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Faça silêncios

Por Samária Andrade

Com a palavra escreve-se a matéria, a poesia, a pesquisa, o romance, o desabafo. A palavra informa – dizem os que esperam pouco da palavra. Ela também fere, envenena. Ela também salva. Ela está pesada, carregada de outras palavras. Ela está vazia, oca de sentidos. Ela está em todo lugar. “Há demasiado palavrório e não se dá valor ao que se abusa” – disse Frei Betto.

A arrogância de quem escreve é pensar que escolhe as palavras. Algumas se convocam. Outras, como gente, quando juntas, se deformam e se tornam dementes. Ou ganham potência. Outras ainda dizem o interdito e vão significar mesmo o contrário da aparente concretude do escrito. A palavra não se submete.

Mas como continua sendo difícil escrever se o mundo está cheio de palavras?

A ausência não é de palavras, meus caros. O abismo se apresenta ao se tentar juntar uma e outra. O deserto está nos silêncios. Aquela fenda de onde você só sai agarrado a outra palavra.

Barulhinho bom

Em matéria de sexo, o brasileiro anda muito bem, obrigado. Nem a crise econômica tem afetado a sua libido. Embora não goste tanto de ficar em segundo lugar, até que neste quesito, estufa o peito de orgulho. Pesquisa recente mostra que somos vice-líderes em frequência sexual e tempo de duração do ato. Ótima notícia em tempos de moralismo fundamentalista. Oxalá que em 2018 consigamos a poliposicion, revelando ao mundo que, além de futebol e carnaval, temos ainda talento para o remelexo das ancas – o famoso barulhinho bom. Sinal que o nosso povo assimilou direitinho a lição do saudoso e eterno Bandeira: “As almas são incomunicáveis. / Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. / Porque os corpos se entendem, mas as almas não”.

Os dados, caro leitor, são reveladores e surpreendentes. O brasileiro mantém, em média, 145 relações por ano, perdendo apenas para os gregos, que ostentam o desempenho de 164. Com um pouquinho mais de vontade, galera, conseguiremos tirar de letra essa diferença mínima de 19 fornicadas, bastando apenas dar um tempo diante da televisão. Caso não seja possível, o negócio é mandar ver nos intervalos das novelas, nos poucos minutinhos de propaganda, a maioria enganosa. Contanto, que viremos o jogo. Quanto ao “bem-bom”, a transa do brasileiro dura em média 21 minutos, com os nigerianos levantando a marca invejável de 24. O que são para a nossa gente, afinal, três minutos de diferença? Nada, absolutamente nada.

Liebe und Leidenschaft

 

Outros dados são impressionantes, como o que aponta que 50% dos homens confessam que foram infiéis, pelo menos, uma vez na vida, caindo esse percentual pela metade em relação às mulheres. Nas relações homoafetivas, 10,4% dos homens e 4,1% das mulheres confessam ter vivenciado experiência com pessoas do mesmo sexo. A prática da masturbação – o popular “cinco dedos” – apresenta uma disparidade enorme: 30% das brasileiras confessam jamais ter recorrido a tal expediente, enquanto somente 3% dos homens dizem ignorá-la completamente. O uso de camisinha, infelizmente, está em baixa: 43% das mulheres e 35% dos homens nunca a utilizaram no ato sexual. Já no aspecto da satisfação, tomando como base o universo de cada mil pessoas, 10 mulheres e 6 homens afirmaram nunca terem sentido prazer. Que pena, não sabem o que estão perdendo. No que diz respeito ao horário, 2/3 dos brasileiros disseram não se importar tanto com o relógio, que sexo bom é “sem hora marcada”, valendo mesmo é a vontade na hora.

Em Teresina, o sexo virou iguaria das mais apreciadas, provavelmente superando os dados da pesquisa divulgada pela imprensa nacional. Em caso de dúvida, basta lembrar a quantidade de motéis e pousadas espalhados na cidade. Vários deles, para desespero das meninas, trazendo nomes pra lá de embaraçosos: “Sei lá”, “Vou pensar”, “Você é que sabe” e “Não sei”. Ainda por cima, cobrando uma merreca de 20 reais por duas horas de grande folia e animação. De troco, o casal leva uns versinhos atrevidos do referido poeta recifense: “Teu corpo claro e perfeito, / – Teu corpo de maravilha, / Quero possuí-lo no leito / Estreito da redondilha.” Por isso costumo dizer, caríssimo leitor, a vida é simplesmente foda.

