De Teresina gosto, praticamente, de tudo. Até mesmo, se duvidarem, dos defeitos. Porque amor é sentimento estranho e inexplicável. Ou é por inteiro, com doces e salgados, ou não interessa pela metade. Tenho pra mim que essa relação, mal resolvida e intensa, é o meu destino: amar sem conta, inclusive de forma doentia, essa cidade que me pariu e embala ainda hoje. Seu passado e presente que se confundem com a minha própria existência, mais de meio século, por meio de uma memória fragmentada, verdadeiro entrelaçar de emoções e lembranças que perduram infinitamente. Na Clodoaldo Freitas, os brinquedos do Avião, nosso Papai Noel, recebidos com tanta alegria por todos os guris. O prazer de ser aplaudido, na inauguração do Karnak, ao cantar num coral sob a batuta do maestro Reginaldo Carvalho. O momento inesquecível das Diretas Já, no bairro do Marquês, com Ulisses, Brizola e Lula desfraldando a bandeira da democracia, luta memorável pelo fim da ditadura civil-militar. O desespero de milhares de torcedores, ante a falsa notícia do desabamento de arquibancadas, na inauguração do estádio Albertão. A incrível memória do Cavaleiro da Esperança, aos 80 e tantos anos, discorrendo sobre sua Coluna pelo Piauí, em palestra realizada na Ufpi, estudantada atenta na exposição de Luís Carlos Prestes, lenda do comunismo brasileiro. A sensação inesquecível, nas Casas Pernambucanas, de andar numa escada rolante, na Praça Rio Branco, medo danado de prender o pé naquela geringonça. Os banhos memoráveis, em manhãs ensolaradas, nas coroas do Parnaíba, nosso Velho Monge – “as barbas brancas alongando e ao longe / o mugido dos bois da minha terra.” As peladas no campinho do Bariri, com o mestre Pato Preto orientando e revelando novos craques pro nosso futebol. O ginásio Verdão lotado de gente, em show inesquecível do RPM, com Paulo Ricardo soltando a voz em Louras geladas e Olhar 43, com milhares de fãs em êxtase. A perda da virgindade na Paissandu, rezando para não pegar uma doença da vida, revoltado por não acontecer com a namorada. O gostoso pão de queijo do Seu Cornélio, nos intervalos das aulas, em conversa animada com os amigos, ali na P2. As novenas na Vila Operária, dias de terça-feira, levado por dona Raimunda, sob a condição de ganhar um picolé Amazonas. O surgimento dos shoppings na zona Leste, Riverside e Teresina, com nossa capital adquirindo aspecto de metrópole, mundão de gente maravilhado com as acrobacias da Esquadrilha da Fumaça e os saltos mortais de paraquedistas. As manifestações estudantis na Praça Pedro II, entoando a canção de Vandré, hino dos universitários contra a tirania e a falta de liberdade no país: “Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer”. O fascínio pelos circos, nas figuras do palhaço e malabarista, instalados na Praça da Bandeira, coração dando pulos de alegria. A faixa protestando contra a fome do povo, em ato de coragem e rebeldia, diante do sensível olhar do papa João Paulo II, em 1980, diante de mais de 100 mil pessoas: “Santo Padre, o povo passa fome”. As boas gargalhadas dadas em função, nos cines Rex e Royal, das engraçadas traquinagens do Carlitos, o gênio do cinema mudo – nosso eterno Charles Chaplin. Os sucos deliciosos do Abrahão, na zona Norte, acalmando nossa fome diária e outras angústias. A feirinha da Sulica e do Zé Elias, na Praça Saraiva, onde encontrávamos a rapaziada da cultura e ouvíamos música de qualidade. Os namoricos dentro de carro, em avenidas e ruas, antes dos motéis e da violência que tomou conta da cidade. Para recarregar as baterias, depois das baladas noturnas das sextas-feiras, nada melhor que um café reforçado no Mercado da Piçarra: panelada, sarapatel, carneiro ao molho, buchada, galinha caipira, caldo de carne, bolo frito, beiju com ovo e um bom cuscuz acompanhado de carne de sol. O Salão do Livro de Teresina, realizado anualmente em junho, despertando o gosto pela leitura desde cedo na garotada. O espetáculo e tanto do coral de mil vozes, protagonizado por crianças humildes, nas escadarias da igreja de São Benedito. Enfim, como diria o poeta itabirano, o meu amor por Teresina faísca na medula, agora em seus 165 anos, e para sempre, enquanto respirar. Daí viver repetindo, constantemente, os versos antológicos da dupla Aurélio Melo e Zé Rodrigues: “Apenas olho minha Teresina/ Como quem delira na beira do cais/ Ai, troca, quem troca, destroca/ Minha Teresina não troco jamais”.
(foto: Portal R10)