Wellington Soares
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Nota mil pras mulheres

 

Para quem ainda subestima a inteligência do sexo feminino, melhor prestar atenção no resultado do Enem 2019, especificamente na Redação, com as mulheres obtendo 32 das 53 notas máximas da prova considerada bicho-papão dos vestibulandos. Que isso representa, cara pálida? Tão somente que as minas, vítimas de preconceito e discriminação no país, ficaram com 60,4% das redações nota 1.000 no Enem do ano passado. Ou, em outras palavras, que as garotas estão escrevendo melhor do que os marmanjos, tidos como mais “sabidos”. Entre elas, despontam as mineiras, com 10 de um total de 13; as goianienses, com 3 de um total de 4; e, isoladas, as piauienses, alagoanas e brasilienses, com 2 cada, sem direito a nenhum homem aparecer na pole position. Quanto ao tema, um assunto mais que necessário em tempos de perseguição à cultura brasileira: “A democratização do acesso ao cinema no Brasil”.

Mas os céticos, sempre inoportunos, devem dizer que foi pura sorte, e não fruto de muito estudo e dedicação das mulheres. A eles, vamos relembrar o resultado do Enem 2018, quando as candidatas levaram 42 das 55 redações com pontuação máxima. E agora, José, o que dizer? Simplesmente, 76,4% das redações nota mil foram escritas por garotas entre 18 e 19 anos. Uma goleada e tanto, superando três vezes e mais um pouco o total dos meninos, que fizeram 13 dessas notas (23,6%). A cidade de Fortaleza arrebentou com 5X0, seguida do Rio de Janeiro (5X1), e, fechando o placar, Aracaju, Brasília e Niterói com 3X0. Avaliado como difícil, o tema foi “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”, problemão logo constatado com o emprego de milhares de robôs, de posse dessas informações, beneficiando o candidato presidencial vitorioso.

Mera coincidência, afirmam os machões, figuras patéticas que evitam encarar o óbvio: mulheres têm jogado um bolão, mais que os homens, nessas partidas disputadíssimas do Enem. Em 2017, por exemplo, elas arremataram 40 notas mil de um total de 53 no plano nacional. Ainda está pouco ou querem mais? E olha que o tema, considerado complexo por todos, por tratar de um problema específico, não era tão inspirador pra galera de um modo geral: “Desafio para formação educacional de surdos no Brasil”. Como desde cedo aprenderam a driblar os obstáculos, elas foram lá e deram conta direitinho do recado. Isto é, das mal traçadas linhas, como se dizia antigamente. Conseguem esse resultado porque sabem, dotadas de aguçada sensibilidade, que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, mesmo antes do educador Paulo Freire sistematizar esse instigante pensamento.

Essa justa comemoração feminina na redação do Enem, entretanto, não deve encobrir, por um minuto sequer, o baixo desempenho nacional de nossos alunos no momento de traduzir ideias em texto. Algo vergonhoso e lamentável sob todos os aspectos, que mostra o tamanho da crise educacional brasileira no tocante ao essencial binômio leitura e escrita, sem o qual não iremos longe. Para dimensionar tal problema, basta lembrar que, a cada edição do exame, aproximadamente 4 milhões de redações são corrigidas. Em termos percentuais, ficamos abaixo de 0,5% em nota máxima. Sentiu o murro na boca do estômago? E, pra piorar, vem diminuindo em relação aos anos anteriores: 77 (2016), 104 (2015), 250 (2014) e 481 (2013). A solução passa por muitas variáveis de médio e longo prazo, tendo sempre a família, a escola e o professorado como agentes dessa reviravolta. De imediato, não seria recomendável termos à frente do MEC um educador e pessoa zelosa de nossa tão maltratada gramática?

Nunca deterão a primavera

Capa: detalhe da camisa de Valter Hugo Mãe | Foto: André Gonçalves

Ao folhear esta edição de Revestrés, a #44, você vai perceber que demos uma mexida na programação visual. A partir da capa, e pelas páginas adentro, buscamos ficar mais leves, mais claros, mais arejados. Em 2020 vamos completar 8 anos de existência, e essas pequenas – mas significativas – mudanças fazem parte da nossa inquietude.

