas linguagens e novas formas de trabalho, levando o teatro à crise e/ou à ampliação de seus limites numa contínua relação de construção e desconstrução de seus agentes e natureza” – Nathan Sousa

Nota-se que é chegado o fim do texto encenado. É o momento do encontro visceral e orgânico entre atores e público. Stanislavski explora, com rigor, a disciplina por parte do público. Não tolerava atrasos, conversas aleatórias ou qualquer gesto de dispersão. Nada que desviasse a atenção. Só aceita luz no palco. Até mesmo os cenários e os figurinos deveriam fazer dos seus ofícios um ato de identificação do público com a peça. O foco é a mais perfeita representação social e humana do que se pretende nas encenações. Stanislavski exigia dos atores uma entrega psicológica total para seus personagens. Era preciso “vivenciar o personagem”. Portanto, para Stanislavki, a ordem era eliminar a separação entre ator e personagem. Denota-se que tal teatro procura explorar personagens marcados pela dinâmica e pelas mazelas da vida imediata. O homem comum e suas vicissitudes.

Para Brecht, o personagem volta-se para um determinado representante de parcela específica da sociedade. Há uma diferença clara de concepção. Em Brecht, o ator atua. Em Stanislavski, vivencia. Em Brecht a dinâmica do desempenho é maior, mais complexa, sem unidade psicológica. E sua mão trabalhou incessantemente, respeitando estes parâmetros. Muitos são os textos teatrais do autor de “Aquele que diz sim, aquele que diz não”, propondo este distanciamento. Para ele, a relação se dá entre assimilação e afastamento. Mais ainda: dinamizados pelo rompimento dessa liga em determinados momentos. O susto e o estranhamento em favor de um despertar de consciência crítica.

Notadamente, encontrar o ponto de equilíbrio entre vivenciar e representar é o maior desafio no caso dessa concepção do fazer teatro. Observa-se que os modelos antagônicos desses dois expoentes da arte cênica abrem campo para que o teatro se configure como uma porta que dá acesso a um novo campo no que diz respeito à sua estrutura e essência. Procura-se saber, a partir daí, o que pode e o que não pode ser considerado teatro. Na obra stanislavskiana tem-se a aproximação cada vez maior da vida para a cena. Já em Brecht, o teatro, ao pé da letra, tende a ganhar as ruas e o cotidiano imediato.

Neste momento, diante de tais concepções, abre-se espaço para novas linguagens e novas formas de trabalho, levando o teatro à crise e/ou à ampliação de seus limites numa contínua relação de construção e desconstrução de seus agentes e de sua natureza, marcas visíveis do teatro contemporâneo. É ele, o teatro, em um contínuo “to be, or not to be”. Eis a questão.

Nathan Sousa
Ficcionista, professor, poeta e dramaturgo.

AS PRIMEIRAS LETRAS INGLESAS

por Nathan Sousa
poeta, ficcionista, ensaísta e dramaturgo

No que diz respeito à literatura escrita em inglês, esta começa com Geoffrey Chaucer (c. 1344-1400) há, aproximadamente, setecentos anos. A exemplo de outros povos, muito tempo foi preciso para que a Inglaterra pudesse unificar a escrita e a fala de sua população. Das histórias semimíticas dos tempos do reino de Arthur, chega-se aos Contos da Cantuária. Com Chaucer, não apenas se inicia uma uniformidade do idioma, mas prepara-se o campo para a criação de uma enorme literatura. Trata-se de uma figura de elevada erudição, fluente em várias línguas. Para Chaucer, a vida humana podia ser “mundana” e “religiosa”. Mas Chaucer era terminantemente contra os excessos da igreja, principalmente no que se tratava da venda de indulgências. Nos primeiros contos, como os conhecemos hoje, tem destaque a nobreza dos cavaleiros, daí a expressão “cavalheiresco”, mas há o acréscimo das narrativas de baixo calão, o que fazia com que os textos dos Contos da Cantuária fossem quase sempre censurados, principalmente para o público leitor jovem, até meados do século XX, ainda que seu final seja feliz com os sermões do Pároco.

