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E se as páginas de obituário ganhassem relevância no jornalismo?

Por Samária Andrade

Tive que responder algumas vezes à pergunta: por que você foi ao velório de Nêgo Bispo? De fato, não posso dizer que fui uma amiga do ativista, pensador quilombola e escritor. Sou uma jornalista que o entrevistou, junto aos companheiros da revista Revestrés, e que passou a admirar aquele homem e recebia informações esporádicas dando conta de sua projeção nacional. O líder quilombola piauiense morreu no auge – se é possível dizer algo assim –, pouco mais de dois anos depois que o entrevistamos. Com livro recém-publicado pela UBU, estava entre os mais vendidos desta editora e era o primeiro em vendas pela Amazon, na categoria Ecologia.

A notícia de sua morte foi pauta no Fantástico daquele domingo. Bispo era cada vez mais chamado para proferir palestras em universidades por todo o Brasil. Por conta da entrevista à Revestrés e por minha vida acadêmica, algumas vezes fui procurada por colegas professores interessados em seu contato para essas palestras. Só recentemente ele havia passado a cobrar por essas atividades. Viu o número de convites aumentar. O dinheiro que ia entrando Bispo investia na área de lazer que construía para a comunidade quilombola do Saco-Curtume, onde vivia. Passou mal neste mesmo local e, depois de ser socorrido e ter duas paradas cardiorrespiratórias, morreu aos 63 anos de idade. “Nós, quilombolas, estamos vivendo o melhor momento de nossas vidas” – havia dito à Revestrés.

Mas por que fui ao velório de Nêgo Bispo? Talvez por ter perdido meus pais recentemente (minha mãe já faz oito anos – que susto, sempre parece que foi ontem!). Desde então, a notícia de que alguém morreu passou a ganhar outro significado e tamanho. Ou, talvez, eu tenha ido ao velório porque fiquei comovida – e aqui lembro o sentido original da palavra: comover é mover-se junto a outros. Quando a notícia da morte de Bispo se espalhou, logo fiquei sabendo de alguns amigos que iriam até Saco-Curtume – esses, sim, amigos-amigos de Bispo. Tentamos articular uma carona, as combinações foram mudando e terminei indo numa van, com pessoas gentis que eu pouco conhecia. Mesmo sendo bem recebida na van e, depois, na casa de Bispo, a pergunta apareceu a mim também: por que saí de casa na madrugada de uma segunda-feira, 4 de dezembro de 2023, entrei numa van, enfrentei 450 km de estrada e fui ao velório de Nêgo Bispo? Talvez uma terapia me responda. Talvez eu tenha ido para fazer uma matéria, podem concluir outros. “Uma vez jornalista, é difícil não agir como jornalista” – já disse Matinas Suzuki. O fato é que fui, junto com amigos-amigos de Bispo, generosos em me deixarem participar, escutando histórias sobre ele, ouvindo cantos e o toque do tambor que levavam para celebrar sua vida. De fato, escrevi um texto que saiu publicado na revista piauí. E, de fato, não tinha pensado que faria esse texto. (continua após o vídeo).

 

 

Naquela tarde quente, por volta de 16 horas, já se aproximavam as cerimônias finais em homenagem ao líder quilombola. Estou sentada em um pequeno tamborete na varanda da casa de Bispo, com um vira-latas manso aos meus pés, quando uma moça se aproxima e diz: “Você é jornalista? Pode fazer imagens para a televisão de Teresina?” Alguém completou: “As redes sociais do Brasil não têm outro assunto”. Não enviei as imagens solicitadas e, depois, soube que as TVs da capital colheram imagens no instagram do próprio Nêgo Bispo, alimentado por uma amiga da família, que usava o novo celular comprado pelo quilombola e que havia chegado somente naquela mesma manhã. Algum colega tinha me visto nas imagens e identificou que havia uma jornalista na cerimônia. Foi quando me dei conta: o homem que comoveu o país naquele dia não havia mobilizado nenhum meio de comunicação a pautar seu velório.

“E se as páginas de obituário ganhassem relevância no jornalismo?” Os jornais poderiam estar mais vivos do que quando dedicam espaços enormes para páginas políticas – que são muito mais propaganda, assessoria de imprensa, RP, marketing político e muito menos jornalismo.

No percurso que fizemos a pé, da casa de Nêgo Bispo até a roça onde ele foi enterrado/plantado, mais uma constatação: apesar da avassaladora repercussão nacional, ali não apareceram autoridades nacionais ou estaduais, nem representantes das universidades, que tanto o requisitavam. Apenas duas coroas de flores foram entregues. Uma terceira, em nome do governador do Piauí, Rafael Fonteles, chegou somente às 21 horas, quando as cerimônias já haviam se encerrado. Avesso aos espaços institucionalizados, é possível que Bispo nem se importasse com essas ausências. Quando lhe perguntavam “por que você é mais reconhecido fora do Piauí?”, tinha uma resposta definitiva e de finíssima ironia: “Porque quem tá precisando me ouvir são vocês, que moram na cidade grande”. Mas comecei a pensar que a pergunta não era “por que eu fui ao velório de Nêgo Bispo” e, sim, porque a mídia, as autoridades, as universidades não foram?

