Wellington Soares

Coisas e outras

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1968 – Uma geração contra a ditadura

O título acima é o nome do livro de Antônio José Medeiros, sociólogo e fundador do PT no Piauí. Há 46 anos, ele e outros companheiros de geração, todos jovens e idealistas, resolveram quixotescamente enfrentar o regime militar imposto ao Brasil em 1964. Como estudante de Filosofia na época, não podia aceitar a supressão da liberdade no cotidiano do país, oxigênio imprescindível tanto na vida das pessoas como na sobrevivência de um estado democrático de direito. Essa luta resultou em sua prisão, quatro vezes ao todo, e numa perseguição implacável contra ele, a ponto de ficar proibido de assumir o cargo de professor na Ufpi, mesmo tendo sido aprovado em concurso.  O livro não é, como destaca o autor, uma análise histórico-sociológica daquele contexto, mas um depoimento sincero – alicerçado na memória –  de alguém que ousou desafiar o autoritarismo.

O relato não começa pelo embate político em si, nos corredores da antiga Fafi, mas pelo resgate das relações familiares em União. Filho de família tradicional do município, os Castelo Branco, desde cedo Antônio José conviveu com disputas eleitorais e lutas pelo poder bastante acirradas, a velha briga entre UDN e PTB. Embora seu pai não tenha exercido mandato eletivo, seu Benedito Medeiros, popularmente conhecido como “Pindunga”, liderava um bom número de eleitores junto aos trabalhadores pobres da cidade. Nascido à fórceps, de tão grande que era, o pagamento do parto foi quitado por 100 votos, moeda já valiosa naquela época. Ao ser eleito deputado estadual em 2002, ouviu da mãe, Maria Castelo Branco, a Bibi, algo que o impressionou muito: “Eu sabia que tu ias ser político, pois tu já nasceste fazendo política”.

Essa militância política e partidária não teve origem, segundo o autor, no seio da família Medeiros, porém como “filho da igreja”, quando seminarista e admirador do papa João XXIII, que pregava a valorização humana, o engajamento dos cristãos em favor dos pobres. Daí o compromisso surgiu, não parou mais. Inicialmente, distribuindo panfletos contra a ditadura, ainda estudante do Colégio Diocesano. Depois, em 1968, participando do Congresso proibido da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo, como representante da Faculdade Católica de Filosofia. As sucessivas prisões ocorreram a partir desse instante, todas de forma arbitrária e injusta, até porque Antônio José nunca fez parte de organização clandestina de esquerda nem enveredou pela luta armada, como optaram alguns colegas de utopia socialista.

O lançamento do livro ocorreu em 2014, no Centro Artesanal Mestre Dezinho, outrora Quartel da Polícia Militar, onde ele e mais três amigos ficaram presos – Samuel Filho, Benoni Alencar e Geraldo Borges, que deu um depoimento emocionado aos que foram prestigiar o evento. Relembrei desse fato porque na quinta-feira passada, no Rei do Mixto, familiares, amigos e admiradores compareceram para celebrar seus 68 anos bem vividos, ou 6.8 turbinados, como ele próprio faz questão de enfatizar. Uma noite e tanto, com Antônio José inspiradíssimo, poético e filosófico, entrelaçando Montaigne, Cícero, Miguel de Cervantes, Raul Seixas, Chico Buarque e o saudoso Gonzaguinha. Bom tê-lo de volta à militância política, renovado no espírito combativo que o levou ao Colégio Sion, na grande São Paulo, para criar o PT em 1980.  E o mais instigante de tudo,  grávido de novas utopias e feliz no amor.

Dona Raimunda

Ter mãe com 93 anos é dádiva das grandes, benção mais que divina. No fundo, privilégio de poucos, mesmo tendo aumentado a expectativa de vida da mulher brasileira. Hoje beirando os 79 anos de idade, segundo dados do IBGE. Os cuidados com a saúde e a prática de exercícios, além dos avanços na medicina, têm levado a esse resultado fantástico – de se viver mais e com melhor qualidade de vida. Minha mãe, dona Raimunda, que em setembro completa 94 anos, exemplifica tudo isso. E mais extraordinário ainda: lúcida, disposta e apaixonada pela vida. A que ela chama, metaforicamente, de o “grande espetáculo”. Daí valorizar tanto os eventos culturais. No sábado passado, véspera do Dia das Mães, fez questão de marcar presença em shows, numa noitada só, de duas grandes divas da nossa MPB: Zizi Possi, no Theatro 4 de Setembro,  e Tânia Alves, no Clube dos Diários. “Por essas e outras, filho, viver ganha sentido.”