Por sua vez, entre os séculos XV e XVI surge, na Inglaterra, a impressão e o teatro moderno. O palco eram as ruas. Na terra de Shakespeare as apresentações eram chamadas de “mistério”. As primeiras guildas, ou seja, as primeiras manifestações organizadas, realizavam encenações de passagens bíblicas. O drama apresentado nas ruas servia como instrumento evangelizador de massa, já que poucas pessoas tinham acesso aos livros. Mas as várias facetas de uma sociedade cada vez mais urbanizada ganha representação nos primeiros anos deste tipo de teatro.

Com o advento da impressão, a Bíblia ganhou outro meio de divulgação mais eficiente que as peças de mistério. Ao contrário deste tipo de apresentação da literatura, no livro, desenvolve-se essa atividade de maneira mais intimista. Portanto, eis o valor do teatro como representação literária nos seus primeiros anos: trata-se de uma literatura de fluidez popular no sentido lato da palavra.

Do livro inédito de ensaios, A PALAVRA ÁVIDA, de Nathan Sousa.

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Texto exclusivo no site.

O texto faz parte do livro inédito de ensaios, A PALAVRA ÁVIDA.

Estoy loco, si

 

por Nathan Sousa
poeta, ficcionista, ensaísta e dramaturgo

Não é tarefa das mais difíceis encontrar quem conheça a obra do piauiense Orlando Geraldo Rêgo de Carvalho, que não cite, quase que de imediato, a palavra “loucura”. Dotado de grande sensibilidade e de grande poder de concisão, O. G. Rêgo de Carvalho nasceu na antiga capital do Piauí, Oeiras, aos 25 de janeiro de 1930, e faleceu em Teresina, no dia 9 de novembro de 2013. Bacharel em Direito, professor e funcionário aposentado do Banco do Brasil, O. G. integrou o chamado Grupo Meridiano. Publicou Ulisses Entre o Amor e a Morte (1953), Amarga Solidão (1956), Rio Subterrâneo (1967), Somos Todos Inocentes (1971) e Como e Por Que Me Fiz Escritor (1989). Foi membro da Academia Piauiense de Letras.

O autor de Ulisses Entre o Amor e a Morte tem sua obra marcada pelo conflito, pelo medo, pelas neuroses e, como se não bastasse, também retratou a solidão e a loucura. Leitor entusiasmado dos clássicos (decidiu ser escritor após ter lido O Guarani, de José de Alencar), O. G. elevou, como poucos, a arte literária ao status de agente revelador dos subterrâneos da vida real. Ambiente onde a historiografia tradicional não consegue atingir com muita segurança. São muitas as cenas de isolamento e conspiração da “loucura” de seus personagens. Há introspecção de fio a pavio. É nítida uma comunicação entre seus livros, embora sejam histórias independentes.

O que temos na obra deste genial escritor é uma forte ligação entre loucura, sentimentos e um passado que pesa dolorosamente sobre sua gente. Ou melhor, sobre nós.

Em todos os livros, O. G. expõe sua relação com o modus operandi de seu tempo. Há sempre uma descrição dos espaços arquitetônicos de Oeiras e Teresina, cidades onde morou. Ulisses guia e é guiado por suas percepções (impactado com as mudanças, após a morte do pai) da velha Oeiras para a terra de Saraiva. Aí já temos Joana, que ficou louca após a morte de seu filho, abandonada em um quarto esquecido, como era de costume. Há um êxodo muito claro nesta e nas demais narrativas. Mas não se trata apenas de um deslocamento físico de pessoas em busca de uma vida melhor. Há um êxodo imaginário, sentimental, esperançoso, ainda que permeado de medo e dúvida. Porém, a solidão e a desilusão deixadas na velha capital, acarretam em graves problemas tanto sociais quanto financeiros, e transformam a cidade em um ambiente propício para a loucura.

Em Somos Todos Inocentes, entra em cena o ressentimento, fruto de disputa pelo poder e de amor não correspondido. É tênue e anavalhada a linha que separa o passado do presente. Restou à antiga capital a preservação dos valores de fé e de tradição para que não houvesse um esfacelamento de sua identidade. Já em Rio Subterrâneo o sentimento fala mais alto, além de uma variedade de histórias que forma o tecido narrativo do livro. Trata-se da Teresina da segunda metade do século XX, mas é a Oeiras de onde partiram personagens e autor que dá o tom das memórias como se cada um desses agentes quisesse, a cada fracasso, reviver um tempo de glórias, ainda que mirradas. Mais uma vez, a dúvida, a desesperança e o silêncio interferem diretamente na personalidade de cada um.

