Era uma noite chuvosa de domingo quando fui assistir Eólico no Sobrado. Era também o último dia desta temporada. Lá fora, no bar, alguns amigos compartilhavam conversas e cafés. Lá dentro, algumas outras pessoas se acomodavam nas cadeiras de praia. Ninguém parecia se lembrar da chuva, principalmente os que assistiriam à performance – um projeto independente que propõe criações em dança e é idealizado por Samuel Alvis e Ireno Júnior.

Assisti à versão eólico solo (existe a versão eólico des-dobrado) com Samuel Alvis. Dá pra dizer que Eólico é muita coisa, mas quero dizer apenas que é daqueles trabalhos gostosos de assistir. É daqueles que dá vontade de dançar, daqueles que dá vontade de voar, daqueles que dá vontade de se deixar levar feito pena, daqueles que dá vontade de enfrentar junto, que nem quando a gente está na estrada, viajando de carro, e coloca a mão pra fora pra sentir o peso que o vento tem.

EÓLICO - SAMUEL ALVÍS, foto- Adriano Abreu (1)

Foto: Adriano Abreu

Eólico tem peso. É motor que acelera e desacelera; freia bruscamente, freia lentamente, que repete, que desiste, que persevera, se derrete e se reconstrói – dinâmicas que são de movimento, de dança, de vida. Eólico é também aquele sussurro bom ao pé do ouvido, que dá ventinho na barriga, é variação de Dom Quixote abanando a vontade de fazer, é brisa que refresca a nuca, que faz balançar a saia. É sopro, furacão e tornado. Quantos km/h?

Eólico é que aquilo que tá no corpo porque tá na gente. Tá na gente porque tá no corpo. É sopro que teima, fôlego que acaba, suspiro que se cansa, todos obstinados a transformar, mas se esvaziam. Não sem antes mudar alguns poucos papeizinhos pelo espaço cheio deles: trabalho de formiguinha. São hélices que podem espalhar sonhos e desejos, mas juntas, em movimento e atravessadas colidem, definem pausas, esgotam-se. E depois, começa tudo de novo numa trajetória circular interminável.