Gabriel García Márquez (1928-2014) foi um jornalista, diretor de cinema e escritor colombiano. Morou na França, na Espanha, no México e na Itália, onde estudou cinematografia. É considerado um dos grandes mestres do chamado realismo mágico e principal figura do Boom da literatura latino-americana. Recebeu inúmeros prêmios e honrarias, dentre eles, o Prêmio Rômulo Gallegos e o Prêmio Literário Internacional Neustadt, ambos em 1972, e o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982. Seu livro, “Cem anos de solidão” (1967)¸ sucesso de público e de crítica, foi considerado por Pablo Neruda, e pela imprensa internacional, como o melhor livro já escrito em língua espanhola depois de “Dom Quixote de La Mancha”, de Cervantes.

Em “Crônica de uma morte anunciada” (1981), Gabo, como era chamado carinhosamente por amigos e admiradores, relata, em primeira pessoa, buscando reconstituir de forma minuciosa, mediante as recordações e o depoimento dos demais personagens, o assassinato de Santiago Nasar, um jovem de 21 anos, acusado de ter desonrado Ângela Vicário, a noiva do venturoso Bayardo San Román.

Na noite que antecedeu às festas de núpcias, Santiago teve sonhos incômodos, sentiu um presságio. No dia seguinte, ele foi morto pelos irmãos de Ângela, os gêmeos Pedro e Pablo Vicário, a golpes de faca, na porta de sua casa. García Márquez faz cair por terra a força da surpresa ao narrar uma história curta, anunciando o desfecho do princípio ao fim. Fazendo-se valer de seu poder de grande contador de histórias, o autor de outro livro fantástio, “O amor nos tempos do cólera”, prende o leitor da primeira à última página, tecendo aquilo que verdadeiramente faz de uma história um grande livro: saber como contar, por que contar e o que contar.

Todos os sinais (os sonhos premonitórios, o alerta de uma senhora, a carta anônima deixada na casa da vítima por baixo da porta, a promessa impassível dos irmãos Vicário) permitem ao leitor entender que o personagem está diante da proximidade de um episódio, cuja realidade se expõe e se desmorona para ele. Mas Santiago Nasar não está confiante de que seu fim está próximo.

Gabriel García Márquez traça uma linha (ora tênue, ora elíptica), com base na representação dos fatos por ele observados ou pelo relato dos elementos envolvidos no contexto, considerando que a representatividade de cada depoimento sobre o dia do crime (para uns chovia, para outros era um dia de muito sol ou ainda havia um arco-íris no céu) são indicativos de que, tanto no mundo real como no ficcional, o sentido das palavras e o significado real das ocorrências não são verdadeiramente os mesmos.

Deste modo, o autor entra no possível jogo narrativo, convidando o leitor a segui-lo no caminho investigativo. Como o próprio autor afirma: “eu conservava uma lembrança muito confusa da festa antes de me decidir a resgatá-la aos pedaços da memória alheia, uma vez que no curso das indagações para esta crônica recuperei numerosas vivências marginais”.

Em “Crônica de uma morte anunciada”, García Márquez zomba do crime; eleva a representação literária à condição de instrumento revelador daquilo que a própria realidade, por si, não conseguiria se livrar, ou seja, o caráter estanque do acontecimento. É um livro para a gente morrer de admiração.

 

Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, ensaísta, poeta, letrista e dramaturgo. Tem vários livros publicados, dentre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das Aves (2017). Venceu por 04 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores, foi finalista do Prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia Antonio Salvado.

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