Wellington Soares

Coisas e outras

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Madeleine Stowe

Esta semana me veio à cabeça um poema antológico de Vinícius de Moraes, escritor carioca que se notabilizou por celebrar o amor, temática universal e presente em todos os tempos. Quando menos espero, estou eu recitando alguns versos de A mulher que passa, texto no qual o “Poeta da Paixão” expressa todo deslumbramento e desejo à bela garota que cruza o seu caminho: “Oh! Como és linda, mulher que passas / Que me sacias e suplicias / Dentro das noites, dentro dos dias!”. No meu caso, a declaração de interesse foi motivada, no que dá no mesmo, por uma atriz norte-americana que costumo ver nos filmes hollywoodianos. O nome dela é Madeleine Stowe, filha de pai britânico e mãe costa-riquenha que, ao aparecer na tela, acorda em mim uma súplica mais que urgente: “Meu Deus, eu quero a mulher que passa.”

Fiquei encantado por essa deusa, pela primeira vez e em definitivo, ao vê-la no papel de Cora, heroína do O último dos moicanos, filme baseado no romance homônimo de James Fenimore e dirigido pelo tarimbado Randolph Scott. A história trata da guerra entre ingleses e franceses, nos anos de 1756 a 1763, pela posse das terras localizadas na costa leste dos Estados Unidos. Filha do coronel inglês Munro, encarregado pela defesa do forte William Henry, Cora é perseguida e ameaçada de morte pelo cruel Magua, um dos chefes guerreiros da tribo Yuron, aliado dos franceses. Sob um fundo musical comovedor, nossa bela e irresistível mocinha é salva por Nathaniel Hawkeye (Daniel Day Lewis), destemido jovem americano criado por uma família de índios moicanos. Já naquela película, brotavam convictamente os versos de Vinícius: “Como te adoro, mulher que passas / Que vens e passas, que me sacias / Dentro das noites, dentro dos dias!”.

Madeleine Stowe

 

A rendição total à beleza de Madeleine Stowe se deu quando a vi encarnando a sensual Mireya, do filme Vingança, dirigido por Tony Scott e lançado em 1990. Casada com um poderoso negociante mexicano, com idade para ser seu pai, a jovial e atraente Mireya acaba se apaixonando pelo ex-piloto Michael Cochran, amigo do chefão Tiburon Mendez (o “Tibby”) a quem resolve visitar após a merecida aposentadoria, depois de 12 anos de serviços prestados à marinha estadunidense. Flagrados na cama, tanto Mireya quanto Cochran provam da implacável ira do traído esposo. Ela é levada para um puteiro e disponibilizada a todos os homens; ele, leva uma surra tremenda dos capangas do “Tibby”, escapando milagrosamente por pouco. A cena na qual Mireya, dentro do carro, senta nas pernas do sortudo Cochran, que mal consegue dirigir, é digna dos apelos mais sinceros e voluptuosos por Madeleine Stowe: “Meu Deus, eu quero a mulher que passa! / Eu quero-a agora, sem mais demora / A minha amada mulher que passa!”.

De sua extensa filmografia, ainda vi dois outros filmes muito interessantes: Blink – Num piscar de olhos(1994), no qual interpreta uma violinista que ficou cega aos oito anos após ser agredida pela mãe; e A filha do general, em que vive uma advogada tentando desvendar um misterioso crime acontecido numa base militar. Além de ser bonita, Madeleine é daquelas mulheres que transpira uma sensualidade inquietante e urgente. Daí sempre associá-la a mulher festejada por Vinícius de Moraes, o poeta que não teve receio nem despudor em cantar o gênero feminino, combinando sentimento e carnalidade. Ver Madeleine Stowe atuando sempre relembra em mim o cancioneiro amoroso desse saudoso poeta: “Teus sentimentos são poesia / Teus sofrimentos, melancolia. / Teus pelos leves são relva boa / Fresca e macia. / Teus belos braços são cisnes mansos / Longe das vozes da ventania”.