Aliás, inquietude é o que não falta nessa edição. Como não falta também essa vontade de resistir e deixar a vida acontecer com menos “peso” que em 2019. É preciso, sim, lutar como nunca contra todos os retrocessos e as nuvens escuras que pairam sobre aartes e a cultura nacionais, mas sem perder a ternura e a crença no colorido, no pensar leve e no fazer. Fazer sem medo e sem concessãao obscurantismo.

É bem o que diz, com seu novo look colorido como nunca, um de nossos entrevistados da Revestrés #44: Valter Hugo Mãe, o escritor que José Saramago chamou de “tsunami literário” e que mudou o guarda-roupa ao vir ao Brasil e a Teresina: abandonando as cores escuras que fazem sua marca pessoal, Valter Hugo Mãe se pôs em flores e cores, e diz: “eu quis trazer essa roupa florida para aludir a uma possibilidade de fazer germinar de novo, de simbolizar a vida”. Levamos, então, a camisa e a mensagem de Valter Hugo Mãe para a capa da revista, buscando ampliar seu alcance e contribuir para semear algum otimismo.

Nessa edição fomos um tanto ousados, porque é tempo de o ser, e, além de Valter Hugo Mãe, entrevistamos Jessé Souza em Paris. O sociólogo brasileiro fala longamente com Sônia Oliveira e, para variar, traz alguma polêmica com suas posições, sempre críticas e em busca de uma nova leitura sobre o Brasil. E diz que os partidos políticos brasileiros não estão vendo claramente o que está acontecendo no país e no mundo. Uma leitura instigante, como sempre.

Nesta Revestrés temos ainda Lynn da Quebrada, Lurdinha Sex Shop, mulheres cervejeiras e uma reportagem que busca compreender – ou provocar alguma discussão sobre – os espaços destinados às artes visuais em Teresina. Um assunto que certamente não se esgota na reportagem, mas que merece ser levantado e debatido por quem produz arte e cultura no estado.

Temos ainda o belíssimo ensaio de Maurício Pokemon: Inventário Verde da Boa Esperança. Temos a crônica de Rogério Newton, dicas, poesia, a coluna de Manoel Ricardo de Lima, a Peixe Voraz do Léo Galvão e muito mais.

O ano um tanto nebuloso de 2019 acabou. É tempo de florir e de brigar, com coragem, alegria, cores e arte, com poesia e música, com conhecimento e ciência, contra o que tenta nos jogar para baixo
Está aí 2020, um ano bissexto. Com um dia a mais para a gente virar o jogo. Feliz ano novo!

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Observo por observar quem por mim passar

Por Maria Francysnalda Oliveira Dourado

         

Defendo a ideia de que algumas características das crianças não deveriam ser abandonas na fase adulta. Dentre elas, podemos perceber que a criança é curiosa (adjetivo usado para substituir o que nos interiores chamam de “malina”, “buliçosa”), é observadora (está atenta a tudo que se passa a sua volta), é verdadeira (se gosta, gosta; se não gosta, não gosta… e não tenta iludir os outros com o objetivo de “não-magoar”).

Infelizmente, eu abandonei muitas das minhas características de menina, mas a de ser observadora… Ah, essa eu cultivo com muito entusiasmo e total sedução.

O que mais gosto de observar e que além de me encantar ainda me fascina são as pessoas. Posso ficar horas e horas só a observá-las sem nenhuma pretensão, faço isso meramente pelo prazer da reflexão. Acho interessantes esses seres que vão e vem, que passam e ficam. Como diz a música de Biquini Cavadão: “trago a imagem de todas as ruas por onde passo e de alguém que nem sei quem é. E que provavelmente eu não vou mais ver. Mas mesmo assim ela sorriu para mim. Ela sorriu e ficou na minha casa que é meu reino”. É, alguns sorriem, já outros nem percebem que estão sendo observados; e posso garantir absolutamente que a maioria esmagadora não se dá conta que estão numa espécie de “Panóptico de Francysnalda”.

Há quatro lugares/circunstâncias em que procuro manter o hábito da observação: na praça, no ônibus, nos prédios e no calçadão.