O. G. era desses autores que mergulham suas vidas em suas obras de olhos fechados. É bom lembrar que ele adoeceu enquanto escrevia tal livro. O que temos na obra deste genial escritor é uma forte ligação entre loucura, sentimentos e um passado que pesa dolorosamente sobre sua gente. Ou melhor, sobre nós.

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Nathan Sousa é professor, ficcionista, ensaista, poeta, letrista e dramaturgo. É tecnólogo em Marketing e publicou vários livros, entre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das aves (2017). Foi finalista do Prêmio Jabuti (2015) e venceu por cinco vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores.

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“VAMOS NESSA”? – Nathan Sousa entrevista Xaxá Nobre, dos Geniais de Amarante

 

Poucas são as pessoas que moravam no Piauí, entre os anos 80 e 90, que não foram a uma festa animada pela maior banda da história do estado: Os Geniais de Amarante. Falar de Os Geniais é, sem sombra de dúvida, falar de Xaxá, o vocalista. Nascido em 21 de fevereiro de 1961, no Juazeiro do Norte-CE, Vicente dos Santos Nobre virou Xaxá Nobre. Da performance eletrizante ao estilo glamoroso e despojado – como se incorporasse um misto de Ney Matogrosso e Robert Plant – Xaxá deixou (nos palcos de um sem número de clubes espalhados pelo Piauí, Maranhão, Ceará e Pará) marcas de alegria, deboche e leveza, traços que só os que nasceram para o show sabem sem titubear. Agora, depois de tantos anos longe deste cenário e de estar superando com a mesma desenvoltura uma doença grave, o cara ainda tem fôlego para mais. Vem um livro por aí. É mole? Com vocês: Xaxá Nobre!

Nathan Sousa – Após 40 anos de carreira e agora, por ter tido um granuloma na prega vocal esquerda, com uma abdução total da voz, olhando para suas fotos, quando você atuava nos palcos do Norte e do Nordeste do Brasil, no que você pensa? 

Xaxá Nobre – Quando meu médico, o Dr Erick, me deu a notícia de que eu não ia mais poder cantar, na hora foi um baque muito grande porque era o que eu mais amava fazer: cantar e levar alegria para as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, eu estava muito feliz e agradecido a Deus por estar vivo. Hoje, olhando minhas fotos e assistindo aos vídeos das minhas apresentações, sinto o quanto foram valiosos esses 40 anos de carreira. Não tenho nenhum tipo de frustração porque tudo o que eu fiz foi com muito amor, muita dedicação e respeito à minha legião de fãs. Deus me deu uma nova chance de viver, e isso, no momento, é a coisa mais importante na minha vida, ou seja, tentar viver com saúde.

NS – Antes de ser cantor você foi modelo. Como se deu essa mudança de ofício, se é que podemos chamar assim? 

XN – Em 1976, aos 16 anos de idade, fui convidado pela DIJOM JEANS para desfilar em um lançamento de sua marca em Recife. Eu já tinha 1,80m de altura e era apropriado para os padrões da época. Fiquei por 4 anos desfilando em alguns freelances, mais não era realmente o que eu queria para a minha vida. Eu tinha muita vontade de ser cantor, e foi aí que surgiu a minha primeira oportunidade de cantar em uma banda profissional: o MC-8, de Picos.

NS – “Tudo o que disseram sobre mim não é importante. Quando eu canto, eu acredito. Sou honesto”. Tomando como base esta frase de Frank Sinatra, o que o Xaxa de hoje diz sobre o Xaxa de Os Geniais? 

XN – Se falarem mal ao meu respeito, eu respondo com o meu canto. Eu acredito que a honestidade muda o mundo e, assim, você sempre terá o respeito de todos. O Xaxá de hoje leva a vida com mais leveza e carrega uma bagagem muito grande. Aprendi nesses 40 anos. Todos os que me conhecem sabem que nunca fui um artista de ostentação. Sempre procurei viver com dignidade em relação ao meu padrão de vida. Nos Geniais, eu tinha tudo ao meu alcance em termos financeiros. Eu era o cantor de banda mais bem pago do Nordeste. Nem isso, nem o sucesso virou minha cabeça porque eu sempre tive os pés no chão. Ganhei muito dinheiro, gastei muito também, mas não com coisas frívolas. Foi mais com meu próprio bem-estar. Sempre fui um cara vaidoso. Gosto de me vestir bem e de ter uma casa com muito conforto. Mesmo hoje, aos 60 anos, procuro me cuidar da melhor maneira possível.

