O título acima é o nome do livro de Antônio José Medeiros, sociólogo e fundador do PT no Piauí. Há 46 anos, ele e outros companheiros de geração, todos jovens e idealistas, resolveram quixotescamente enfrentar o regime militar imposto ao Brasil em 1964. Como estudante de Filosofia na época, não podia aceitar a supressão da liberdade no cotidiano do país, oxigênio imprescindível tanto na vida das pessoas como na sobrevivência de um estado democrático de direito. Essa luta resultou em sua prisão, quatro vezes ao todo, e numa perseguição implacável contra ele, a ponto de ficar proibido de assumir o cargo de professor na Ufpi, mesmo tendo sido aprovado em concurso.  O livro não é, como destaca o autor, uma análise histórico-sociológica daquele contexto, mas um depoimento sincero – alicerçado na memória –  de alguém que ousou desafiar o autoritarismo.

O relato não começa pelo embate político em si, nos corredores da antiga Fafi, mas pelo resgate das relações familiares em União. Filho de família tradicional do município, os Castelo Branco, desde cedo Antônio José conviveu com disputas eleitorais e lutas pelo poder bastante acirradas, a velha briga entre UDN e PTB. Embora seu pai não tenha exercido mandato eletivo, seu Benedito Medeiros, popularmente conhecido como “Pindunga”, liderava um bom número de eleitores junto aos trabalhadores pobres da cidade. Nascido à fórceps, de tão grande que era, o pagamento do parto foi quitado por 100 votos, moeda já valiosa naquela época. Ao ser eleito deputado estadual em 2002, ouviu da mãe, Maria Castelo Branco, a Bibi, algo que o impressionou muito: “Eu sabia que tu ias ser político, pois tu já nasceste fazendo política”.

Essa militância política e partidária não teve origem, segundo o autor, no seio da família Medeiros, porém como “filho da igreja”, quando seminarista e admirador do papa João XXIII, que pregava a valorização humana, o engajamento dos cristãos em favor dos pobres. Daí o compromisso surgiu, não parou mais. Inicialmente, distribuindo panfletos contra a ditadura, ainda estudante do Colégio Diocesano. Depois, em 1968, participando do Congresso proibido da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo, como representante da Faculdade Católica de Filosofia. As sucessivas prisões ocorreram a partir desse instante, todas de forma arbitrária e injusta, até porque Antônio José nunca fez parte de organização clandestina de esquerda nem enveredou pela luta armada, como optaram alguns colegas de utopia socialista.

O lançamento do livro ocorreu em 2014, no Centro Artesanal Mestre Dezinho, outrora Quartel da Polícia Militar, onde ele e mais três amigos ficaram presos – Samuel Filho, Benoni Alencar e Geraldo Borges, que deu um depoimento emocionado aos que foram prestigiar o evento. Relembrei desse fato porque na quinta-feira passada, no Rei do Mixto, familiares, amigos e admiradores compareceram para celebrar seus 68 anos bem vividos, ou 6.8 turbinados, como ele próprio faz questão de enfatizar. Uma noite e tanto, com Antônio José inspiradíssimo, poético e filosófico, entrelaçando Montaigne, Cícero, Miguel de Cervantes, Raul Seixas, Chico Buarque e o saudoso Gonzaguinha. Bom tê-lo de volta à militância política, renovado no espírito combativo que o levou ao Colégio Sion, na grande São Paulo, para criar o PT em 1980.  E o mais instigante de tudo,  grávido de novas utopias e feliz no amor.