Sua vida rende um livro caso um dia resolva escrevê-lo, dado as histórias e os dramas que a permeiam. Menina do interior, município de São Pedro do Piauí, casa-se adolescente ainda, com Tomé Carlos Soares, resultando nove filhos da união, fora dois que não sobreviveram. Visionária, convence o marido a vir pra Teresina, anos 1950, onde a filharada podia continuar os estudos e, Deus querendo, chegar ao ensino superior, tornando-se “doutores”.  Logo começou a trabalhar para ajudar no sustento da família, ora na função de enfermeira em hospitais e consultórios da capital, ora abrindo uma loja de confecção feminina no centro da cidade. Destemida, partia ao Sul Maravilha, em ônibus precários e viagens longas, a fim de trazer as últimas novidades, em termos de moda, à clientela que aguardava ansiosa. O cansaço e os pés inchados dessas andanças nunca levaram Dona Raimunda, conhecida também como Mundica, a desistir do sonho de um futuro melhor para os entes queridos.

Apesar da saudade que sentiria, não se opôs que quatro filhos partissem em busca de novos horizontes em outros estados, como na época era comum entre muitas famílias nordestinas. Dois foram para o Rio de Janeiro, Raimundo José e Francisco Eduardo, e dois pegaram o caminho de São Paulo, Tomé Filho e Antônio Neto. No imaginário deles, como dos nossos pais também, essa migração seria temporária, coisa de poucos anos, tempo suficiente para juntarem uma grana e, com a experiência adquirida lá, retornarem à terrinha, sempre querida e idolatrada, a fim de montar seu próprio negócio. Enquanto isso, dona Raimundo e Seu Tomé, cuidavam do restante da prole. Mesmo as coisas não tendo saído como planejado, os “velhos” trataram de tocar a vida em frente. Dos que ficaram, três abraçaram o bendito magistério – Maria da Conceição, Rita Maria e este cronista que vos escreve às terças-feiras –, onde realizaram-se existencial e profissionalmente em sala de aula.

O envolvimento de um dos filhos com droga, a quem amava em demasia, é das tristezas que marcam seu alegre semblante. Talvez por sentir-se impotente, apesar de todos os esforços feitos, diante do encantamento do Wilson Fernando ainda tão jovem. Apesar disso e do desmantelo do mundo, segundo costuma dizer, preserva uma alegria inata, renovada com a chegada dos netos e dos bisnetos. Mesmo vivendo hoje na casa dos filhos, não abre mão dos afazeres domésticos, nos quais encontra prazer e sentido na vida, a exemplo da comidinha caseira (galinha caipira ao molho) e dos bolos deliciosos (rosca, puba e macaxeira). Sem falar também das aulas de dança, duas vezes por semana, no Sesc Ilhotas, que frequenta religiosamente. Dirigir seu próprio carro, que fez até há poucos anos, é desejo bastante recorrente. Difícil não amá-la por essas e outras qualidades. A música de Zeca Veloso encarna, como nenhuma outra, tudo que gostaríamos de expressar no último dia 13 do presente mês: “Todo homem precisa de uma mãe”.

Lula lá!