Isso tudo estava um tanto adormecido comigo quando, nesses últimos dias, alguns personagens relevantes da cena cultural e acadêmica do Piauí também morreram. Aqui destaco Elio Ferreira, poeta performático, ativista negro e professor de Letras da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

Essa notícia comoveu as pessoas, e logo começaram a circular vídeos de Elio interpretando poemas próprios. Em um deles, está nos corredores da UESPI, livros em punho, microfone na outra mão, e diz quase aos gritos: “poesia, poesia, poesia! Eu pensei que tivesse conquistado o mundo, não fui além do riacho que passava no fundo do quintal da minha casa”. Elio foi bem além. Poemas dele são estudados em cursos de Letras de universidades do Brasil. Nunca deixou de ser um tanto outsider. Para alguns, era o poeta meio maluco que tinha coragem de fazer versos como: “Eu vou comer a tua mãe”, “Todo mundo quer ser deus, e deus é a fome, é a criança morta, deus é teu c*zinho”. Era um estudioso muito sério, inspiração para poetas mais jovens e estudantes.

E o que temos feito quando pessoas como essas ancestralizam? Temos ido às redes sociais e, aos poucos e coletivamente, promovemos uma cerimônia de adeus. No jornalismo brasileiro o texto de obituário é uma seção menor e mal vista. Já no jornalismo de países como Estados Unidos e Inglaterra, essa seção alcançou status de literatura. Os repórteres disputam espaço como obituaristas, assim como, no Brasil e no Piauí, profissionais da imprensa desejam uma vaga na seção de política. Nos bons textos de obituário, além da oportunidade de refletir sobre a vida, devolve-se importância à pessoa reportada. E pouco importa se ela não vai ver esse texto: quem está precisando entender isso somos nós, os que ficam, e não eles, que já fizeram tanto. Como Bispo havia dito: “Quem tá precisando me ouvir são vocês”.

Elio Ferreira morreu no dia 11 de abril, aos 68 anos, enfrentando um câncer. No velório, amigos contavam que ele não se deixava abater e mantinha todos os compromissos, dava palestras, lançava livros. Três dias antes de morrer, já no hospital, participou de modo online de uma banca de doutorado que era defendida em Coimbra, Portugal. Elio encarnava sua última performance. E faz martelar na gente os versos que escreveu ao pai, ferreiro, ofício que ele também exerceu dos nove aos vinte anos: “O meu pai é ferreiro, ele acorda de manhã, bem cedinho, na hora dos passarinhos, o martelo TEM TEM TEM…”

Agora, quando minha pergunta é “e se as páginas de obituário ganhassem relevância no jornalismo?”, penso que os jornais poderiam estar mais vivos do que quando dedicam espaços enormes para páginas políticas – que são muito mais propaganda, assessoria de imprensa, RP, marketing político e muito menos jornalismo.

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Samária Andrade é doutora em Comunicação pela UnB (Universidade de Brasília), Jornalista, Professora e Pesquisadora de Jornalismo na UESPI (Universidade Estadual do Piauí).

 

O que nos levou até ali?

Por Samária Andrade | Fotos: André Gonçalves e arquivo

Quando avistamos a placa na calçada da Avenida de Mayo – “Bar e Restaurante Teatral La Clac recomenda: Jorgelina Piana” – imediatamente dissemos sim e entramos. Não é que conhecêssemos a artista e nem o local. É que eu e André saíamos de três dias de Congresso Internacional da Ulepicc – União Latina da Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura – em Buenos Aires, com estudiosos hablando pesquisas o tempo todo. Tudo o que a gente queria era um lugarzinho pra ouvir música e relaxar. Não demorou muito e isso se transformou numa aventura daquelas que só o jornalismo é capaz de lhe levar.

Foto | André Gonçalves

O local era pequeno, curioso e à salvo de turistas. Excessivamente decorado, com objetos de variadas décadas, formava um ambiente retrô – como quase tudo em Buenos Aires. No palco, a cantante de tango raiz Jorgelina Piana era acompanhada por três bons músicos. Quando ela soltou a voz, emocionou a pequena plateia. Alguns cantaram junto, acompanhando o repertório conhecido. A cantora chegou a chorar em algumas interpretações. Por meio do garçom ficamos sabendo mais: ela é neta do compositor Sebastián Piana, pianista argentino falecido em meados dos anos 1990, autor de cerca de 500 tangos clássicos como “Milonga Sentimental” (com letra de Homero Manzi) e “Tinta Roja” (com letra de Cátulo Castillo).

