Wellington Soares

Coisas e outras

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Revolução Laura

 

Ela não tem nada da figura do comunista tradicional, radical e comedor de criancinha, segundo estereótipo propagado por nossas elites retrógradas. Ao contrário, transpira leveza e ama os baixinhos como ninguém. Além de simpática, bonita e de sorriso franco. Estou falando de Manuela d’Ávila, jornalista e política gaúcha, conhecida nacionalmente por Manu – mãe de Laura, companheira do cantor Duca Leindecker e militante do PC do B (Partido Comunista do Brasil). E autora do livro, motivo desta crônica, de Revolução Laura, lançado pela Belas Letras recentemente, editora de Caxias do Sul (RS). Como explicitado no complemento do título, são reflexões sobre maternidade e resistência. Tive o prazer de conhecê-la em abril passado, quando esteve em Teresina, na Ufpi, para cumprir duas agendas: lançar a obra e conversar sobre Democracia em tempos de fakenews, tema dos mais atuais no cenário brasileiro.

O livro é uma delícia em todos os aspectos, desde o atraente projeto gráfico, que lembra um diário, até o conteúdo abordado, a ousadia de uma mãe em fazer política num espaço tomado pelo machismo e conservadorismo. Manu dedica a obra para Duca (marido) e Gui (enteado), bem como a todas as mulheres, fontes de inspiração e exemplos de vida. O prefácio foi escrito por Márcia Tiburi, filósofa e amiga da autora, que, entre outras coisas, diz sabiamente: “Eu li teu livro chorando muito e rindo muito. Em cada emoção sentida, ele me iluminou. Iluminou a minha vida de pessoa que deseja um mundo melhor e que é representado em você, pela força da tua luta que se renova e redescobre nos caminhos simples da vida e nas nervuras complexas do poder. Tanta coisa triste ao redor e eu te vendo com a Laura e essa imagem sendo uma coisa boa, uma imagem de esperança para a gente seguir no meio do tempo ruim.”

Obra pra ter na mesa de cabeceira, lendo aos poucos, um tantinho por noite e, de preferência, assimilando suas lições de luta e empoderamento. Destinado a todos os públicos, sobretudo o feminino, e escrito numa linguagem simples, de fácil compreensão. Livro que toca fundo a alma da gente, por ser verdadeiro e trazer à tona questões que nos dizem respeito, mulheres e homens: maternidade, amor, política, afetos, tabus, preconceitos, sonhos, liberdade, ser mulher, espaço público, direitos e, acima de tudo, o antigo e premente desejo de mudar o mundo. Na realidade, trata-se de uma conversa franca, como deixa claro Manu, sobre aprendizado e acolhimento simbolizados em Laura, filha amada que a levou a encarar a vida com olhos livres, ensinando-a “que não existe nada no mundo que uma mulher não possa fazer.”

Dentre as cenas da campanha presidencial de 2018, uma ficou guardada em minhas retinas tão fatigadas, como diria o poeta itabirano: Manuela d’Ávila, vice na chapa de Haddad, circulando o país com Laura a tiracolo, uma garotinha fofa de 2 anos. Quando menos esperávamos, estava ela lá, grudada à mãe, presente nas atividades – comícios, palestras, caminhadas, debates e entrevistas, ora brincando ou mamando o seio da Manu. Ou até mesmo, em estúdio de TV ao vivo, fazendo suas necessidades. Ao todo, foram 19 estados visitados, uma semana sequer sem viajar. Essa foi uma das condições impostas, junto ao partido, pra Manuela aceitar compor a dobradinha com o candidato petista. Daí abrir o livro com um agradecimento à filha: “Tu aprendeste a arrumar a própria mochila de brinquedos. Tu me fizeste resistir, me mantiveste sã, me fazes seguir adiante. A maior revolução é o amor. E tu me fizeste amar sem limites. Obrigada, filha.”

Sou eu que agradeço, Manu, tornando minhas as palavras da Márcia Tiburi: “No meio desse mar de ódio, teu livro feito de amor imenso é cura.”

