Por Samária Andrade
No lançamento da edição 38 de Revestrés as três atrações eram de negros: James Brito, Afronto e Coisa de Nêgo. Ou melhor: eram afrodescendentes. Havia pouco tínhamos ouvido do professor Francis Musa Boakari (entrevistado da Revestrés 38): “eu não uso a palavra que começa com ‘n’, eu uso afrodescendente, porque antes de ser conhecido como ‘n’ eu era Mendê”. Era uma posição política, uma recusa a ser chamado por um nome dado por europeus para unificá-los: “nomear é tomar posse”.
Estavam lá James Brito, sorriso quase tímido, uma boa dose de humor para aguentar o tranco, e quando você acha que o cara é inofensivo, ele dispara: “Periferia não é só horror: periferia tem sabedoria, tem criança, tem mulher, tem verdade e tem vovô.”
André Gonçalves (editor) chama Washington Gabriel, o W.G., e explica: “o som tá meio improvisado”. Recebe de resposta mais um sorriso e a afirmativa: “Improvisado? Disso a gente entende”. Não era amadorismo, era a sabedoria de quem sabe inventar e reinventar. De quem sabe se reinventar. Junto com Gilsão (que está na seção 10 Dicas): -“tem que ter protesto” – e com Laura – que levava a filha para lhe ver soltar o cabelo e tomar a sala – formam o Afronto e cantam: “Afronto representa a força que não quebra”. Eles têm o poder. Começaram meio desconfiados, terminaram donos do pedaço.
No final, Coisa de Nêgo, o bloco afro que é força e alegria, bate um tambor que está dentro da gente. “A minha voz, uso pra dizer o que se cala” – imagino que diria Elza Soares, caso os visse.
Entre uma música e outra, Andreia Marreiro, professora, pôs a sala em suspensão ao convocar: “brancos, vocês têm que reconhecer seus privilégios!”. Ana Carolina Magalhães Fortes, advogada (participa da entrevista com Francis), diz o quanto os ativismos lhe ensinam todos os dias e que tem até medo de retomar a entrevista que deu à Revestrés em 2015 e avaliar o quanto aquelas falas ainda lhe representam ou não. Assunção Aguiar, ativista, do Memorial Esperança Garcia (onde estávamos) e também do Coisa de Nêgo, sem precisar explicar nada, ensina o que é acolher. Rogério Newton, cronista dos bons, faz críticas à imprensa, que também devem ser refletidas por Revestrés.
Por fim, Welligton Soares (editor) olha pra mim e pergunta: “foi bom?”. Eu não lembro se respondi. Eu não sei se já sabia a resposta. Vai agora, Well: “Foi lindo!”.
Eu pensava que eu tinha ido ao lançamento da Revestrés 38. Foi muito mais. Tornou-se um ato. Um ato para maturar sobre racismo, desigualdades, preconceitos, diferenças, pequenezas. E também sobre afeto, companhia, empatia, afinidades, grandezas.
Para ilustrar tudo isso, peguei de empréstimo a imagem produzida por Tássia Araújo, produtora audiovisual, fonte na matéria sobre cinema no Piauí, porque acho que pode ser a imagem que melhor representa essa noite, esses dias.