O que pessoas viajando a trabalho em um congresso fariam? Relaxariam, poderiam cantar, brindar com vinho… O que jornalistas fazem? Podem fazer isso tudo, mas fazem algo mais: acreditam que acabaram de descobrir uma boa história que estava só esperando para ser contada por eles.

Pode parecer um tanto arrogante falando assim. Na verdade, é mais romantismo.

Esperamos o show terminar e nos apresentamos aos artistas. Ouvindo que éramos jornalistas brasileiros querendo fazer uma matéria, um empresário logo tomou a frente. Em poucos minutos está marcada uma entrevista para o dia seguinte. Recebemos o endereço de onde deveríamos ir em um guardanapo.

Sebastián Piana: cerca de 500 tangos, alguns clássicos da música argentina | Foto: arquivo

Jorgelina estava voltando a Buenos Aires depois de 12 anos morando na Espanha com a família. Pretendia defender o legado do avô. Por isso tanta emoção. Mas essa história está na matéria já publicada em Revestrés (link abaixo). O que vamos contar agora é a história da entrevista.

Na manhã seguinte ao show, pegamos um táxi e partimos em direção ao local indicado. E como era longe! Consumiu uns bons pesos de nossa viagem. Pelo mapa, que fomos olhando, não foi golpe do motorista, foi distância mesmo.

O local era um escritório que parecia servir a outros artistas e empreendimentos. Não nos esperava apenas Jorgelina, mas também o empresário e um grupo de argentinos falantes. Na decoração do escritório, cartazes de celebridades do país e uma em destaque – Evita Peron – em fotografias na parede e no porta-retratos sobre a mesa.

Jorgelina Piana | Foto: André Gonçalves

Não tínhamos gravador nessa viagem e os celulares não eram ainda tão modernos. O plano não era fazer matéria – mas já devíamos saber: esse plano vive falhando miseravelmente. O empresário disse: “tranquilo, tranquilo”. Ele gravaria e nos enviaria. Provavelmente não podia perder aquele interesse da imprensa brasileira em sua empresariada. Desconfiada, como deve ser todo jornalista, tratei de anotar tudo o que diziam – ou o que conseguia acompanhar de tanto que falavam ao mesmo tempo. Me sentia já quase Truman Capote, que se orgulhava de não anotar quase nada e memorizar quase tudo. André tentava pôr ordem no portunhol – a língua predominante ali: “Intenta hablar uno a la vez, por favor”. A tentativa era inútil.

No final, voltamos ao Brasil e a gravação do empresário nunca chegou. Ou ele não conseguiu gravar ou descobriu que não éramos a Globo e não se preocupou em enviar material.

Fizemos a matéria, mantivemos contato com Jorgelina por um tempo e ficamos sabendo que ela gostou de como se viu em Revestrés. Fomos salvos pelas anotações no bloquinho de papel. Eles não falham nunca. E ainda ajudam a manter a atenção no que o entrevistado está falando. Isso, ali, era essencial.

O que nos levou do show ao escritório de bairro, com um argentino peronista e outros tantos hablando sem parar? O jornalismo. Isso que nos faz olhar show, gente, paisagem, e enxergar pauta, pauta, pauta.

Numa terra cheia de nostalgia e dramaticidade, que fala “espremido” ao invés de suco, “tormenta” ao invés de chuva, o título que demos a matéria foi “Como sofre a cantora de tango!”

Minto. Isso foi há quase dez anos e não discutíamos o gênero na linguagem como o fazemos hoje. Na época, a revista foi impressa com o título “Como sofre O CANTOR DE TANGO”. E vejam só: a história e as fotos eram de UMA CANTORA. Publicada só agora no site, fizemos essa reparação histórica.

Hasta pronto, Jorgelina!

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Para ler a matéria “Como sofre a cantora de tango”, acesse:

Como sofre a cantora de tango

 

 

Eu podia ser a Rita Lee

Por Samária Andrade

Acabei de ler a autobiografia da Rita Lee e fiquei convencida disto. Se você duvida, vejamos as incríveis semelhanças:

RITA LEE BOOKS B

 

– Ambas estudamos Comunicação, gostamos de escrever e duvidamos de nossa voz para cantar (se não fosse o pessoal lá de casa reclamar que eu desafino, acho que até teria insistido mais).

– Temos duas irmãs, com as quais vivemos as mais loucas aventuras da infância. O que lembramos da escola nessa fase é muito menos de sala de aula e muito mais do corredor, da rua, da praça e de lugares por onde a casa nem sabia que andávamos (Tenho também um irmão e, olha aí, nesse ponto levo até vantagem em relação a Rita).

– Admitimos até hoje uma vontade de viver numa comunidade meio hippie, embora desconfiemos seriamente se essa é uma boa ideia.

– Adoramos ouvir rádio.

– Crescemos num casarão antigo e tão grande (ou eu achava) que tinha quartos desocupados onde vivemos mil aventuras com a molecada da vizinhança. É para lá que iam os amigos, primos, bichos, todo mundo. Quando nos juntávamos aos meninos da rua ficávamos tão terríveis que percebemos: passamos a deixar de ser convidados para as festinhas, embora mantivéssemos a carinha de anjo para nossos pais.