Devo confessar que já está com um bom tempo que não me sento em um banco de praça. Porém, alguns anos atrás (mais precisamente quando eu cursava direito e pegava ônibus todos os dias na Praça do Fripisa) sentava e observa os que passavam do outro lado da rua. Observava os trabalhadores que abriam as lanchonetes: a maneira que se cumprimentavam, o ritual diário que faziam e, dava pra perceber, que eles estavam no automático. Tinha um rapaz que sempre estacionava o carro no mesmo lugar e ia caminhando para seu trabalho (não sei onde trabalhava, mas sei em qual rua ele entrava); esse rapaz, em especial, me chamou a atenção, pois frequentemente descia com uma sobrinha preta fechada em uma das mãos e frutas que eu pressupunha que era o lanche das nove (por vezes era uma maçã e outras eram frutas cortadas em um potinho transparente). Eu sabia exatamente a hora em que ele chegava com o carro branco. Não sei por que, mas meu olhar o acompanhava por dois quarteirões até dobrar a esquina. Não só meu olhar criou o hábito de acompanhá-lo, mas minha mente criou o hábito de recitar contos e orações para ele. Como dizem: “cada doido com sua mania”. Nunca mais o vi! E se o visse, creio que eu não o reconheceria.

Ônibus! Tem parque de diversão melhor do que um ônibus? Para mim, não. Já observei tantas coisas nesse meio de transporte que é melhor nem comentar. Deixem-nas em minhas lembranças e nos meus lábios que, por vezes, esboçam risos lembrando-me dos protagonistas destes parques.

Não me imagino morando em um prédio, mas gosto de subir naqueles com vidraça só para olhar os “homens-formigas” que passam lá embaixo, nas ruas. Na semana passada, estava eu em uma dessas clínicas com meu filho (outro que já pegou a mania da mãe) e ficamos a observar o povo que passava na rua. Observamos motoristas que não sabiam estacionar; menino chorando e a mãe brigando; velhinhos sendo arrastados pelo braço; cadeirantes em um malabarismo entre os carros, uma vez que não temos acessibilidade e estamos longe de entender o que é isso; flanelinhas correndo de um lado para outro que mais pareciam bumerangues; vimos carros de funerária chegando com corpos; e em meio a tudo isso, vimos beijos e abraços apaixonados (ou talvez não eram tão apaixonados assim!). É, a vida é isso: alegrias e tristezas, sorrisos e lágrimas, encontros e desencontros.

Por fim, o lugar em que mais sorriem para mim: o calçadão. O único desses lugares em que as pessoas são capazes de perceber que estão sendo observadas ou ao menos desconfiam disso. Admito que nunca me adaptei à academia e nunca entendia o porquê. Até ficar clarividente o meu encantamento pelas observações das ruas, dos animais, dos motoristas estressados, das pessoas que passam etc. Quando fazemos caminhada, podemos ver que algumas pessoas estão tristes, outras pensativas, outras felizes. Gosto da brincadeira de tentar decifrar o estado de espírito do outro. Podemos perceber como as pessoas interagem entre si ou se apenas estão em si. Eu vejo pais em uma harmonia linda com seus filhos (talvez aquele é o único momento do dia em que podem está juntos), mas também vejo a grosseria de outros pais e isso deixa minha caminhada mais pesada. São os pesos da alma que infelizmente não são nossos, mas, como diz a música: “eu sou a soma de tudo o que vejo”.

Observo pessoas diariamente e ao enxergá-las perguntas soltam em minha mente: quais histórias trazem em suas vidas? Quais suas maiores alegrias? Como se conheceram? Quando se apaixonaram? Será se daqui a 10 anos ainda estarão juntos? Quais seus medos? Quais são suas dores? Quais são seus anseios? O que deixaram de fazer por medo e que deveriam ter feito? Será que brigaram hoje com alguém que é especial? Por que está triste? Por que está chorando? (sim, já vi muitas pessoas chorando nos ônibus).

