Há quem diga que a poesia não resolve nada, objeto dos mais inúteis, mas serve, pelo menos, para revolver nossas entranhas, tirando-nos do estéril comodismo e tornando-nos pessoas melhores. Ao ler os textos de Graça Vilhena, poeta teresinense, constatei, maravilhado, essa afirmativa. Por sua causa, hoje sou outro e passei a ver a poesia de modo diferente. Não somente como mero jogo de palavras, versos estruturados de forma harmoniosa, e sim, em sentido mais amplo, tudo aquilo que comove, sensibiliza e desperta sentimentos. Encontrável em todas as artes e, sobretudo, nas coisas tidas como desimportantes. Fim de mundo é um belo exemplo disso.
Dentro das casas
humildemente
o dia se dissolve
no bico das chaleiras
cadeiras obedientes
ensaiam danças
nas calçadas
e a moça espalha
sobre um bordado
uma possível felicidade.
Em sua poética, gosto sobremaneira do caráter lírico, de tom contido, sem exageros e os clichês de praxe, o eu quase abolido do texto, expressando-se não a si mesma, mas preocupada com o outro, nós leitores, a quem convida humildemente, dando-nos a mão como velha amiga, a entrar no reino mágico e instigante das palavras. Sem falar também da concepção poética, não fruto da tal de inspiração, apenas objeto a ser talhado como se fosse uma pedra, um trabalho como outro qualquer. Que tal ler Lição de poesia?
uma rolha de cortiça serve
para boiar lembranças
de um amor de festa
caixas de fósforo molhadas
são também silêncios
para não acordar os candeeiros
e baganas espalhadas nas calçadas
é só pisá-las
para que os outros pensem
que se apaga estrelas
Ao contrário de muitos poetas, a escrita de Graça Vilhena é concisa e simples, suas inquietações ditas com economia vocabular e de forma compreensiva. Nada de prolixidade nem rebuscamento da linguagem que infestam até hoje, infelizmente, grande parte da poesia nacional, distanciando o leitor comum desse fascinante gênero literário. Daí produzir, cada vez mais, poemas e versos curtos, o muito expresso num tantinho de palavras, direta e objetivamente, a exemplode Recado.
Não velarei teu sono
E nem serei o aguador
De tuas palavras vidrosas.
Creio nos galos
Cantando até à grimpa
E nos cachorros
Viralatindo as madrugadas.
A noite não é silenciosa.
Bom constatar que não existem temas proibidos em sua obra, cabendo de tudo e algo mais, inclusive o amor físico, desprovido de moralismos e pudores, tendo assimilado direitinho a sábia lição do mestre Octavio Paz sobre erotismo e poesia: “o primeiro é uma metáfora da sexualidade, a segunda, uma erotização da linguagem”, como observamos em Desejo.
Teus olhos queimam meu corpo
quero ser arada
pelas tuas mãos
quero gemer ser pisada ser ferida
pelo teu beijo de semente
depois o descanso
teu suor moreno
chovendo sobre mim.
Graça Vilhena é poeta das melhores, daquelas que dá gosto ler, não às pressas, mas aos poucos, saboreando cada palavra e texto. Obra poética relativamente pequena, de dois livros apenas, contudo imensa do ponto de vista estético: Em todo canto (1997) e Pedra de cantaria(2013). Acredite, ela faz parte do seleto grupo de poetas que nos deixa, como diria Carlos Drummond, comovido pro diabo. Não à toa ser um dos autores homenageados, junto com Alice Ruiz e Itamar Assumpção, da Balada Literária deste ano, evento cultural dos mais importantes do Brasil, nascido há 12 anos em São Paulo e realizado, atualmente, em três outras capitais: Salvador, Teresina e Cuiabá.