Beijo Marcante

O coração despertara apreensivo naquele dia. Na realidade, quase não dormi direito na noite anterior. Não era para menos, dali a alguns instantes a minha vida escolar estaria na berlinda. Todos aqueles anos de estudo, do João Costa ao Miguel Couto Bahiense, por um fio. A cabeça para estourar, ainda cheia de fórmulas e conceitos acumulados durante tantos anos. Alguns aproveitáveis para o consumo existencial, outros a serem esquecidos tão logo saísse o resultado do vestibular. E eu estava ali, em frente ao prédio dO Globo, na expectativa de ver o meu nome na lista dos aprovados. Não via a hora de ligar para os meus pais, dando a boa nova, e pegar o ônibus de volta a Teresina, a fim de compartilhar com eles e os amigos tamanha alegria.

Cada aluno reage, diante do resultado, de uma maneira própria. Uns choram de alegria, quando logram êxito; outros, de tristeza, ao não terem sido bem sucedidos. Mas aquela garota, a quem nunca vira, resolveu expressar o seu contentamento de forma diferente: tascando-me um beijo na boca, ainda por cima com sabor de lágrima. Mal sabia ela o quanto esse desprendido gesto marcaria a minha vida, acalmando de vez todos os meus temores, sobretudo, num momento de muitas incertezas. Sem falar também, de tantas carências e imensurável solidão. Pena ela não ter prolongado tal entrega, alegando a urgente necessidade de comemorar a vitória com seus familiares. Na despedida, com semblante aliviado e feliz, chegou a pedir desculpas, logo para o maior beneficiado pelo beijo, há um ano na maior secura.

Pintura rupestre do "Beijo" no Boqueirão da Pedra Furada;  Parque Nacional da Serra da Capivara, PI

Pintura rupestre do “Beijo” no Boqueirão da Pedra Furada;
Parque Nacional da Serra da Capivara, PI

A perturbação no juízo foi tão grande que, por alguns minutos, acabei esquecendo o motivo de estar ali, bem como a loucura que havia se transformado a frente do jornal, um formigueiro de candidatos se atropelando para conferir o resultado. Felizmente, graças aos meus esforços e as preces de dona Raimunda, o meu nome constava na lista dos classificados em Biologia. Banhado de alegria, corri para o primeiro orelhão e liguei emocionado para o “Velho”, dando a notícia que estaria pegando a Itapemirim na manhã seguinte. Nunca uma viagem foi tão maravilhosa quanto àquela, apesar dos quase três dias de estrada. Mas nada, nem mesmo o desconforto do ônibus, atrapalharia a felicidade de abraçar os de casa. Aproveitei para curtir as paisagens e belezas deste imenso País, além de matutar um pouco sobre o futuro profissional.

Dos inúmeros medos, um tirava o meu sossego enquanto vestibulando: decepcionar os meus pais, logo eles que faziam o maior sacrifício para bancar os meus estudos na “Cidade Maravilhosa”. Caso não passasse, já estava decidido a permanecer por lá, só retornando após a vitória. Sendo estudante profissional – equivocadamente me indagava – como explicar uma possível derrota? Na época, não tinha maturidade ainda para saber que a vida é bem mais complexa e palpitante que qualquer vestibular. Mas essas coisas a gente só aprende com o desenrolar do tempo. A sabedoria é não ter pressa nem desistir nunca dos sonhos. Daquilo tudo, o que marcou realmente foi o inesperado e gostoso beijo da garota, bem como a animada marchinha do Pinduca: “Alô papai, alô mamãe / Põe a vitrola pra tocar / Podem soltar foguetes / Que eu passei no vestibular”.