Todos esses que aí estão, parafraseando Quintana, atravancando o caminho de Lula, aprisionando-o injustamente, vocês passarão, não tenho dúvida, enquanto esse nordestino arretado, do interior de Pernambuco, ele passarinho, voando livre, mesmo preso, por todo canto do Brasil, país que ama e conhece como ninguém, através das ideias que semeou no coração de cada um de seus milhões de admiradores – de desenvolvimento econômico com justiça social – não somente agora, quando tentam impedir sua candidatura a presidente, mas ao longo dessas últimas quatro décadas, desde as greves operárias do ABC paulista que liderou, lá no final dos anos 1970, Lula não é mais um corpo físico que caiba numa cela, entendam isto, simbolizando hoje um projeto centrado na pessoa humana, coisa mais maior de grande, e não na inescrupulosa ganância por lucros de poucos, oito apenas, no caso do Brasil, detendo uma riqueza igual a metade da população nacional, portanto uma concentração de renda absurda, sob todos os aspectos, notadamente cristãos e humanitários, daí afirmar pros senhores e senhoras, digníssimos representantes das elites tupiniquins, que vivem a atravancar, de forma doentia, o caminho desse retirante de Garanhuns, sobrevivente da seca, levado a São Paulo com os irmãos pela mãe num pau de arara, vocês tudinho, sem exceção, não passarão de reles figuras patéticas no futuro, devoradas pelo ódio e preconceitos que tanto alimentaram, ao passo que Lula, tido como o melhor presidente que o país já teve, ele passarinho nos livros de história, tanto dentro como fora do Brasil, na companhia de nada menos que Mandela, Gandhi e Martin Luther King Jr., baluartes da liberdade e da luta pelos direitos humanos que, em vida, foram também presos ao desafinarem o coro dos contentes da época, tendo sido perseguidos implacavelmente, como é bom avisar ainda a imprensa e o judiciário partidarizados, pois ninguém é cego nem tolo pra ver tamanho desatino e não se indignar, e não venham dizer, please, que a justiça é pra todos, subestimando nossa inteligência, que não é mesmo, estando os tucanos aí, soltinhos da silva, pra todo mundo comprovar, apesar das graves denúncias contra os medalhões do partido, algumas abafadas e outras arquivadas, uma vez que todos vocês, na grande mídia e protegidos em togas, que ficam aí, marionetes a serviço de interesses escusos, atravancando o caminho da esperança e da dignidade, vocês passarão vergonha em breve, ao serem desmascarados em sua vilania, enquanto Lula, primeiro metalúrgico a ser presidente desta pátria amada, ele passarinho trazendo novas utopias ao seu povo, sobretudo, focadas na melhoria de vida dos mais pobres, gente secularmente esquecida pelos mandatários desta Terra adorada, provocando a ira dos ricaços que não aceitam, exceto na igreja aos domingos, a solidária divisão dos pães, como a feita por Jesus, ele um injustiçado também, assassinado numa cruz, sem apelação nem direito de defesa, cujo único crime foi o de olhar pelos mais humildes, tendo pago um alto preço ao defender, com a própria vida, os mais pobres preferencialmente, levando-me a falar pra nossa classe média brasileira, bucha de canhão dos rendistas e de forças estrangeiras, depois de consumir tanta Veja e Globo, virando autênticos midiotas, a ponto de se tornarem pessoas raivosas, que todos de sua  classe que estão aí felizes, comemorando a prisão do Lula, vocês passarão com seu mundinho vazio e hipócrita, ainda mais ao optarem por candidato fascista, de extrema direita, a violência em carne e osso, enquanto o Lula, de coração grande e carisma sem igual, estadista respeitado mundialmente, ele passarinho hoje e eternamente, transfigurado que foi em sinônimo de igualdade e amor, com gerações e gerações futuras celebrando seu legado e cantarolando, para desespero das elites e do Tio Sam, o refrão da música que o imortalizou: “Lula lá/Brilha uma estrela”.

Candidato, eu?

 

De dois em dois anos, a história se repete comigo: “você será candidato nesta eleição?”. Amigos, leitores, familiares, alunos e admiradores querendo uma resposta – de preferência positiva – para tal indagação. Mesmo sendo a política uma atividade nobre, sobretudo, quando exercida com ética, respondo categoricamente que não. Que estou bastante satisfeito em ser professor, além de eterno aprendiz de escritor. Mania absurda essa das pessoas acharem que, para ser feliz e realizado, temos de exercer um mandato parlamentar. Costumo agradecer a lembrança, bem como a manifestação de voto, mas digo ter outras utopias mais instigantes. Talvez queiram demonstrar apenas, quem sabe, o legítimo desejo de ver cara nova em nosso legislativo federal.  Mal sabem que, tendo vivido essa experiência em 1988, lançando-me a vereador de Teresina pelo PT, não gostaria de repeti-la novamente. Dentre outras, por duas simples razões: liseira para encarar as atuais campanhas milionárias e, acima de tudo, o medo de perder o pouco de privacidade que ainda me resta.

Uma lembrança nítida daquele pleito, guardada até hoje na memória, é a da pobreza franciscana com que encarei os eleitores: megafone, tamborete de madeira e uns santinhos com as propostas.  Sem grana sequer para alugar comitê, a estratégia foi abordá-los diretamente onde estivessem.  Portas de escolas e universidades eram locais perfeitos para soltar o verbo e, na medida do possível, plantar um tantinho de esperança. Sem falar também das paradas de ônibus e mercados públicos da periferia, plateias sempre atentas ao que o candidato tem a dizer. No fundo, verdadeira prova de fogo para quem pretende representá-los no parlamento, encarando-os de frente e ouvindo suas reivindicações. Triste do candidato que não passar, nesse corpo a corpo, bastante sinceridade, recebendo em troca uma constrangedora indiferença. Não ter ficado com débito, tampouco comprado voto de ninguém, deixou em mim uma sensação indescritível de leveza e alegria.

Outro fato que marcou a referida campanha, ainda fresca na cachola, aconteceu na entrada dos alunos do Helvídio Nunes, escola pública localizada na zona Norte da capital, bairro Marquês. Acabara eu de fazer o empolgado discurso, quando uma senhora humilde se aproximou de mim e, após um breve relato de sua penosa situação financeira, pediu uma casa para morar com o marido e os cinco filhos. Ao falar da impossibilidade de atendê-la, tanto por ser um simples professor quanto morar em casa alugada, ela sapecou um conselho dos mais pedagógicos: “gente lascada, seu moço, não deveria jamais se candidatar”. E sem interesse em ouvir meus argumentos, virou as costas e saiu atrás da sonhada moradia. Bendita e sábia senhora!