E uma das perguntas que mais saltitam em mim: será se alguém também está me observando? Ora, para esse questionamento eu tenho resposta e essa é muito fácil: sim, está. Sempre tem alguém observando alguém pelo simples prazer de observar; perceber que não estamos sozinhos no mundo. Mesmo aqueles que são sós (aqueles que não têm para quem voltar no final do dia), mesmo esses, não estão sozinhos. Estamos rodeados de pessoas, todas elas com suas histórias e vivências, medos e anseios, sonhos e realizações.

Enfim, se um dia me flagrarem observando você (como falas, como andas, como come…) lembre-se que não tenho nenhuma pretensão a não ser a da reflexão, pois eu observo por observar quem por me passar.

Vela com aroma de vagina

Quando li a matéria no UOL, publicada no último dia 11 deste mês, minha reação foi a mesma que você,leitor/leitora, experimenta agora – de incredulidade e surpresa. O título era bastante chamativo:“Gwyneth Paltrow está vendendo velas aromáticas com o cheiro da sua vagina”. Além de uma foto grande da bela atriz norte-americana, aparecia também a imagem de uma vela acesa, cuja essência foi chamada de This Smells Like My Vagina que, em tradução livre, fica “Isto cheira como a minha vagina”. O aroma foi concebido, segundo a matéria, em parceria com o perfumista Douglas Little, da Heretic, e a vela pode ser adquirida no site da Goop por 75 dólares, aproximadamente uns 305 reais. Detalhe importante, o produto não deu nem pra começar, dado a imensa procura, se esgotando em poucas horas.

Passado o espanto, abri um sorriso matreiro e, feliz da vida, gritei bem alto: sacada genial! Genial! Que mulher fantástica! Há muito tempo esperava ansioso, em diálogo com meus botões, por essa invenção revolucionária. Só que ao invés de vela, pensei num perfume capaz de substituir essas fragrâncias brasileiras e importadas vendidas por aí – caras e enjoativas. Se já a admirava como atriz em Shakespeare in Love e Emma, pelo talento e formosura, agora a venero como empreendedora criativa e ousada. E digo mais: já estou na lista de espera, com dólares guardados e tudo, pra comprar a vela de Paltrow, pelo menos uma, com aroma da sua desejada vagina. Diante dessa possibilidade, versos eróticos de Drummond, presentes em Amor natural, saltaram da memória e ocupam esta crônica: “A língua lambe/ A língua lambe as pétalas vermelhas/ da rosa pluriaberta; a língua lavra/ certo oculto botão, e vai tecendo/ lépidas variações de leves ritmos.”

Como uma ótima ideia se espalha rapidamente e, em curto tempo, é copiada por outras pessoas, sobretudo, ao envolver uma grande soma de dinheiro, fico na torcida que Dakota Johnson, a sensual mocinha do filme Cinquenta Tons de Cinza, enverede pelo mesmo caminho e lance, pra alegria dos admiradores, a vela com o cheiro de sua xoxota. Quem sabe não faça o mesmo Halle Berry, protagonista do filme Mulher-Gato, primeira afro-americana a ganhar o Oscar de melhor atriz. Entre as mulheres brasileiras, consideradas mais sensuais do mundo, tomara que abracem o inusitado produto as gostosas Alice Braga, do longa Cidade Baixa e da série Netflix A Rainha do Sul, atriz paulista que desponta no cenário internacional, e  Paolla Oliveira, a irresistível garota de programa Danny Bond, em Felizes para sempre?, minissérie global de grande sucesso em 2015.

Quem não gostou nadinha dessa história, menos ainda de meus devaneios, foi a patroa, lá de casa, que fez um interrogatório completo. Vela aromatizada com cheiro de vagina? Sim, respondi, tentando esconder o entusiasmo. E qual a serventia disso? Segundo Gwyneth Paltrow, por ser divertido, incrível, sexy e inesperado – falei, pisando em ovos. E de que é feita? Pelo que li, uma mistura de gerânio, bergamota cítrica e absolutos de cedro justapostos com sementes de rosa e ambreta. Que sensações provoca? De fantasia sedutora e calor sofisticado, diz a descrição do produto. Essa é a razão de você está inundado de felicidade? Em parte, sim, ficando completa ao adquirir uma vela pra mim. Pra colocar em nosso quarto? Pensei na biblioteca, pois não quero ofendê-la. Sei, ela resmungou, pegando meu travesseiro e lençol e, sem direito a contestação, apresentou minha sentença: talvez um mês dormindo no sofá da sala você aprenda a ser homem. E não disse mais nada.