Troco jamais

Teresina - Foto

De Teresina gosto, praticamente, de tudo. Até mesmo, se duvidarem, dos defeitos. Porque amor é sentimento estranho e inexplicável. Ou é por inteiro, com doces e salgados, ou não interessa pela metade. Tenho pra mim que essa relação, mal resolvida e intensa, é o meu destino: amar sem conta, inclusive de forma doentia, essa cidade que me pariu e embala ainda hoje. Seu passado e presente que se confundem com a minha própria existência, mais de meio século, por meio de uma memória fragmentada, verdadeiro entrelaçar de emoções e lembranças que perduram infinitamente. Na Clodoaldo Freitas, os brinquedos do Avião, nosso Papai Noel, recebidos com tanta alegria por todos os guris. O prazer de ser aplaudido, na inauguração do Karnak, ao cantar num coral sob a batuta do maestro Reginaldo Carvalho. O momento inesquecível das Diretas Já, no bairro do Marquês, com Ulisses, Brizola e Lula desfraldando a bandeira da democracia, luta memorável pelo fim da ditadura civil-militar.  O desespero de milhares de torcedores, ante a falsa notícia do desabamento de arquibancadas, na inauguração do estádio Albertão. A incrível memória do Cavaleiro da Esperança, aos 80 e tantos anos, discorrendo sobre sua Coluna pelo Piauí, em palestra realizada na Ufpi, estudantada atenta na exposição de Luís Carlos Prestes, lenda do comunismo brasileiro. A sensação inesquecível, nas Casas Pernambucanas, de andar numa escada rolante, na Praça Rio Branco, medo danado de prender o pé naquela geringonça. Os banhos memoráveis, em manhãs ensolaradas, nas coroas do Parnaíba, nosso Velho Monge – “as barbas brancas alongando e ao longe / o mugido dos bois da minha terra.” As peladas no campinho do Bariri, com o mestre Pato Preto orientando e revelando novos craques pro nosso futebol. O ginásio Verdão lotado de gente, em show inesquecível do RPM, com Paulo Ricardo soltando a voz em Louras geladas e Olhar 43, com milhares de fãs em êxtase. A perda da virgindade na Paissandu, rezando para não pegar uma doença da vida, revoltado por não acontecer com a namorada. O gostoso pão de queijo do  Seu Cornélio, nos intervalos das aulas, em conversa animada com os amigos, ali na P2. As novenas na Vila Operária, dias de terça-feira, levado por dona Raimunda, sob a condição de ganhar um picolé Amazonas. O surgimento dos shoppings na zona Leste, Riverside e Teresina, com nossa capital adquirindo aspecto de metrópole, mundão de gente maravilhado com as acrobacias da Esquadrilha da Fumaça e os saltos mortais de paraquedistas. As manifestações estudantis na Praça Pedro II, entoando a canção de Vandré, hino dos universitários contra a tirania e a falta de liberdade no país: “Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer”. O fascínio pelos circos, nas figuras do palhaço e malabarista, instalados na Praça da Bandeira, coração dando pulos de alegria. A faixa protestando contra a fome do povo, em ato de coragem e rebeldia, diante do sensível olhar do papa João Paulo II, em 1980, diante de mais de 100 mil pessoas: “Santo Padre, o povo passa fome”. As boas gargalhadas dadas em função, nos cines Rex e Royal, das engraçadas traquinagens do Carlitos, o gênio do cinema mudo – nosso eterno Charles Chaplin. Os sucos deliciosos do Abrahão, na zona Norte, acalmando nossa fome diária e outras angústias. A feirinha da Sulica e do Zé Elias, na Praça Saraiva, onde encontrávamos a rapaziada da cultura e ouvíamos música de qualidade. Os namoricos dentro de carro, em avenidas e ruas, antes dos motéis e da violência que tomou conta da cidade. Para recarregar as baterias, depois das baladas noturnas das sextas-feiras, nada melhor que um café reforçado no Mercado da Piçarra: panelada, sarapatel, carneiro ao molho, buchada, galinha caipira, caldo de carne, bolo frito, beiju com ovo e um bom cuscuz acompanhado de carne de sol. O Salão do Livro de Teresina, realizado anualmente em junho, despertando o gosto pela leitura desde cedo na garotada. O espetáculo e tanto do coral de mil vozes, protagonizado por crianças humildes, nas escadarias da igreja de São Benedito. Enfim, como diria o poeta itabirano, o meu amor por Teresina faísca na medula, agora em seus 165 anos, e para sempre, enquanto respirar. Daí viver repetindo, constantemente, os versos antológicos da dupla Aurélio Melo e Zé Rodrigues: “Apenas olho minha Teresina/ Como quem delira na beira do cais/ Ai, troca, quem troca, destroca/ Minha Teresina não troco jamais”.

(foto: Portal R10)

O Garoto do Estácio

A morte pisou feio na bola ao levar o querido Luiz Melodia na última sexta-feira. Se a intenção era silenciá-lo de vez, aos 66 anos, perdeu seu tempo e viagem. Como bom negro gato, ele apenas trocou seu espaço de shows: a terra pelo céu. Sem falar que dispõe ainda, segundo a crendice popular, de seis outras vidas. E o que é melhor, ao invés do esquecimento, será lembrado a cada dia – para tristeza da indesejada das gentes – por seus milhares de fãs e admiradores. Quem mandou mexer logo com ele, o travesso menino do Estácio, Morro de São Carlos, de talento artístico sem igual e presença carismática em palco? Agora é que cantaremos pra valer, letras na ponta da língua, suas músicas que tocam fundo nossa alma, a começar por Pérola negra: “Tente passar pelo que estou passando / Tente apagar este teu novo engano / Tente me amar pois estou te amando / Baby, te amo, nem sei se te amo”.

