Confesso que estava animado com a entrada de 2020, sobretudo, depois da festa no sítio da sogra, dona Vaemir, onde a alegria tomou conta de todos até de manhãzinha. Mas foi eu dormir e acordar, não dando tempo nem de sonhar direito, para a frustração chegar com mala e cuia. A notícia de uma provável Terceira Guerra Mundial, com tudo indo pelos ares e não sobrando ninguém pra relatar a trágica história, era simplesmente assustadora. Tudo por causa do presidente maluco dos Estados Unidos, Donald Trump, que resolveu matar o general iraniano Soleimani, tido como estrategista militar dos melhores e herói nacional. E sem consultar, vê se pode, o Congresso do país e os aliados dessas empreitadas bélicas pelo Oriente Médio. Somente aí fui entender, após tantos anos, o velho ditado popular que afirma durar pouco a alegria de pobre. Vivendo e aprendendo.

Subestimando nossa inteligência, o Xerife do Mundo justificou o ato insano com uma desculpa esfarrapada, incapaz de convencer qualquer criança: “proteger diplomatas e militares norte-americanos de futuros ataques planejados pelo comandante da Guarda Revolucionária”. Sabemos todos, e não precisa ser inteligente pra isto, que as verdadeiras razões do assassinato são outras. A começar pelo desejo de se livrar, o quanto antes, da corda do impeachment que ameaça seu milionário pescoço. Depois pra garantir, puro marketing político, sua reeleição a presidente dos EUA (a história sempre se repetindo como tragédia, lembra Brecht?). A estratégia de manter e até aumentar, a tal de geopolítica, o poder do império naquela região. Sem falar ainda da justificativa em alimentar a indústria de armamento e os milhares de soldados, uns 80 mil, prontos a entrarem em ação. E por último, claro, chegar de fininho, como quem não quer nada, nos cobiçados poços de petróleo do Irã e Iraque.

Mas como brasileiro dos bons, nordestino da peste, não desisto nunca de sonhar e ser feliz. Ainda mais nestes tempos macabros, de fascismo e intransigência, quando ter utopias é um ato de grande rebeldia existencial. Daí renovar neste ano que inicia, apesar da ameaça de guerra nuclear, a paixão pela cultura, hoje tão perseguida no Brasil, vendo cada vez mais ótimos filmes e lendo bons livros. Desde cedo aprendi, em escolas e dentro de casa, que a ignorância não faz bem a ninguém, menos ainda quem vêm de família humilde. Entre o Natal e o Ano-Novo, amorteci parte de minha dívida com a sétima arte, embarcando em longas que deixam a gente, como diria o poeta, comovidos pro diabo: Negação, Ben-Hur (nova versão), Ted Bundy – A irresistível face do mal e O irlandês; sem falar dos brasileiros Irmandade, Todas as canções de amor e O animal cordial.

Quanto às leituras, a viagem com e através das palavras, deitado numa rede macia, foi bastante proveitosa, estupenda de tirar o fôlego e instalar o desassossego dentro da alma: Devoção, da norte-americana Patti Smith, reflexão instigante sobre os mecanismos da escrita; Ler e escrever, do britânico de origem indiana V.S. Naipul, Prêmio Nobel de Literatura/2001, sobre o desejo de ser escritor desde os 11 anos de idade; Por que lutamos?, da comunista gaúcha Manuela D’Ávila, um livro sobre amor e liberdade; Não existe pretérito perfeito, do psiquiatra piauiense Edmar Oliveira, romance-manifesto que traz à tona o perigo do autoritarismo de 1964 para o Brasil de hoje; e, por fim, A outra face, do cronista oeirense Rogério Newton, resgate lírico da terra natal em forma poética: “galos e pássaros/ cantam na aurora/ como cantavam quando eu era menino”.  Simbora!