Não desisto nunca

Confesso que estava animado com a entrada de 2020, sobretudo, depois da festa no sítio da sogra, dona Vaemir, onde a alegria tomou conta de todos até de manhãzinha. Mas foi eu dormir e acordar, não dando tempo nem de sonhar direito, para a frustração chegar com mala e cuia. A notícia de uma provável Terceira Guerra Mundial, com tudo indo pelos ares e não sobrando ninguém pra relatar a trágica história, era simplesmente assustadora. Tudo por causa do presidente maluco dos Estados Unidos, Donald Trump, que resolveu matar o general iraniano Soleimani, tido como estrategista militar dos melhores e herói nacional. E sem consultar, vê se pode, o Congresso do país e os aliados dessas empreitadas bélicas pelo Oriente Médio. Somente aí fui entender, após tantos anos, o velho ditado popular que afirma durar pouco a alegria de pobre. Vivendo e aprendendo.

Subestimando nossa inteligência, o Xerife do Mundo justificou o ato insano com uma desculpa esfarrapada, incapaz de convencer qualquer criança: “proteger diplomatas e militares norte-americanos de futuros ataques planejados pelo comandante da Guarda Revolucionária”. Sabemos todos, e não precisa ser inteligente pra isto, que as verdadeiras razões do assassinato são outras. A começar pelo desejo de se livrar, o quanto antes, da corda do impeachment que ameaça seu milionário pescoço. Depois pra garantir, puro marketing político, sua reeleição a presidente dos EUA (a história sempre se repetindo como tragédia, lembra Brecht?). A estratégia de manter e até aumentar, a tal de geopolítica, o poder do império naquela região. Sem falar ainda da justificativa em alimentar a indústria de armamento e os milhares de soldados, uns 80 mil, prontos a entrarem em ação. E por último, claro, chegar de fininho, como quem não quer nada, nos cobiçados poços de petróleo do Irã e Iraque.

Mas como brasileiro dos bons, nordestino da peste, não desisto nunca de sonhar e ser feliz. Ainda mais nestes tempos macabros, de fascismo e intransigência, quando ter utopias é um ato de grande rebeldia existencial. Daí renovar neste ano que inicia, apesar da ameaça de guerra nuclear, a paixão pela cultura, hoje tão perseguida no Brasil, vendo cada vez mais ótimos filmes e lendo bons livros. Desde cedo aprendi, em escolas e dentro de casa, que a ignorância não faz bem a ninguém, menos ainda quem vêm de família humilde. Entre o Natal e o Ano-Novo, amorteci parte de minha dívida com a sétima arte, embarcando em longas que deixam a gente, como diria o poeta, comovidos pro diabo: Negação, Ben-Hur (nova versão), Ted Bundy – A irresistível face do mal e O irlandês; sem falar dos brasileiros Irmandade, Todas as canções de amor e O animal cordial.

Quanto às leituras, a viagem com e através das palavras, deitado numa rede macia, foi bastante proveitosa, estupenda de tirar o fôlego e instalar o desassossego dentro da alma: Devoção, da norte-americana Patti Smith, reflexão instigante sobre os mecanismos da escrita; Ler e escrever, do britânico de origem indiana V.S. Naipul, Prêmio Nobel de Literatura/2001, sobre o desejo de ser escritor desde os 11 anos de idade; Por que lutamos?, da comunista gaúcha Manuela D’Ávila, um livro sobre amor e liberdade; Não existe pretérito perfeito, do psiquiatra piauiense Edmar Oliveira, romance-manifesto que traz à tona o perigo do autoritarismo de 1964 para o Brasil de hoje; e, por fim, A outra face, do cronista oeirense Rogério Newton, resgate lírico da terra natal em forma poética: “galos e pássaros/ cantam na aurora/ como cantavam quando eu era menino”.  Simbora!