Toda essa conversa vem à tona não só por causa daquela convocação dos meus prováveis “leitores”, mas também por ter passado, tempos atrás, uma situação vexatória no HGV.  O constrangimento se deu quando levei um jovem que passava mal, na praça Pedro II, para o devido atendimento no hospital. Um gesto despretensioso de solidariedade ao próximo. Ao responder que não era parente nem o conhecia pessoalmente, ouvi de uma enfermeira a perversa insinuação de que essa “alma bondosa está querendo votos”. Desde esse episódio, tomo o maior cuidado em não deixar transparecer nenhuma pretensão em ser candidato a nada. Estou feliz assim, dando aulas e publicando livros. E metido, claro, em projetos culturais. Atividades que contribuem também, e como!, para o engrandecimento do nosso estado e do país.

Marielle Franco

Foram quatro tiros certeiros, todos na cabeça, disparados quase à queima-roupa, que tiraram a vida de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, eleita com 46. 502 votos no último pleito, 2016, em pleno cumprimento de seu primeiro mandato parlamentar, colocado a serviço, desde o início, das camadas pobres das periferias, sem falar também da defesa intransigente dos direitos humanos, infelizmente entendido, por fascistas e ignorantes, como proteção a bandidos, quando põe em prática, na realidade, resolução tomada pela ONU em 1948, que garante aos seres humanos em geral, independente de qualquer coisa, direitos fundamentais de cidadania e vida digna, mas os que a mataram fria e covardemente, obedecendo ordem superior, gente de costas largas, não ligavam a mínima pra esses aspectos, afinal quem “defende” criminoso, segundo pensam, merece morrer também, daí os quatro disparos na cabeça, sem dó nem piedade, talvez um aviso pra quem ainda se meter à besta, sobretudo, parlamentares esquerdistas e lideranças populares e sindicais, que teimam em ficar ao lado da escória social, pois arrego não terão daqui pra frente, ainda mais se o grande líder deles, matador convicto, com aval da grande mídia e judiciário, levar a melhor na campanha presidencial, outubro próximo, e nomear generais pra  maioria dos ministérios, bem como aprovar no Congresso, finalmente, sob o patrocínio da indústria bélica e das bancadas evangélica e da bala, a liberação do porte de arma,  aí sim, senhores e senhoras, a matança vai correr solta, com ricaços e classe média exultando de alegria,  vestidos de verde e amarelo outra vez, as cores da seleção Canarinho, e tomando ruas e praças a fim de bebemorar o novo Brasil, branco e elitista, capaz de colocar a raia-miúda no seu devido lugar, onde já se viu, indagam os assassinos e seus mandantes, ralé andar de avião, transformando aeroportos em rodoviárias fétidas, ou, o que é pior, frequentando praias da zona Sul, bonitas por natureza e abençoadas por Deus, hoje transformadas em piscinões de negros e putas, que escutem direitinho o aviso dado pela extrema-direita, com a execução da Marielle, quatro tiros na cabeça, de um total de nove disparados, pouco importando, caso queiram saber, se três levaram Anderson Gomes, motorista da vereadora e rapaz humilde, tampouco ligam, acreditem, pra enorme repercussão dentro e fora do país, lisonjeados mais com os apoios recebidos nas redes sociais, até de desembargadora, deputados, jornalistas, professores e delegados, uma legião de imbecis que adora beber o sangue, de preferência em quantidade, de pobres, negros, mulheres, gays e bandidos, embora digam ser cristãs e pessoas do bem, porque pra elas, gritam em voz alta e batendo no peito, que mal existe em tirar a vida de uma militante do Psol, useira e vezeira em plantar ideias de igualdade e de direitos nas favelas do Rio, lixando pro fato da vítima ser jovem demais pra morrer, 38 anos apenas, mãe dedicada e amorosa, formada em sociologia (PUC/RJ) e mestra em Administração Pública (UFF), tendo conquistado tudo, inclusive o mandato de vereadora, com muito esforço e determinação, podendo alçar voos maiores no futuro, lamentavelmente interrompidos, quarta-feira passada (14), às 21h07, rua Joaquim Palhares, no Estácio, por uma rajada de pistola 9mm, um segundo de nada e, com barulho forte e rápido, vários tá, tá, tá, tá, pondo em questionamento o sentido da intervenção militar na cidade: segurança pra valer ou jogada de marketing eleitoral?