Por Gustavo Silvano Batista

 

A proliferação do vírus corona e, por consequência, da enfermidade Covid 19, exigiu da população mundial medidas cada vez mais radicais para a vida cotidiana, na tentativa de prevenir a disseminação da doença, de fácil contágio, letalidade ainda desconhecida e com os medicamentos ainda em teste. Uma dessas medidas é o isolamento das pessoas em suas próprias casas, como uma forma de evitar a propagação cada vez maior da doença.

Deste modo, estamos todos em casa, trabalhando remotamente, graças às tecnologias de comunicação e informação, cuidando de nossos próprios lares e evitando atividades que possibilitem o contágio. À medida que os dias passam, o protocolo de isolamento se torna cada vez mais custoso, especialmente pela impossibilidade de mobilidade, distanciamento dos familiares e amigos que vivem em outras cidades e países, criando uma situação que exige calma, paciência e muito cuidado.

Uma das alternativas para amenizar o isolamento é o contato via telefone ou mídias sociais com amigos e familiares. Ontem mesmo entrei em contato com um amigo, meu antigo orientador, Prof. Paulo Cesar Duque Estrada, buscando saber notícias suas e de sua família, como uma forma de aliviar o isolamento de alguém que mora sozinho. Graças ao WhatsApp, conversamos rapidamente e ele me falou de uma nova característica – basicamente hermenêutica – que se impõe neste momento: o isolamento solidário.

À princípio, pode parece um contrassenso, ou seja, a elaboração de uma noção que aproxima duas palavras opostas: isolamento, de um lado; e solidariedade, de outro. Contudo, tendo em vista o cenário incontrolável de contágio fácil de uma enfermidade ainda desconhecida, o isolamento parece uma medida simples e eficaz para atenuar a proliferação da doença. Mas não se trata apenas de isolar-se. Está em jogo algo a mais: é um isolamento comum, ou seja, um isolamento para todos. Neste sentido, algo muda: não se trata simplesmente de um isolamento voluntário, mas de um isolamento que prevê um bem comum. Como há um mal comum (Convid 19), a primeira medida também se dá de forma comum (o isolamento domiciliar).

Ainda nos anos 80, o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer já se perguntava, no horizonte da vida social ocidental, acerca do que nós, parte deste mundo ocidental, ainda tínhamos em comum. Essa preocupação não dizia respeito somente a uma forma de considerar as diferenças, mas afirmar que as diferenças são possíveis porque há o comum. Muitas questões aparecem como elementos comuns, como, por exemplo, a crise ecológica. Mas, o que seria, de fato, esse comum? Segundo o filósofo, o comum é a consciência de algo em comum, que nos mobiliza a sermos solidários, ou seja, é o que provoca uma solidariedade mínima entre os sujeitos. É a compreensão de que algo do que faço parte precisa de minha contribuição, mas está para além de mim, ainda que precise de minha associação.

Neste sentido, nossa atual situação de quarentena, a meu ver, se enquadra perfeitamente na percepção do comum, mesmo que neste momento o comum seja uma doença pouco conhecida. Contudo, mesmo sendo uma situação complexa, há, especialmente por parte das comunidades e de suas organizações políticas, estados e municípios, uma proliferação de solidariedades, tendo em vista um problema comum. É o caso, por exemplo, da nossa relação com os itens básicos de sobrevivência, como alimentação e remédios. É uma oportunidade de pensar no outro que também precisa, entendendo as restrições impostas por supermercados e farmácias como uma forma de manter tais itens disponíveis a todos.

Considerando tal situação, poderíamos realmente entender o isolamento solidário como sendo uma atitude fundamental para o enfrentamento individual e comum de uma epidemia mundial, também comum a todos, compreendendo tal isolamento como uma forma genuína de solidariedade, sem a qual a vida saudável parece estar cada vez mais comprometida.

Deste modo, não me parece um contrassenso pensar no isolamento solidário. Se trata de uma prática que possibilita uma melhor compreensão de nosso engajamento na vida em comum, enquanto enfrentamento de situações do mundo da vida, que muitas vezes nos abala, nos atinge, espanta e não apenas nos alegra ou conforta.

Talvez o atual isolamento solidário nos provoque a pensar acerca das estranhezas do mundo comum, as situações inesperadas e fora do controle e também a necessidade de repensar e reconstruir este mesmo mundo comum, mesmo que seja de modo contínuo, pensando na coletividade da qual fazemos parte.