– Nossas mães, minha e de Rita, passavam horas na máquina Singer.

– Criamos muitos animais, especialmente gatos. E os gatos da vizinhança adoravam ir pra nossa casa.

– Tivemos que tomar Biotônico Fontoura como estratégia para engordar um pouco. Menino gordinho era mais bonito e orgulhava mais os pais. Nós duas preferíamos o Biotônico ao Óleo de Fígado de Bacalhau – a outra opção.

– Usamos muita roupa herdada dos maiores.

– Minha irmã mais velha, como a de Rita, na adolescência se apaixonava pelos meninos gays e sofria.

– Rita, em São Paulo, eu, no interior do Piauí, usamos um creme para os cabelos à base de cebola e folha de babosa feito por nós mesmas e amigas. Um horror! Mas acreditávamos que íamos sair daquela mais bonitas.

– Quando criança, teve uma fase que a menina que fazia mais sucesso era aquela que morria cedo. Assim, a gente queria morrer para ser cultuada, num marketing tipo “morra e vire santinha”.

– Começamos a tocar violão no início da adolescência. A única diferença é que ela continuou.

– Tínhamos exatamente as mesmas musiquinhas de cantar repetidamente em coro com as amigas. Na nossa preferida a expressão mais sutil era “bosta pura”. Nos sentíamos as delinquentes por entoar aquilo nas reuniões de família.

Para eu ser a Rita Lee só faltaram alguns detalhes: ter gravado discos de sucesso internacional e feito shows no Olympia, em Paris; ter roubado a cobra do Alice Cooper nos bastidores do show, ter visto Mick Jagger de queixo caído enquanto eu arrasava no palco, ter sabido do príncipe Charles cantando “Lança Perfume” com um sotaque britânico que deixou a música engraçadíssima, ser tirada da prisão por Elis Regina, ter usado ácido até me falarem que eu estava chata.

Como entre o sul do país e o Piauí havia uma distância maior em épocas pré-internet e eu vivi alguns acontecimentos que me tornariam Rita Lee com certo delay, pode ser que ainda tenha chances disso acontecer, né?

Disso podemos concluir: a) a sua/nossa vida (pelo menos uma parte dela) pode ser muito parecida com a vida de qualquer pessoa que esteja por aí, nesse enorme Brasil; b) a nossa história é, em grande parte, uma história social e não apenas nossa; e c) ter uma vida até banal não significa que você não possa virar uma estrela algum dia (mas pode ser que esse nem seja o seu desejo, nem o desejo de quem virou estrela).

Aí, se um dia eu virar a Rita Lee, reescrevo a nossa autobiografia, diminuindo a quantidade de vezes que ela usou a palavra “fofo” (desculpa, jornalista lê editando) e adorando ter escrito coisas como “não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo”.

***

Que ________ você quer ser?

Por Samária Andrade

A jovem aspirante a artista ouviu do bailarino e coreógrafo: “Que artista você quer ser?” Marcelo Evelin, recém-chegado a Teresina de uma de suas idas e vindas à Europa, assumiria a direção do Teatro João Paulo II, inaugurado pela Prefeitura Municipal no bairro Dirceu Arcoverde. Ele visitava espetáculos pela cidade a procura de “pareceiros”. Descobriu Soraya Portela, a quem dirigiu a pergunta, quando ela encenava uma peça de teatro em que interpretava uma velha. O coreógrafo lhe disse algo como: “Estou montando uma equipe de artistas, não sei bem o que vamos fazer, você topa?” Ela topou.

Essa historinha foi contada por Soraya na “Entrevista Performática”, atividade que Evelin tem conduzido no Campo Arte Contemporânea, espaço cultural que criou e coordena atualmente. Após aquele convite, em pouco tempo Soraya se via cortando a cidade de ônibus para chegar ao Dirceu, olhos grudados na janela e imaginação longe. Junto ao grupo que Evelin foi reunindo, passavam dias montando e remontando as ideias do queriam fazer. “Vou ser artista” – ela disse à família. “Eu nem lembro direito o que a gente fazia, mas a gente passava o dia ocupado”, contou Evelin. O que faziam – dia, noite, finais de semana – era um laboratório de reinventar-se. Poderia sair artista. Provavelmente sairia gente.

Marcelo Evelin e Soraya Portela na Entrevista Performática do Campo Arte Contemporânea.

O grupo teve que deixar o teatro da Prefeitura, que ficou um tanto assustada com a modernidade que traziam (essa é outra longa história). Queriam permanecer no bairro e viraram o Núcleo do Dirceu, encontrando abrigo num armazém do Supermercado Carvalho, que alugou a eles, por preço modesto, um galpão de armazenar produtos perto de perder a validade, geralmente usados em promoções. Experiente em ressignificar, Evelin adorou o que lhe parecia uma enorme provocação do destino: artistas + um galpão de supermercado na periferia + produtos perto de perder a validade + promoção. “Não perca!”