Narrativa de Vida: autopoiesis e reinvenção de si

Georgina Quaresma Lustosa
Professora de Filosofia/Educação/CEAD/UFPI

 

Narrar nossas histórias de vida é um exercício autopoiético de fazer-se/refazer-se num permanente devir. É um processo complexo e difícil de ser expressado de forma que atenda a abrangência que a temática exige. As palavras tendem a negar o conhecimento construído ao longo do percurso do vivido, pois as narrativas de vida são sempre relatadas por meio de expressões carregadas de significados subjetivos. E a dificuldade advém pelas nuances que os significados subjetivos apresentam ao conhecimento do ser enquanto condição humana. Vou buscar em Guimarães Rosa que afirma “(…) contar é dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que tem certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares”.

Para escrever um pouquinho de minha história precisei remexer muito minhas memórias, não somente “pelos anos que já se passaram”, mas pelo balancê que a vida dá e as coisas se remexem e mudam de lugares. A história de vida das pessoas não é uma história que possa ser narrada de forma retilínea. Não é um caminho predeterminado, seguro e traçado por vias previamente escolhidas. Os caminhos são percorridos e vividos cotidianamente. Hoje, quando sento para tentar reconstruir um pouco da experiência com minhas primeiras leituras penso: quantos caminhos percorridos? Quantas bifurcações encontradas? Tantos desafios enfrentados? Quantas pedras no caminho? E, aí, lembro dos versos da canção: “Meu caminho é de pedra/Como posso sonhar…”

Mas sonhei, e como sonhei! Continuo a sonhar. Encontrei pedras, mas encontrei flores, encontrei também sorrisos. Ah, como os encontrei! Encontrei sorriso, afeto, aperto de mãos, olhares, abraços. Por tudo isso trago uma bagagem de vida carregada de tristeza, alegria, esperança e muitos sonhos. Nasci e vivi toda minha infância em um sítio dos meus país no interior do Piauí. Lá fui alfabetizada e tive a primeira noção e o primeiro sentimento do prazer da leitura. Mas, queria abrir parênteses para narrar o meu primeiro sentimento de leitura antes de ser alfabetizada. Meu pai tinha como rotina juntar as pessoas, moradores e vizinhos, à noite, depois do jantar, para ouvir leituras da literatura de cordel, vinha todos ouvir as estórias contadas. Quem fazia essas leituras era minha irmã mais velha que já sabia ler (foi ela quem me alfabetizou).

E eu sentia uma tremenda inveja de minha irmã, fazendo aquelas leituras à luz de lamparina, em tons dramáticos ou não conforme os rumos da estória, e aquelas pessoas todas envolvidas com a dramaticidade da narrativa, todas atentamente escutando e muito curiosas para saber o final do romance. Muitas vezes, não terminava a leitura na mesma noite, porque todos precisavam acordar cedo para a lida diária. Mas no dia seguinte, à mesma hora, todos estavam sentados ao redor da mesa grande para escutar atentamente a continuação da estória anterior, ou o início de outro romance. Não me lembro aonde meu pai conseguia aqueles cordéis, penso hoje, que eles cultivavam um sistema de trocas dos livrinhos.

É bom lembrar que nós, crianças da casa, também sentávamos para ouvir as estórias, mas, algumas eram censuradas pelo meu pai, que nos mandava dormir. Imagino que fossem algumas estórias carregadas de violência ou de muitos amores. Também lembro pouco da presença de minha mãe sentada em volta da mesa, ela estava sempre envolvida com os meus irmãos (muitas crianças para cuidar). Enfim, este foi o meu primeiro sentimento de leitura, um sentimento invejoso, queria logo aprender a ler para ser importante naquela sala de leitura como minha irmã.

Aprendi a ler com muita dificuldade, naquela época não tinham métodos que facilitassem a alfabetização da criança. Mesmo lendo nunca substitui minha irmã nas leituras noturna do grupo do meu pai. Isso nunca aconteceu porque minha irmã tinha toda uma metodologia de fazer as leituras dando os tons que a dramaticidade exigia, então o seu posto já estava garantido. Comecei a ler tudo que encontrava inclusive os cordéis censurados pelo meu pai. Lia-os às escondidas.

Tenho saudade da minha infância e meninice, quando lia pelo prazer de ler, lia o que ia encontrando pela frente (o acesso era muito pouco), sem nenhuma exigência didática e metodológica, quando era a curiosidade que me impulsionava para o mundo fascinante da leitura.

