Ter mãe com 93 anos é dádiva das grandes, benção mais que divina. No fundo, privilégio de poucos, mesmo tendo aumentado a expectativa de vida da mulher brasileira. Hoje beirando os 79 anos de idade, segundo dados do IBGE. Os cuidados com a saúde e a prática de exercícios, além dos avanços na medicina, têm levado a esse resultado fantástico – de se viver mais e com melhor qualidade de vida. Minha mãe, dona Raimunda, que em setembro completa 94 anos, exemplifica tudo isso. E mais extraordinário ainda: lúcida, disposta e apaixonada pela vida. A que ela chama, metaforicamente, de o “grande espetáculo”. Daí valorizar tanto os eventos culturais. No sábado passado, véspera do Dia das Mães, fez questão de marcar presença em shows, numa noitada só, de duas grandes divas da nossa MPB: Zizi Possi, no Theatro 4 de Setembro,  e Tânia Alves, no Clube dos Diários. “Por essas e outras, filho, viver ganha sentido.”

Sua vida rende um livro caso um dia resolva escrevê-lo, dado as histórias e os dramas que a permeiam. Menina do interior, município de São Pedro do Piauí, casa-se adolescente ainda, com Tomé Carlos Soares, resultando nove filhos da união, fora dois que não sobreviveram. Visionária, convence o marido a vir pra Teresina, anos 1950, onde a filharada podia continuar os estudos e, Deus querendo, chegar ao ensino superior, tornando-se “doutores”.  Logo começou a trabalhar para ajudar no sustento da família, ora na função de enfermeira em hospitais e consultórios da capital, ora abrindo uma loja de confecção feminina no centro da cidade. Destemida, partia ao Sul Maravilha, em ônibus precários e viagens longas, a fim de trazer as últimas novidades, em termos de moda, à clientela que aguardava ansiosa. O cansaço e os pés inchados dessas andanças nunca levaram Dona Raimunda, conhecida também como Mundica, a desistir do sonho de um futuro melhor para os entes queridos.

Apesar da saudade que sentiria, não se opôs que quatro filhos partissem em busca de novos horizontes em outros estados, como na época era comum entre muitas famílias nordestinas. Dois foram para o Rio de Janeiro, Raimundo José e Francisco Eduardo, e dois pegaram o caminho de São Paulo, Tomé Filho e Antônio Neto. No imaginário deles, como dos nossos pais também, essa migração seria temporária, coisa de poucos anos, tempo suficiente para juntarem uma grana e, com a experiência adquirida lá, retornarem à terrinha, sempre querida e idolatrada, a fim de montar seu próprio negócio. Enquanto isso, dona Raimundo e Seu Tomé, cuidavam do restante da prole. Mesmo as coisas não tendo saído como planejado, os “velhos” trataram de tocar a vida em frente. Dos que ficaram, três abraçaram o bendito magistério – Maria da Conceição, Rita Maria e este cronista que vos escreve às terças-feiras –, onde realizaram-se existencial e profissionalmente em sala de aula.

O envolvimento de um dos filhos com droga, a quem amava em demasia, é das tristezas que marcam seu alegre semblante. Talvez por sentir-se impotente, apesar de todos os esforços feitos, diante do encantamento do Wilson Fernando ainda tão jovem. Apesar disso e do desmantelo do mundo, segundo costuma dizer, preserva uma alegria inata, renovada com a chegada dos netos e dos bisnetos. Mesmo vivendo hoje na casa dos filhos, não abre mão dos afazeres domésticos, nos quais encontra prazer e sentido na vida, a exemplo da comidinha caseira (galinha caipira ao molho) e dos bolos deliciosos (rosca, puba e macaxeira). Sem falar também das aulas de dança, duas vezes por semana, no Sesc Ilhotas, que frequenta religiosamente. Dirigir seu próprio carro, que fez até há poucos anos, é desejo bastante recorrente. Difícil não amá-la por essas e outras qualidades. A música de Zeca Veloso encarna, como nenhuma outra, tudo que gostaríamos de expressar no último dia 13 do presente mês: “Todo homem precisa de uma mãe”.