Eu cantava e dançava. A galera veio à loucura. Muitos aplausos, gritos e muita viadagem, lógico!

NS – O Doutor Miranda (então prefeito de Amarante) viu você atuando e lhe procurou para que você fosse contrato. Como se deu esse episódio? 

XN – Em agosto de 1984, eu estava cantando em uma churrascaria em São Raimundo Nonato, com a Banda ELLU´sS, de Picos, e Os Geniais estavam tocando em um clube da cidade. A Banda ELLU`S encerrava sua apresentação mais cedo e íamos todos descansar no hotel. No entanto, eu tinha muita curiosidade para ver Os Geniais tocando, porque, naquela altura dos acontecimentos, ela já era considerada a melhor banda do Piauí. Então eu fui até lá, para conhecer a banda. Nessa ocasião, um dos cantores me chamou no palco para que eu desse uma “canja”. Subi e dei meu show cantando  Say Say Say, de Paul McCartney e Michael Jackson. Eu cantava e dançava. Com isso, a galera veio à loucura. Muitos aplausos, gritos e muita viadagem, lógico! (Gargalhadas). Foi o BOOMM da festa. O Doutor Miranda estava presente e me chamou para uma conversa. Ele me fez uma proposta para que eu cantasse nos Geniais. Eu quase tive um troço porque era o meu sonho cantar em uma banda grande como era os Geniais. Não pensei duas vezes. A proposta era irrecusável. Voltei para Picos e, no dia 15 de setembro de 1984, cheguei de mala e cuia em Amarante. Daí surgiu o nome “Xaxá”. O resto vocês vão saber na minha biografia!

NS – Você também transitou por outras bandas, fale-nos um pouco desta experiência. 

XN – Comecei minha carreira logo cedo em um grupo de jovens da minha cidade: Juazeiro do Norte-CE. Em 1980, eu fui para Picos, cantar no MC-8, depois, Martins Som, Banda Ellus, Os Geniais de Amarante, Black Banda, de Quixadá, Grupo Magazine, Bandas Azimuth e Banda Magazine. Em 2000, já de saco cheio de trabalhar para os outros, montei a minha a banda: a Nega Fulô. Em 2004, parti para a carreira solo.

NS – Você mora em Fortaleza com seu companheiro. O que o Xaxá escuta hoje? 

XN – Moro em Fortaleza há 14 anos com meu companheiro, o Antonio Valdecy, mesmo sentindo muitas saudades das nossas famílias. Já nos adaptamos aos ares praianos. Fortaleza é uma cidade linda. Moramos na Praia do Futuro. Sempre faço minhas caminhadas no calçadão da praia para poder respirar um pouco o ar fresco. Isso faz muito bem à minha saúde. Em casa, gosto de ouvir uma boa música, de preferência a dos anos 80, porque tenho um acervo musical muito grande. Eu sempre procuro ficar atualizado com relação às tendências da música. Escuto Ed Sheeron, Coldplay, Lady Gaga, Bruno Mars, Marisa Monte, Maria Rita, Jorge Vercillo, e muitos outros da MPB. Sempre fui um cara um tanto eclético. Só não curto esse “forró de plástico” que toca de cabo a rabo no país.

NS – O palco faz falta ou deu o que tinha que dar? 

XN – Eu sempre fui um cara do palco, de grandes shows, de figurinos exóticos, e foi isso que fez minha carreira durar 40 anos, além de sempre ser bem-visto pelo público. Devido à lesão na minha prega vocal, tive que me ausentar do cenário artístico. Eu acho que foi muito válido o que eu fiz na música. Tem uma hora em que você precisa parar. No meu caso, foi por problema de saúde. Graças a Deus estou muito bem resolvido com relação a isso. E… vida que segue, não é, bebê! (Gargalhadas)

NS – Para quem achou que você estava esgotado artisticamente, agora vem um livro por aí. O que o leitor deve esperar dessa nova jornada, um “Valeu, tchau!” ou um “Vamos nessa!”? 

