Por Samária Andrade

Eram dois corpos. Inteiros, bonitos, resistentes. Muita gente foi porque queria vê-los dançando juntos. Marcelo Evelin e Luzia Amélia, dançarinos, coreógrafos, já têm um percurso em separado, por vezes conflituoso, cheio da personalidade que carregam junto aos corpos.

No espaço Campo, de Evelin, fizeram um dueto que chamaram “Truvo”. Aqueles dois, que tanta gente queria ver juntos, apresentaram-se no escuro, sem iluminação, rasgados as vezes por um flash que incomodava a visão. No escuro, nossos sentidos ficaram afiados para o barulho dos pés no linóleo, que não incomodava, até combinava com a trilha nostálgica que escolheram. Nossa visão, perseguindo os corpos, tentava driblar as colunas de concreto do espaço quase improvisado que inventaram. Ainda que se diga que a proposta é também causar ruídos desde o espaço, é difícil saber até onde alguns desses ruídos passam a fazer parte ou se impõem.

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Truvo: Marcelo Evelin e Luzia Amélia. Foto: Maurício Pokemon

O certo é que Evelin e Luzia envolvem os presentes e o tempo, no escuro, passa sem ser notado. Acompanhamos os corpos, esticamos o pescoço, empurramos a cadeira. Quando a luz se acende, estão suados. Parecem, naquele momento, realizados. Ainda têm fôlego e convidam uma plateia quase em suspenso para um bate-papo, que se torna uma extensão da capacidade de entrega de ambos.

Alguns minutos para se recompor e estão no pátio, falando e ouvindo. Há quem admita que veio pela curiosidade de vê-los em dupla, outros agradecem, alguns arriscam interpretar ou apenas expõem os sentimentos. Fala-se em afeto, conflito, política, na permissão que o escuro autoriza, na salvação pela arte (ainda que emotivo, esse não foi um discurso redentor). Evelin sugere que no escuro pode ser que se faça o que não se quer mais fazer: aquela dança, por exemplo, que poderia já não ser para ambos. Luzia diz que em anos de dança nunca ninguém se preocupou tanto com ela. Para o público, o que era curiosidade e já tinha virado comoção, agora era respeito.

Truvo fecha o mês de apresentações que o Campo promoveu em julho. Na primeira das atividades, ainda fechada ao público, eles convidaram a nós, da Revestrés, ao colegas do EntreCultura e outros jornalistas e produtores para discutir Jornalismo Cultural. Perguntaram, respondemos, eles propuseram uma atividade. Até hoje não sabemos se aquilo saiu como esperado – se é que algo precise sair como esperado nas experiências do Campo.

Acostumados a perguntar, fomos perguntados. Admitimos algumas limitações, expusemos dúvidas, angústias. Eles também. Até que Victória pergunta algo como: E vocês, o que esperam do Jornalismo cultural? Ufa! Enfim, ela nos devolve as perguntas e restitui nosso local de jornalistas. Já podíamos ir embora. Ainda que compartilhássemos agora algumas questões sem resposta fácil.

Evelin e Luzia, no escuro, juntos, em construção, falam da busca por respostas difíceis. São resistentes, continuam autênticos, agora donos de uma generosidade madura, que se permite olhar no espelho e ver o outro. Em momento algum dançaram um com o outro, como a maioria dos que foram ali talvez esperasse. Fizeram melhor: dançaram um para o outro.