Da trincheira que ergueram, vieram espetáculos imaginativos, provocativos, alguns quase incompreensíveis (“E há algo a ser ‘compreendido’?” – disse Evelin em entrevista à Revestrés). Viraram ponta de lança de um movimento jamais visto na cidade até então. Nunca tiveram público de massa, mas atraíam gente que deixava de ir ao teatro no centro da cidade se, naquele dia, Evelin e sua turma estivessem inventando alguma coisa meio esquisita para se ver. A trupe – plural, fechada, criativa, contraditória, difícil, gentil – havia se multiplicado naquele laboratório de artista e gente. Ela se fez e refez em muitos formatos e formações que, hoje, continuam a reinventar parte da melhor produção cultural contemporânea da cidade e do país.

Revirando memórias, Soraya, bem-humorada, contou que, junto ao grupo, viajou pela primeira vez de avião e se apresentou em São Paulo. Arrancou risos ao lembrar que criou suas próprias classificações para se (re)entender no mundo. Ela era uma “bicha rabo fino”, Evelin e os artistas que vinham do sudeste do Brasil e de fora do país eram as “bichas gratinadas”. Não havia autodepreciação nas categorias criadas por Soraya. Era muito mais o jeito descontraído que ela encontrava para lidar com o que ainda nem entendia direito. Foi parar na Holanda, se perdeu nas ruas e chegou atrasada na escola de coreógrafos onde faria um teste. Com um parco inglês e muita coragem, disse uma das frases decoradas: “Sorry, I´m late”. Fez o teste. Bicha rabo fino esperta logo vai virando gratinada.

Mas tinha a pergunta que Evelin fez e que continuava a atormentar Soraya: “Que artista você quer ser?” Agora, quando nos conta isso, quase rindo, quase aflita, a dor já não era só sua: se esparramava entre nós. Soraya carrega até hoje a questão, mas também nos entregou naquela conversa. Ou (re)acendeu a indagação que também trazemos.

“Que artista você quer ser?” – A pergunta não tinha nada de simples. E nem mesmo queria resposta. Uma resposta poderia pôr fim a questão. E o que ela queria era latejar dentro do corpo desavisado que abrisse a guarda para recebê-la.

A pergunta que não deixava Soraya em paz pode ser aplicada a quase tudo, bastando substituir o nome “artista”. Que jornalista você quer ser? Que professor você quer ser? Que advogada, bancário, porteiro, médica, político, estudante? Que companheira, pai, mãe, irmão, filha, amigo, vizinho você quer ser?

Hoje, quando quase tudo quer fingir austeridade e planejamento, quando a ciência gerencial quer parecer o único caminho possível, quando os defensores da ideologia da gestão detém as dicas de como traçar carreiras calculadas para o sucesso, não é maravilhoso que logo uma bicha gratinada diga coisas como: “não sei bem o que vamos fazer”, “não lembro bem o que passávamos o dia fazendo”?

Que artista você quer ser? Uma pergunta que nem mesmo quer resposta, quando os gestionários consideram a reflexão epistemológica uma perda de tempo.

Antes de pensar em respostas, desconfie de quem traçou um caminho linear. Provavelmente essa pessoa não vai conseguir segui-lo (será que avisamos?). E se, aparentemente, conseguir: coitada.

A verdade é que há muitas maneiras de ser qualquer coisa. E a grande maioria de nós vai seguir um caminho não linear, até chegar a ser… talvez outra coisa.

Mas, mais cedo ou mais tarde a gente pode ter que enfrentar aquela pergunta. Tomara que lembremos que não se trata exatamente de dar uma resposta. Mas de remoer a questão. Quem sabe, do alto da sabedoria de uma bicha gratinada, possamos falar: “Eu não sei”. Um “eu não sei” que, antes de ser desinteresse ou irresponsabilidade, é uma espécie de autorreconhecimento.

Um “eu não sei, mas eu tô querendo saber”.

Você está aqui como jornalista?

Samária Andrade

 

“Você está aqui como um jornalista ou como um gay com aids? Quem é você?” –  perguntou, desafiador, um repórter de tevê durante o cortejo fúnebre de um líder do movimento Act-Up que morrera de aids (o Act-Up foi formado em 1987, em Nova York, por ativistas em defesa da vida de pessoas com aids). A pergunta se dirigia a Jeffrey Schmalz, jornalista do New York Times, quase uma celebridade no meio jornalístico norte-americano, que acompanhava o cortejo para fazer uma matéria. Dois anos antes ele mesmo foi diagnosticado com aids.