Sádica como ela só, de sentir prazer com o sofrimento alheio, não darei esse gostinho à dita cuja, preferindo falar de momentos felizes envolvendo Melodia a ficar pelos cantos remoendo tristezas. Dos inúmeros shows que fez aqui, ele que não cansava de vir a Teresina, relembro alguns de forma especial. Comecemos pelo que foi apresentado na Praça Pedro II, dentro da programação em homenagem a Torquato Neto, no qual cantou divinamente bem, além de expressar gratidão ao nosso Anjo Torto pela força recebida no início da carreira, destacando seu talento aos leitores do Última Hora, jornal carioca prestigiado na década de 1970, onde assinava a coluna Geleia Geral. Difícil não acompanhá-lo quando ele soltava a bela voz: “O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço / Trago, não traço, faço, não caço / O amor da morena maldita do Largo do Estácio”.

Melodia - Foto

 

Outro show marcante aconteceu em 2010, no encerramento do Salão do Livro do Piauí, com o 4 de Setembro lotado, ele na voz e Renato Piau no violão, levando o público ao delírio num acústico da melhor qualidade. Era tamanha a sintonia que, nas pausas feitas de propósito, a cantoria prosseguia em forma de coro afinadíssimo. Sem grana na época, o espetáculo somente foi possível graças a providencial intervenção do violinista piauiense, seu parceiro de longas datas, que tendo direito a show por cachê módico, possibilitou a concretização de um acalentado sonho dos organizadores do Salipi. Felizes da vida, levantamos depois, na Confraria Uchôa, um brinde ao nosso convidado tão ilustre, sem esquecer de cantarolar, em agradecimento, um trecho de Juventude transviada: “Lava roupa todo dia, que agonia / Na quebrada da soleira, que chovia / Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada / Uma mulher não deve vacilar”.

Ano passado, no Seis e Meia, ele não só cantou maravilhosamente, como fez uma pungente declaração de amor aos piauienses. Tanto verbal quanto em cada música interpretada. Sentindo-se em casa, entre amigos próximos, chegou a tirar a blusa para ficar bem à vontade – inspiradíssimo como nunca. Uma despedida discreta e sem alarde? Em retribuição, cantávamos suas músicas com paixão e alegria, deixando claro que o sentimento era recíproco e verdadeiro. Difícil foi Melodia finalizar o show diante dos inúmeros bis que gritávamos, ele atendendo solícito, talvez pressentindo, quem sabe, que ali ocorria nosso último encontro em vida. Mas bonito mesmo, cá entre nós, era ouvi-lo cantar Magrelinha,  Codinome beija-florDores de amores e Fadas, ainda mais com a gente fazendo a segunda voz.

 

Dez Anos

Em revisão do Pré-Enem num desses finais de semana, projeto de inclusão universitária da Seduc, fui surpreendido com uma grata notícia dos alunos: todos eles, sem exceção, haviam assistido ao filme Ai que vida, do cineasta maranhense Cícero Filho. Como amante da sétima arte, além de defensor pedagógico de seu emprego nas escolas, confesso nunca ter visto nada parecido assim, uma unanimidade tão absoluta em torno de uma película, ainda mais produzida nestas bandas, entre o Piauí (Amarante e Teresina) e o Maranhão (Poção de Pedras e Esperantinópolis). “Bilheteria” igual não presenciei, graças à pirataria, nem com a exibição de “Titanic”, grande sucesso do cinema hollywoodiano, tampouco com “Se eu fosse você 2”, filme nacional mais visto na história recente do país. Detalhe importante: agrada gregos e troianos, sem falar de pessoas de classes sociais e nível de escolaridade distintos. Um fenômeno ainda hoje, de público, em seu décimo aniversário de produção, a ser comemorado no próximo mês de setembro.

Mas o que essa comédia romântica tem, afinal, de tão extraordinário a ponto de deixar tanta gente embasbacada? O roteiro é trivial, elenco amador e cenário, acredite, bastante simples. A explicação, se é que existe uma, deve ser buscada na espontaneidade e no entrosamento do grupo, cada um dando o melhor de si, a fim de conquistar o coração dos espectadores. Acrescente também umas boas pitadas de improviso e situações engraçadíssimas. Filme que parece, no fundo, com a nossa comidinha caseira, sem a sofisticação dos bons restaurantes, porém com tempero e sabor que agradam à beça. A trama combina sátira política e relacionamento amoroso, facetas marcadas pelo inequívoco sentimento de mudança.