Santo Palavrão

Palavrão 3Sempre descobrindo coisas interessantes, os cientistas ingleses. Daí gostar tanto deles. Desta vez chegaram à conclusão, após anos de pesquisa, que falar palavrão faz bem à saúde. Eu já desconfiava disso, pena ninguém ter acreditado em mim. Como não sou doutor nem europeu, as pessoas não levavam a sério (como ainda hoje não levam) o que dizia a respeito de assunto tão delicado. Além disso, zombavam de minha cara, taxando-me de abestado. Agora estou de alma lavada, não só faz bem como é recomendável dizer palavrões. Por um único e simples motivo: “Xingamentos ajudam a lidar com as emoções e tornam mais fácil controlar a dor”, segundo o Dr. Richard Stephens, professor da Universidade de Keele, em Staffordshire, no Reino Unido. E vai mais longe, o eminente pesquisador, ao afirmar que “quanto mais forte a palavra, maior pode ser o efeito de alívio”.

Palavrão 2Para constatar a veracidade de tal descoberta, basta lembrar-se da velha topada de arrancar a unha do dedo. Ou você grita pooorrra com todo o fôlego dos pulmões, dando para ouvir a quilômetros de distância, ou está completamente frito, uma vez que nasce dentro da gente um desespero maior que a dor causada pela maldita pedra. Outra situação inevitável, na qual o palavrão não pode faltar, é quando esquecemos algo, surgindo espontâneo o famoso merda. E o que dizer ao constatarmos que o juiz, em plena decisão de campeonato, prejudicou o nosso time levando-o à derrota: ladrão, filho da puta, boiola, filho da égua, cretino, filho de uma arrombada, descarregando em sua coitada mãe, que não tem responsabilidade nenhuma pelos erros do filho, impropérios dos mais absurdos.

Agora pais e mães, informados dessa novidade científica, devem pensar duas vezes antes de lavar a boca dos filhos com sabão por conta de meros palavrões. Quanto a puxões de orelha ou outra forma de castigo, nem de longe devem ser pensados pelos progenitores, sob o risco de comprometer a saúde dos pimpolhos. Se formos observar, todos dizemos palavrões, até mesmo o papa Francisco que, num ato falho, soltou um sem querer, ao pedir uma solução pacífica para a crise na Ucrânia, em 2014. Em vez de falar “neste caso”, o pontífice leu “neste ‘cazzo’”, gíria italiana usada para designar o órgão sexual masculino. Nas letras de música, os exemplos são abundantes, bastando lembrar estes versos antológicos do Titãs: “Pulgas! /Que habitam minhas rugas /Oncinha pintada /Zebrinha listrada /Coelhinho peludo /Vão se fuder! /Porque aqui /Na face da terra /Só bicho escroto /É que vai ter…”.

Palavrão 1Parafraseando Castro Alves, no que diz respeito ao Dr. Richard Stephens, diria que Oh! Bendito o cientista que semeia palavrões à vontade, e leva o povo a repensar sua educação, pequenas doses de xingamentos ao dia, não só faz bem ao corpo como à alma também. E imaginar que eu, há poucos dias, sofria censura por expressar alguns termos considerados tabus. Dizer até que podia, desde que baixinho ou dentro do banheiro, jamais publicamente. Quantas vezes tive que engoli em seco, frente à barbeiragem de um motorista, palavras “simpáticas” como veado, corno, vai tomar no cu, caralho, filho de rapariga e foda-se. De tudo que presenciei em termos de palavrão, uma cena guardo ainda hoje na memória, envolvendo duas mulheres no centro da cidade. O marido estava numa loja com a amante, quando chega a esposa e flagra os pombinhos fazendo compras. As amabilidades não tardaram muito entre elas: vadia, cachorra, piranha, vagabunda, sem-vergonha e quenga. É dispensável dizer que as pessoas ali presentes torciam para que o circo pegasse fogo, justamente no instante em que a digníssima vira para a outra e sapeca em alto e bom som: “Vai dar o teu priquito pra outro, égua, que este macho já tem dono”. Podem não acreditar, mas naquele episódio tive a certeza que os palavrões não só fazem bem à saúde como são de uma poeticidade sem igual.