XN – Logo quando recebi a notícia de que eu não poderia mais cantar, pensei em me isolar e tentar levar uma vida normal, desempenhando outro tipo de atividade. Quero ressaltar que eu não fiquei triste. Fiquei procurando achar uma maneira de sobreviver porque, mesmo tendo enfrentado duas cirurgias na garganta, jamais perdi a vontade de viver e de ser feliz. Mas eu sempre falo que Deus coloca anjos na sua vida, ele colocou um anjo e poeta chamado Nathan Sousa, um dos maiores escritores da atualidade do Piauí. Por falar nisso, deixe-me falar sobre ele como se ele não fosse você, tá bom, bebê? (Gargalhadas)

Ele, no começo da nossa conversa, queria apenas fazer uma entrevista para o seu Blog e para os portais e revistas aos quais  colabora, contando um pouco da minha trajetória no Piauí, em especial nos Geniais de Amarante, e de repente, no meio da nossa conversa, surgiu a ideia de escrever um livro, uma biografia, contando sobre a toda minha trajetória de vida, tanto pessoal quanto na música, já que uma não existe sem a outra. Você, como um grande fã, já sabia parte da minha história, e foi aí que me ascendeu uma luz: “Por que não”? – Eu pensei. A ideia foi sendo amadurecida, eu fui escrevendo sob sua orientação, e já estamos praticamente com o livro pronto. Se Deus quiser, lançaremos ainda neste ano. Eu estou tomando gosto pela literatura e pretendo não parar mais porque é uma maneira de eu estar sempre presente no mundo artístico. O meu eterno agradecimento a você. Hoje eu me sinto mais leve, feliz, e muito entusiasmado com o nosso projeto. Como sempre falo a você: LACROU, bebê!! (Gargalhadas).

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Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, ensaísta, poeta, letrista e dramaturgo. Tem vários livros publicados, dentre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das Aves (2017). Venceu por 04 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores, foi finalista do Prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia Antonio Salvado.

email: nsrlezama@hotmail.com

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E o rock ainda pulsa…

Era o começo da década de 1990 quando eu parti para meu último ano do ensino médio, carregando nada mais que a incerteza, a caminho do colégio Objetivo. Daquele ano terrível (quase fui reprovado), resta-me a lembrança de uma capa de disco que um colega de classe ostentava para cima e para baixo. Era o “Cabeça Dinossauro”, dos Titãs.

No dia 29 de dezembro de 2018, em São Gonçalo do Piauí, aconteceu uma edição do que um amigo, o Chris Ramone (esse nome já diz muito!), chamou de Rockentura. Um evento criado por ele e por Francisco Myller, que contou com a colaboração de um número (para a surpresa de muitos) significativo de apoiadores. A primeira edição foi um sucesso, a segunda apresentação também. Debaixo de uma chuva torrencial, as atrações da noite (Cajón Band e Felipe Cerqueira com sua Banda Retroativa) fizeram-me lembrar daquele distante ano, tão sofrido. Ninguém que fazia parte da minha vida em 1990 estava ali, com exceção de minha irmã (Karina) e Seu Zé Pereira, proprietário do clube (Cajueiro Espaço Livre) que, na época, trabalhava com meu saudoso pai.

Daquele ano terrível (1990), resta-me a lembrança de uma capa de disco que um colega de classe ostentava. Era o “Cabeça Dinossauro”, dos Titãs.

O repertório da noite foi o mais variado do rock in roll. As pedras rolaram pra valer. Olhei várias vezes em minha volta enquanto a chuva caía, mas o ano de 1990 não me saía da cabeça. Foi um tempo duro, de muitas incertezas. O muro de Berlim caía, havia guerra na praça da Paz Celestial, a banda alemã, Scorpions, lançava sua inesquecível Wind of Change, perdemos para a Argentina na Copa do Mundo, Teresina se abria para os grandes shows, Cazuza partia para sempre.

A Cajón Band assanhou a festa. Felipe Cerqueira e a Banda Retroativa espalharam álcool na fogueira. Mas a chuva não parava. Manoel de Jah, o locutor da noite, enalteceu minhas conquistas literárias, agradeci, mas aquele ano não me saía da cabeça. Aquele terrível ano de 1990. Fui até o palco pensando em falar sobre o evento, mas falei sobre o amor e a amizade como se eu estivesse falando para ele, o ano distante.

Saí antes de acabar a festa, assim que a chuva passou. Em casa, abri a porta da cozinha, sentei-me no batente e passei minha mão direita sobre meu pulso esquerdo. E aquele ano ainda estava lá: no pulso.

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