Há três meses peguei um voo para o outro lado do oceano com uma mala de 18kg, algum dinheiro e nenhuma certeza. Em duas semanas, larguei dois empregos, vendi carro, fiz duas viagens de 600 km e me despedi das pessoas queridas com um até logo. Em cada ida ao cartório nos últimos cinco minutos antes de fechar, cada providência trabalhista de última hora e em cada mínima resolução dessa viagem eu ouvia uma voz que dizia: “vem por aqui”.
É engraçado como, bem lá no fundo, eu só sabia. Há meses sonhei que me mudava para Lisboa: “olha mãe, é aqui”, dizia ao levá-la para conhecer o apartamento que eu moraria. Acordei e pensei: “what the fuck?”. Naquela noite, alguma coisa foi escrita no céu. Depois de morar em um hostel durante um mês e visitar pelo menos cinco quartos para alugar, eis que vim parar no mesmo quarto que aparecia no sonho – exatamente o mesmo. Não sem antes quase ir parar em outro e, ao partir para as combinações financeiras, a comunicação desandar repentinamente. Era essa voz me estapeando: “não é aqui que você vai ficar!”.
Você deve estar lendo isso e achando que sou louca ou esquizofrênica. Talvez, não garanto nada. Há alguns anos entrevistava uma coreógrafa que dizia: “tem que escutar o passarinho no ombro porque se você não tem esse pássaro que canta no seu ombro, você não tem intuição e, sem intuição, você não vai vencer na vida”.
Tenho escutado e sigo por aí me perdendo entre as ruas ladeira acima, trocando as linhas do metrô, fazendo um pedido no menu esperando por um bife com ovo frito e me aparece um fígado de porco com batata cozida. É como quando eu era criança e jogava videogame: às vezes ganhava, às vezes perdia e seguia fingindo que entendia as regras.
Aqui descobri que criança é “miúdo”; que “resultar”, na verdade significa “funcionar”; que a água não é gelada, é “fresca”; que durex não é fita adesiva, é camisinha; que “fixe” ou “giro” são os equivalentes para “legal” e “massa”; que cueca não é cueca, é calcinha e, que basicamente as expressões brasileiras com conotação sexual ou uso pejorativo são totalmente permitidas em contextos sociais (pica é injeção; ter gozo não é atingir o orgasmo, é sentir prazer ao executar alguma tarefa que pode inclusive ser acadêmica, pasme!).
É como quando você visita um parente ou amigo de que gosta muito: te servem água e sobremesa, mas você nunca pode abrir a geladeira sem permissão ou chegar sem telefonar. É no fim do dia ter um lugar para voltar, mas não se sentir completamente em casa. É nunca entender direito o que seus professores estão realmente pedindo. É sentir algum conforto com aquele feijão tropeiro com salsicha que você achou milagrosamente em um bar. É ser tratada muito bem, mas sempre precisar explicar as piadas que conta. E tá tudo bem.
É tempo de perdoar. Os outros e, sobretudo, a si mesmo. Se perdoar por não ver seu sobrinho crescer, se perdoar por não acompanhar a recuperação médica do seu pai, se perdoar por dar o melhor de si e não achar que é suficiente, se perdoar por ter magoado as pessoas que você ama. É aceitar que mesmo sem casa, você pode ser lar. É ser trem e se deixar descarrilhar. É ter medo de pular, mas se jogar e voar.
Agora um sonzinho bom.