Era início dos anos 1990 e Schmalz, então editor-adjunto do New York Times, acreditou por muito tempo que seu sucesso na carreira foi, entre outras coisas, ter escondido sua homossexualidade. Depois que se descobriu com aids, tornou-se porta-voz e defensor dos que sofriam com a doença e com os preconceitos ligados a ela. Ao mesmo tempo, tomava cuidado de refrear seus sentimentos nas matérias. Sobre o cortejo fúnebre, no auge de seus conflitos pessoais sobre como deveria se localizar na cobertura do tema, decidiu que ele não merecia matéria, apenas uma foto e legenda. E foi o que fez. Uma semana depois, no entanto, em 20 de dezembro de 1992, publicou o texto intitulado “O cara do New York Times com aids”, um desabafo, em que abordava frontalmente o fato de ser um jornalista, ser gay e ter aids. “Por vinte anos, eu fui um jornalista que seguia as regras e não permitia nenhum envolvimento pessoal. Mas agora eu vejo o mundo pelo prisma da aids. Sinto-me obrigado perante as pessoas com aids a escrever sobre a doença e perante o jornal a escrever sobre algo que nenhum outro repórter seria capaz de cobrir da mesma maneira”.

No dia da pergunta, com um microfone à sua frente, ele não teve reação imediata. Contou, no texto confessional, que a multidão se aproximou querendo saber a resposta. “Eu também queria” – escreveu. “Finalmente ela veio: jornalista”. A resposta decepcionou os ouvintes. E a pergunta continuaria a reverberar no jornalista, como revela seu texto: “Naquela tarde chuvosa, passei no teste do jornalismo ao falhar no teste do ativismo”- concluiu. “Fiquei pensando como devia ser difícil para pessoas negras fazer matérias sobre pessoas negras, para as mulheres fazer matérias sobre mulheres. E, no entanto, esse tipo de reportagem é a última palavra em jornalismo. Certas pessoas acham que é o jornalismo que sofre, e que com isso se abandona a objetividade. Mas estão enganadas. Se os repórteres têm alguma integridade, são eles que sofrem, presos entre duas lealdades”.

Esse episódio nos leva a entrevista recente, ocorrida em Teresina, quando um grupo de cinco jornalistas, num estúdio da TV Meio Norte, entrevistava Sílvio Mendes (União Brasil), candidato a governador do Piauí. Respondendo à única jornalista negra, talvez instruído a ser cuidadoso, saiu-se mais como um elefante numa loja de cristais e falou a frase que repercutiria nas redes sociais: “Katya, eu imagino quantas discriminações você não sofreu, você, que é quase negra, mas é uma pessoa inteligente, teve oportunidade que a maioria não teve e aproveitou”. Disse ainda que, se eleito, não empregaria pessoas de sua própria família, elas teriam que se esforçar, como a jornalista negra fazia. Katya D’Angelles não esboçou reação. Nem seus companheiros e companheiras de estúdio. Nem a TV onde trabalham. As frases, ditas com aparente intenção de incluir, excluíam. Ao reconhecer o quanto foi preciso esforço para estar ali e salientando a cor de sua pele, dizia para aquele corpo negro o quanto ele era estranho àquele espaço.

Ser um jornalista que segue as regras serve também para evitar o embate com as questões profundas da profissão.

Imaginei as pressões a que a jornalista se viu submetida: falar algo na hora, ao vivo? O que falar? O que o movimento negro estava dizendo? Que repercussão aquilo estava ganhando? Contrariar o político importante? E em período eleitoral, onde esse fato – e, de certa forma, ela – poderia ser usado por opositores do candidato? Jornalista se posiciona ao vivo, na presença do entrevistado? Jornalista defende o grupo ou causa à qual reconhece pertencer? Seria ativismo? Deixaria de ser jornalismo? Imaginei Katya como Schmalz, talvez acompanhando o cortejo de um corpo. Um outro corpo, que não parecia o seu, mas que poderia ser o seu também. Para ela, talvez o repórter de tevê perguntasse: “Você está aqui como jornalista ou como uma mulher negra?”. A multidão queria uma resposta. Imaginei que Katya também queria.

Depois de dias sem se pronunciar, a possível resposta da jornalista veio em um depoimento à repórter Vitória Pilar, publicado no portal O Estado do Piauí. Sem citar nomes, ela diria que “entender um episódio racista nunca é de uma hora para outra” e que sempre foi e quer continuar sendo “maior do que qualquer situação que tente me reduzir”. Schmalz, me parece, viveu conflitos pessoais/profissionais idênticos.

Esse episódio foi discutido sob o ponto de vista do racismo, mas é também preciso abordá-lo sob o viés das questões relativas ao trabalho e aos valores profissionais – campo de pesquisa que tem crescido nos estudos de jornalismo. E para pensá-lo sob esse viés, há que se levar em conta dois aspectos fundamentais: um é a ideologia profissional, que fala em objetividade e em imparcialidade do jornalista. Essa discussão geralmente não se aprofunda, mas dita regras e vem carregada de um positivismo conservador e forte dose de simplificação. Ainda que esse positivismo já encontre questionamentos, ele serviu como ponto de partida para uma epistemologia da profissão ao longo dos séculos 19 e 20. E continua a ser valioso para parte dos jornalistas, ou continua a pesar como valor profissional sobre os ombros destes e suas avaliações do que podem/devem reportar e como podem/devem fazê-lo. Também é um valor aceito por grandes parcelas do público, dos anunciantes e assimilado em campanhas de divulgação dos veículos de comunicação. Termina sendo um tema pouco discutido do ponto de vista crítico e empurrado para debaixo do tapete pelos jornalistas. Ser um jornalista que segue as regras serve também para evitar o embate com as questões profundas da profissão.

