A morte pisou feio na bola ao levar o querido Luiz Melodia na última sexta-feira. Se a intenção era silenciá-lo de vez, aos 66 anos, perdeu seu tempo e viagem. Como bom negro gato, ele apenas trocou seu espaço de shows: a terra pelo céu. Sem falar que dispõe ainda, segundo a crendice popular, de seis outras vidas. E o que é melhor, ao invés do esquecimento, será lembrado a cada dia – para tristeza da indesejada das gentes – por seus milhares de fãs e admiradores. Quem mandou mexer logo com ele, o travesso menino do Estácio, Morro de São Carlos, de talento artístico sem igual e presença carismática em palco? Agora é que cantaremos pra valer, letras na ponta da língua, suas músicas que tocam fundo nossa alma, a começar por Pérola negra: “Tente passar pelo que estou passando / Tente apagar este teu novo engano / Tente me amar pois estou te amando / Baby, te amo, nem sei se te amo”.
Sádica como ela só, de sentir prazer com o sofrimento alheio, não darei esse gostinho à dita cuja, preferindo falar de momentos felizes envolvendo Melodia a ficar pelos cantos remoendo tristezas. Dos inúmeros shows que fez aqui, ele que não cansava de vir a Teresina, relembro alguns de forma especial. Comecemos pelo que foi apresentado na Praça Pedro II, dentro da programação em homenagem a Torquato Neto, no qual cantou divinamente bem, além de expressar gratidão ao nosso Anjo Torto pela força recebida no início da carreira, destacando seu talento aos leitores do Última Hora, jornal carioca prestigiado na década de 1970, onde assinava a coluna Geleia Geral. Difícil não acompanhá-lo quando ele soltava a bela voz: “O Estácio acalma o sentido dos erros que eu faço / Trago, não traço, faço, não caço / O amor da morena maldita do Largo do Estácio”.
Outro show marcante aconteceu em 2010, no encerramento do Salão do Livro do Piauí, com o 4 de Setembro lotado, ele na voz e Renato Piau no violão, levando o público ao delírio num acústico da melhor qualidade. Era tamanha a sintonia que, nas pausas feitas de propósito, a cantoria prosseguia em forma de coro afinadíssimo. Sem grana na época, o espetáculo somente foi possível graças a providencial intervenção do violinista piauiense, seu parceiro de longas datas, que tendo direito a show por cachê módico, possibilitou a concretização de um acalentado sonho dos organizadores do Salipi. Felizes da vida, levantamos depois, na Confraria Uchôa, um brinde ao nosso convidado tão ilustre, sem esquecer de cantarolar, em agradecimento, um trecho de Juventude transviada: “Lava roupa todo dia, que agonia / Na quebrada da soleira, que chovia / Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada / Uma mulher não deve vacilar”.
Ano passado, no Seis e Meia, ele não só cantou maravilhosamente, como fez uma pungente declaração de amor aos piauienses. Tanto verbal quanto em cada música interpretada. Sentindo-se em casa, entre amigos próximos, chegou a tirar a blusa para ficar bem à vontade – inspiradíssimo como nunca. Uma despedida discreta e sem alarde? Em retribuição, cantávamos suas músicas com paixão e alegria, deixando claro que o sentimento era recíproco e verdadeiro. Difícil foi Melodia finalizar o show diante dos inúmeros bis que gritávamos, ele atendendo solícito, talvez pressentindo, quem sabe, que ali ocorria nosso último encontro em vida. Mas bonito mesmo, cá entre nós, era ouvi-lo cantar Magrelinha, Codinome beija-flor, Dores de amores e Fadas, ainda mais com a gente fazendo a segunda voz.