Por Maria Francysnalda Oliveira Dourado

         

Defendo a ideia de que algumas características das crianças não deveriam ser abandonas na fase adulta. Dentre elas, podemos perceber que a criança é curiosa (adjetivo usado para substituir o que nos interiores chamam de “malina”, “buliçosa”), é observadora (está atenta a tudo que se passa a sua volta), é verdadeira (se gosta, gosta; se não gosta, não gosta… e não tenta iludir os outros com o objetivo de “não-magoar”).

Infelizmente, eu abandonei muitas das minhas características de menina, mas a de ser observadora… Ah, essa eu cultivo com muito entusiasmo e total sedução.

O que mais gosto de observar e que além de me encantar ainda me fascina são as pessoas. Posso ficar horas e horas só a observá-las sem nenhuma pretensão, faço isso meramente pelo prazer da reflexão. Acho interessantes esses seres que vão e vem, que passam e ficam. Como diz a música de Biquini Cavadão: “trago a imagem de todas as ruas por onde passo e de alguém que nem sei quem é. E que provavelmente eu não vou mais ver. Mas mesmo assim ela sorriu para mim. Ela sorriu e ficou na minha casa que é meu reino”. É, alguns sorriem, já outros nem percebem que estão sendo observados; e posso garantir absolutamente que a maioria esmagadora não se dá conta que estão numa espécie de “Panóptico de Francysnalda”.

Há quatro lugares/circunstâncias em que procuro manter o hábito da observação: na praça, no ônibus, nos prédios e no calçadão.

Devo confessar que já está com um bom tempo que não me sento em um banco de praça. Porém, alguns anos atrás (mais precisamente quando eu cursava direito e pegava ônibus todos os dias na Praça do Fripisa) sentava e observa os que passavam do outro lado da rua. Observava os trabalhadores que abriam as lanchonetes: a maneira que se cumprimentavam, o ritual diário que faziam e, dava pra perceber, que eles estavam no automático. Tinha um rapaz que sempre estacionava o carro no mesmo lugar e ia caminhando para seu trabalho (não sei onde trabalhava, mas sei em qual rua ele entrava); esse rapaz, em especial, me chamou a atenção, pois frequentemente descia com uma sobrinha preta fechada em uma das mãos e frutas que eu pressupunha que era o lanche das nove (por vezes era uma maçã e outras eram frutas cortadas em um potinho transparente). Eu sabia exatamente a hora em que ele chegava com o carro branco. Não sei por que, mas meu olhar o acompanhava por dois quarteirões até dobrar a esquina. Não só meu olhar criou o hábito de acompanhá-lo, mas minha mente criou o hábito de recitar contos e orações para ele. Como dizem: “cada doido com sua mania”. Nunca mais o vi! E se o visse, creio que eu não o reconheceria.

Ônibus! Tem parque de diversão melhor do que um ônibus? Para mim, não. Já observei tantas coisas nesse meio de transporte que é melhor nem comentar. Deixem-nas em minhas lembranças e nos meus lábios que, por vezes, esboçam risos lembrando-me dos protagonistas destes parques.

Não me imagino morando em um prédio, mas gosto de subir naqueles com vidraça só para olhar os “homens-formigas” que passam lá embaixo, nas ruas. Na semana passada, estava eu em uma dessas clínicas com meu filho (outro que já pegou a mania da mãe) e ficamos a observar o povo que passava na rua. Observamos motoristas que não sabiam estacionar; menino chorando e a mãe brigando; velhinhos sendo arrastados pelo braço; cadeirantes em um malabarismo entre os carros, uma vez que não temos acessibilidade e estamos longe de entender o que é isso; flanelinhas correndo de um lado para outro que mais pareciam bumerangues; vimos carros de funerária chegando com corpos; e em meio a tudo isso, vimos beijos e abraços apaixonados (ou talvez não eram tão apaixonados assim!). É, a vida é isso: alegrias e tristezas, sorrisos e lágrimas, encontros e desencontros.

Por fim, o lugar em que mais sorriem para mim: o calçadão. O único desses lugares em que as pessoas são capazes de perceber que estão sendo observadas ou ao menos desconfiam disso. Admito que nunca me adaptei à academia e nunca entendia o porquê. Até ficar clarividente o meu encantamento pelas observações das ruas, dos animais, dos motoristas estressados, das pessoas que passam etc. Quando fazemos caminhada, podemos ver que algumas pessoas estão tristes, outras pensativas, outras felizes. Gosto da brincadeira de tentar decifrar o estado de espírito do outro. Podemos perceber como as pessoas interagem entre si ou se apenas estão em si. Eu vejo pais em uma harmonia linda com seus filhos (talvez aquele é o único momento do dia em que podem está juntos), mas também vejo a grosseria de outros pais e isso deixa minha caminhada mais pesada. São os pesos da alma que infelizmente não são nossos, mas, como diz a música: “eu sou a soma de tudo o que vejo”.

Observo pessoas diariamente e ao enxergá-las perguntas soltam em minha mente: quais histórias trazem em suas vidas? Quais suas maiores alegrias? Como se conheceram? Quando se apaixonaram? Será se daqui a 10 anos ainda estarão juntos? Quais seus medos? Quais são suas dores? Quais são seus anseios? O que deixaram de fazer por medo e que deveriam ter feito? Será que brigaram hoje com alguém que é especial? Por que está triste? Por que está chorando? (sim, já vi muitas pessoas chorando nos ônibus).

E uma das perguntas que mais saltitam em mim: será se alguém também está me observando? Ora, para esse questionamento eu tenho resposta e essa é muito fácil: sim, está. Sempre tem alguém observando alguém pelo simples prazer de observar; perceber que não estamos sozinhos no mundo. Mesmo aqueles que são sós (aqueles que não têm para quem voltar no final do dia), mesmo esses, não estão sozinhos. Estamos rodeados de pessoas, todas elas com suas histórias e vivências, medos e anseios, sonhos e realizações.

Enfim, se um dia me flagrarem observando você (como falas, como andas, como come…) lembre-se que não tenho nenhuma pretensão a não ser a da reflexão, pois eu observo por observar quem por me passar.