O chamado jornalismo declaratório é incapaz de enfrentar a realidade, acossado que está pelas mentiras que não ousou chamar “mentira” – seria parcial.

O modelo que busca a objetividade como um valor total conduziu à ideia de que bastava ouvir os “dois lados” – ufa! – e o jornalismo estaria cumprindo sua função. Isso levou ao chamado jornalismo declaratório, hoje incapaz de enfrentar a realidade, acossado que está pelas mentiras que não ousou chamar “mentira” – seria deselegante, parcial. E adequou toda uma linguagem para não ferir a realidade. Na gramática onde a palavra mentira foi subtraída, o “perverso” foi chamado de “polêmico”. Até que a desinformação (ou deveríamos chamar mentira?) se instalou e está muito à vontade.

Ela tem sido tema de incontáveis artigos científicos e de todos os congressos de jornalismo desde o ano passado. A desinformação/mentira, afinal, parece estar nos trazendo um bem: nos obrigando a olhar o monstro de frente. Que vocabulário eu, jornalista, estou usando ao lidar com o que reporto? Até onde ou o que posso/devo falar? O que não precisa estar na matéria ou o que, ao contrário, deveria estar? Até onde posso ser parte do que reporto? Nelson Traquina já havia nos falado que a objetividade não é a negação da subjetividade, mas, ao contrário, a confirmação da existência desta. E que é exatamente por sermos subjetivos que devemos perseguir a objetividade. “A objetividade surgiu no Jornalismo precisamente quando se chegou à conclusão de que não era possível escapar da subjetividade”. O autor lembra que a objetividade é uma noção importante para outro valor jornalístico: a credibilidade.

Um segundo aspecto do mundo do trabalho nos faz olhar, sob o prisma da economia política da comunicação e sua preocupação com as relações de poder, para um momento instável, em que jornalistas encaram um mercado concorrido e em transformação – desde tecnológicas às trabalhistas, desde modos de fazer à diminuição de postos formais de trabalho e enfraquecimento de leis de proteção ao trabalhador. Esse espaço de trabalho tem se revelado um solo movediço, precarizado, exigente, carente de redes de apoio aos jornalistas, com múltiplas funções recaindo sobre um mesmo profissional – até mesmo o desprofissionalizando (quem deve fazer de tudo talvez não precise fazer nada muito bem feito).

Nesse cenário de autonomia sempre relativa do jornalista, na relação com a empresa e com o público, até onde o jornalista se sente autorizado a “enfrentar” um entrevistado? Como se articulam as relações econômico políticas entre os veículos de comunicação, os entes políticos, anunciantes, sociedade, grupos de interesse? Como o jornalista se percebe (se é que está tendo tempo de se perceber) em meio a tudo isso?

Nesse cenário de autonomia sempre relativa do jornalista, até onde ele se sente autorizado a “enfrentar” um entrevistado?

Ao situar o jornalismo como um negócio e uma profissão, Juarez Bahia fala do jornalista como alguém que se move entre regras cujos extremos são o lucro e a honra – os extremos, frisamos, para lembrar que entre um e outro há margens de manobra. Schmalz enxergou os jornalistas como profissionais que sofriam, presos entre duas lealdades. Referia-se a uma lealdade consigo mesmo e com o público e uma lealdade relativa à ideologia profissional, que buscava não macular a objetividade. Aqui podemos pensar em uma terceira lealdade: ao emprego.
Some-se a isso o fato de que jornalistas estão atravessados pelas questões que lhe são contemporâneas e como elas estão repercutindo nas interações sociais: racismos, machismo, desigualdades, preconceitos – que ora podem reproduzir, ou ignorar, ou reagir de modo a contribuir com as reflexões.

A despeito de toda a polêmica gerada no caso com a jornalista Katya D´Angelles, dias depois, dois outros episódios envolveram o mesmo candidato a governador e dois outros jornalistas, o que leva a supor que o candidato ou reproduz um comportamento que se revela estrutural ou acredita que encontrará eco entre parcela de seus eleitores, a exemplo do bolsonarismo. Na TV Clube, afiliada da Rede Globo, questionado pelo jornalista Marcos Teixeira sobre o fato de aludir, em sua campanha, ao ex-presidente Lula (PT), quando, na verdade, é apoiado por Ciro Nogueira (PP), ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Sílvio Mendes disse ao jornalista: “Marcos, você parece que é petista”. A reação tentava desqualificar a pergunta (um dia depois dessa entrevista, o próprio Jair Bolsonaro, em sua live semanal, mostrou cartaz e pediu voto para Sílvio Mendes). Dias depois, na mesma TV Clube, perguntado pelo jornalista Felipe Pereira sobre a ausência, no seu plano de governo, de políticas públicas destinadas a pessoas negras, disse que acha “tão igual, tão igual” negros e brancos, argumentando que não é a cor da pele que define as diferenças entre as pessoas. A fala, que tenta parecer não preconceituosa, nega às pessoas pretas o reconhecimento do racismo e suas consequências criminosas.

