Em revisão do Pré-Enem num desses finais de semana, projeto de inclusão universitária da Seduc, fui surpreendido com uma grata notícia dos alunos: todos eles, sem exceção, haviam assistido ao filme Ai que vida, do cineasta maranhense Cícero Filho. Como amante da sétima arte, além de defensor pedagógico de seu emprego nas escolas, confesso nunca ter visto nada parecido assim, uma unanimidade tão absoluta em torno de uma película, ainda mais produzida nestas bandas, entre o Piauí (Amarante e Teresina) e o Maranhão (Poção de Pedras e Esperantinópolis). “Bilheteria” igual não presenciei, graças à pirataria, nem com a exibição de “Titanic”, grande sucesso do cinema hollywoodiano, tampouco com “Se eu fosse você 2”, filme nacional mais visto na história recente do país. Detalhe importante: agrada gregos e troianos, sem falar de pessoas de classes sociais e nível de escolaridade distintos. Um fenômeno ainda hoje, de público, em seu décimo aniversário de produção, a ser comemorado no próximo mês de setembro.
Mas o que essa comédia romântica tem, afinal, de tão extraordinário a ponto de deixar tanta gente embasbacada? O roteiro é trivial, elenco amador e cenário, acredite, bastante simples. A explicação, se é que existe uma, deve ser buscada na espontaneidade e no entrosamento do grupo, cada um dando o melhor de si, a fim de conquistar o coração dos espectadores. Acrescente também umas boas pitadas de improviso e situações engraçadíssimas. Filme que parece, no fundo, com a nossa comidinha caseira, sem a sofisticação dos bons restaurantes, porém com tempero e sabor que agradam à beça. A trama combina sátira política e relacionamento amoroso, facetas marcadas pelo inequívoco sentimento de mudança.
No aspecto político, temos o prefeito Zé Leitão (Feliciano Popô) enrolado em suas próprias contradições, ora encarnando o gestor tradicional envolvido em trambicagens e disputas pela reeleição, perdendo o mandato para a indignada Cleonice Piedade (Toinha Catingueiro); ora no papel do marido bonzinho e corneado por Rosinha (Nelza Alves), mulher frívola e brega que vivia de aprontar, inclusive dentro de casa. Em contraponto, aparece uma love story protagonizada por um casal de jovens – Valdir (Rômulo Augusto), rapaz rebelde e inconsequente, e Charlene (Irisceli Queiroz), dançarina bonita e sensual de forró, que resolvem, tomados de amor, largar tudo e amadurecer juntos. Tanto num como noutro caso, predomina a ideia da possibilidade de mudança coletiva ou individual, com o povo escolhendo seu próprio destino e um garotão, quem diria, transformado pela flecha certeira de Cupido.
O binômio política e amor, tão do agrado das pessoas, foi uma escolha feliz do diretor Cícero Filho, uma vez que ele deixa nas entrelinhas, ao optar pelo gênero comédia, que as coisas não devem ser levadas ao pé da letra. Ao contrário, uma pitadinha de humor não faz mal a ninguém. Quando embalada por uma envolvente trilha sonora – no caso interpretada por Dalmir Filho e Lily Araújo – a vida se torna realmente mais leve e suportável. Incrível é descobrir que o filme nasceu de um esboço de roteiro, foi produzido por uma única câmara e custou um tantinho de nada – uns 30 mil reais apenas. O resto veio por tabela. E todos que assistimos, não cansamos de dizer: “Ai que filme danado de bom!”. Antes, Cícero Filho já havia lançado Sentimento verdadeiro, O milagre do amor e Entre o amor e a razão. Depois veio Flor de abril, hoje com mais de 500 mil visualizações na Net. Ainda este ano, em parceria com a Uespi, será lançado Onde moram os cavalos-marinhos, história de quatro amigos que buscam o sentido da amizade no litoral piauiense. Sei não, mas tenho a leve impressão que o Cícero Filho, a continuar produzindo com esse olhar tão sensível, não tardará para despontar no cenário nacional.