Ai_Que_Vida

 

No aspecto político, temos o prefeito Zé Leitão (Feliciano Popô) enrolado em suas próprias contradições, ora encarnando o gestor tradicional envolvido em trambicagens  e disputas pela reeleição, perdendo o mandato para a indignada Cleonice Piedade (Toinha Catingueiro); ora no papel do marido bonzinho e corneado por Rosinha (Nelza Alves), mulher frívola e brega que vivia de aprontar, inclusive dentro de casa. Em contraponto, aparece uma love story protagonizada por um casal de jovens – Valdir (Rômulo Augusto), rapaz rebelde e inconsequente, e Charlene (Irisceli Queiroz), dançarina bonita e sensual de forró, que resolvem, tomados de amor, largar tudo e amadurecer juntos. Tanto num como noutro caso, predomina a ideia da possibilidade de mudança coletiva ou individual, com o povo escolhendo seu próprio destino e um garotão, quem diria, transformado pela flecha certeira de Cupido.

O binômio política e amor, tão do agrado das pessoas, foi uma escolha feliz do diretor Cícero Filho, uma vez que ele deixa nas entrelinhas, ao optar pelo gênero comédia, que as coisas não devem ser levadas ao pé da letra. Ao contrário, uma pitadinha de humor não faz mal a ninguém. Quando embalada por uma envolvente trilha sonora – no caso interpretada por Dalmir Filho e Lily Araújo – a vida se torna realmente mais leve e suportável. Incrível é descobrir que o filme nasceu de um esboço de roteiro, foi produzido por uma única câmara e custou um tantinho de nada – uns 30 mil reais apenas. O resto veio por tabela. E todos que assistimos, não cansamos de dizer: “Ai que filme danado de bom!”. Antes, Cícero Filho já havia lançado Sentimento verdadeiroO milagre do amor e Entre o amor e a razão. Depois veio Flor de abril, hoje com mais de 500 mil visualizações na Net. Ainda este ano, em parceria com a Uespi, será lançado Onde moram os cavalos-marinhos, história de quatro amigos que buscam o sentido da amizade no litoral piauiense. Sei não, mas tenho a leve impressão que o Cícero Filho, a continuar produzindo com esse olhar tão sensível, não tardará para despontar no cenário nacional.

Corno dos grandes

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– Pois não!

– Boletim de ocorrência.

– Que que tem?

– Quero registrar.

– Contra quem?

– Minha mulher.

– Que fez ela?

– Até constrangedor falar, delegado.

– Tentou castrá-lo?

– Não.

– Matou os filhos de vocês?

– Não temos, felizmente.

– Roubou seu dinheiro?

– Não.

– Desembucha, meu camarada.

– Vive me traindo.

– Como assim?

– Sou corno dos grandes.

– Não é a primeira vez, então?

– Ai se fosse!

– Quem falou?

– Em mesmo vi.

– Onde?

– Até dentro de casa.

– Tá brincando comigo!

– Longe de mim, delegado.

– Não acredito.

– Dentro do mato…

– Quê?

– Debaixo de poste, inclusive.

– Como ela é?

– Morena e bonita.

– Idade dela?

– Uns 23 anos.

– E o senhor?

– 50.

– Quanto tempo juntos?

– Fez nem mês ainda, coisa de dias.

– Tão cedo assim?

– Pro senhor ver.

– Não é melhor partir pra outra?

– Já pensei nisso.

– Reconstruir sua vida.

– Eu amo ela, seu delegado.

– Já conversaram?

– Sim, não adiantou.

– No que posso ajudar, então?

– Prender a vadia.

– Adultério não é crime, meu senhor.

– Uns dias, pelo menos.

– Como ficariam as outras da cidade que aprontam?

– No xilindró também, lugar de vagabunda.

– Tenha respeito.

– Tô cansado, seu delegado.

– De quê?

– O senhor ainda pergunta.

– Esse é o meu papel.

– De tomar chifre.

– A escolha foi sua.

– Mas todo santo dia?

– Largue essa mulher, homem de Deus.

– Agora vivo com dor de cabeça.

– Só lhe peço uma coisa.

– Quê?

– Não vá fazer nenhuma besteira.

– Já fiz, seu delegado.

– Oh my god!

– Sequei os pneus da bicicleta pra ela não ir encontrar seus amantes.

– Menos mal!