Nesses dois últimos casos, os jornalistas rebateram as afirmações. Pode-se considerar aqui o aspecto de gênero: esses dois outros casos ocorreram com jornalistas homens. Além de outros pontos: talvez esses dois jornalistas estivessem menos desprevenidos que no primeiro episódio, talvez se sentiam mais amparados pelo veículo de comunicação onde operam, talvez mais confiantes de certo apoio que veio das interações sociais. José Luiz Braga defende que na produção e recepção de sentidos das mensagens midiatizadas importa mais a circulação posterior à recepção imediata, uma vez que as proposições circulam, retrabalhadas, tensionadas, reinseridas nos contextos mais diversos, compondo uma movimentação social dos sentidos que escapa à mensagem primeiramente veiculada (aliás, ele também questiona o que seria essa “primeira” mensagem). Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer que as respostas sociais posteriores as entrevistas não beneficiavam o candidato.

Acostumado a ser espectador do desastre sem participar dele, o jornalista tem sido instado a também ser personagem da matéria – e não somente como quem reporta, mas como quem está vivo, muito vivo.

Não obstante, mesmo com o tema da última interação repercutindo negativamente ao candidato e recebendo até nota de repúdio da tradicional comunidade quilombola do Mimbó, e mesmo que o meio de comunicação não tenha controle sobre a repercussão de seu conteúdo, a manchete do portal G1 PI, da TV Clube, sobre a entrevista com o candidato, trazia a abordagem que mira a objetividade, com os seguintes título e subtítulo: “Candidato ao governo do Piauí Sílvio Mendes (União Brasil) fala sobre suas propostas no Bom Dia Piauí: Sílvio Mendes detalhou por 26 minutos sobre suas propostas para os piauienses.” Ou seja: entre a angulação que repercutia nas interações sociais e chamaria mais a atenção – e parecia carregar maior valor notícia –  e a ideia de que o jornalismo deve se mostrar higiênico, o portal investiu na segunda opção.

Por muito tempo acostumado a ser espectador do desastre sem participar dele, o jornalista tem sido instado a também ser personagem da matéria – e não somente como quem reporta, mas como quem está vivo, muito vivo. Por muito tempo escamoteando sentimentos em busca do rigor profissional, o jornalista é capaz de ter acreditado que conseguiria separar a emoção do fazer jornalístico. Pressionado a cada vez mais produzir contra o tempo e, até por isso, a pouco refletir ou fazer autocrítica (ao menos pública) sobre o trabalho que desenvolve, o jornalista terá que arrumar algum tempo onde caibam questões que, antes de superadas, estão palpitantes: quem é o jornalista? E qual o lugar do jornalista?

Menos de um ano depois de escrever seu texto desabafo, Schmalz morreu, em 7 de novembro de 1993, aos 39 anos, por complicações em decorrência da aids. No relato pessoal ainda lembrou como descobriu que tinha aids: estava trabalhando na redação do New York Times, via-se como absolutamente saudável e então passou mal, teve uma perda de visão momentânea e um desmaio. Escrevia o desabafo no mesmo local em que desmaiou, mas agora, ao se questionar enquanto jornalista, um profissional que não queria ser ativista; que, ao mesmo tempo, reconhecia que continuava a ser alguém com aids, mesmo quando tratava de outros assuntos; que, antes de saber que tinha aids, julgou entrevistados com a doença como frívolos e disponíveis a aparecer na reportagem; que não se envolvia; que se orgulhava de se separar do que assistia… Ele agora diz que enxerga tudo de outra forma: “Agora, vejo as coisas com mais clareza do que nunca”.

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Samária Andrade é jornalista, Doutora em Comunicação pela UnB, professora de Jornalismo na UESPI (Universidade Estadual do Piauí), Coordenadora do grupo de pesquisa Trampo – Trabalho e mídia: teoria e práxis noticiosa (UESPI/CNPQ) e membro do Grupo de Pesquisa COMUM, do PPGCOM da UFPI (Universidade Federal do Piauí).

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Referências:

BAHIA, J. Jornal, história e técnica. Rio de Janeiro: Mauad, 2009.

BRAGA, J.L. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.

SILVA, Gislene. Da necessidade dos estudos de jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia (Florianópolis), v. 1 nº. 2, 2004, p.199-210. [entrevista com Nelson Traquina].