Filhos da Ufpi

 

Era o comecinho de 1980 quando, pra cursar Letras, cheguei à Universidade Federal do Piauí. Que na época, carinhosamente, chamávamos de Federal. Única instituição de ensino superior que tínhamos no estado, criada por Alberto Silva em 1971, marco importante de nossa história. Sem ela, continuaríamos no atraso ainda hoje. Calouro repleto de sonhos, pouco mais de 20 anos, não imaginava os desafios que teria pela frente. Infelizmente, nem o badalado milagre econômico foi capaz de suprir algumas de suas carências: laboratórios, uma melhor biblioteca central, transporte decente, RU de qualidade e ausência de CEU (Casa do Estudante Universitário). Não bastassem esses problemas, dois outros nos incomodavam bastante – professores e funcionários entrando por indicação política, o chamado “pistolão”, e a tentativa de privatizá-la, velho desejo das elites tupiniquins. Sem falar da escolha indireta, sem a participação da comunidade acadêmica, dos reitores biônicos.

Embalados pela bela canção Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, que tocava fundo nossa alma quixotesca, sobretudo, o sugestivo refrão – “Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer”, fomos à luta pra reverter o dramático quadro da Ufpi. Primeiro, retomando as entidades estudantis (DCE e CAs) dos pelegos, lideranças a serviço dos homi. Segundo, construindo um programa em defesa da universidade pública e de qualidade. Terceiro, definindo a democracia e a liberdade no país, suprimidas pela ditadura militar, como bandeiras prioritárias do movimento. E, por último, ocupando os espaços públicos (universidade, ruas e praças) em defesa de nossas utopias mais caras: Brasil mais justo/  solidário e educação gratuita para todos.

Paralelamente a tudo isso, realizávamos um montão de atividades lúdicas, no campus Petrônio Portella, a fim de deixar claro que, além das pautas educacionais e políticas, não abríamos mão da arte como manifestação de rebeldia e fonte de prazer – “A gente não quer só comida/ A gente quer comida/ Diversão e arte”. Daí o surgimento das Quintas Culturais, no Salão de Jogos, festinhas regadas a namoros, papos legais, beijos e algo mais; dos Festivais Universitários, celeiro de talentos artísticos, nos quais despontaram grandes nomes da música piauiense; da Quadrilhada, no Centro de Esportes, o espírito junino animando nossas tradições sob a benção de Luiz Gonzaga. Fora exposições de pintura e fotografia, bem como apresentação de grupos de teatro e dança. Tudo junto e misturado, sem preconceito e moral fundamentalista – “A gente não quer só comer/ A gente quer prazer/ Pra aliviar a dor”, segundo o Titãs, banda de rock nacional.

E não é que os filhos e filhas da Ufpi, como eu e tantos outros de minha geração, estamos voltando à Federal, onde colhemos o melhor de nós, em termos profissional e humano, nesta quarta-feira, dia 29, a fim de defendê-la dos que atentam, novamente, contra suas verbas e autonomia. O objetivo é o mesmo de sempre, asfixiá-la financeiramente para, sem condições de funcionar, ser entregue a grupo privado. A cobrança de mensalidades, igual o modelo norte-americano, viria em seguida, privando alunos pobres de um futuro melhor. Nem criativas, nossas elites, são no modus operandi. Por meio de um show lítero-musical, reunindo poetas e artistas locais, faremos chegar aos representantes do mercado – os tais de rentistas, figuras que ganham sem produzir – que não aceitaremos, em hipótese nenhuma, que eles algarismem o amanhã de nossa juventude.

O Beijo no Asfalto

 

Minha vida desandou, hoje tenho certeza, depois do beijo. Não de qualquer beijo, mas daquele no asfalto. Dado num rapaz que sequer conhecia, na Praça da Bandeira, atropelado por um ônibus. O coitado escorregou do meio-fio e, fração de segundos, já não vivia mais. Gesto automático, corri pra socorrê-lo, amparando o pescoço nos meus braços. Mesmo pego de surpresa, atendi seu pedido de misericórdia: dei-lhe um beijo na boca. Pior ainda, na frente de todo mundo, incluindo meu sogro. Como iria adivinhar a presença de um repórter canalha, de jornal sensacionalista, entre a multidão que se formara para ver a desgraça alheia? Estampada na primeira página, dia seguinte, estava lá a maldita manchete, em letras garrafais: O BEIJO NO ASFALTO. A partir daí, quem diria, todos ficaram contra mim. Não entendem que o beijo foi apenas um gesto humano, de solidariedade. Que se danem!, pois não me arrependo. E por um único e simples motivo: fez eu me sentir, pela primeira vez na vida, um homem bom, sem maldade – “Lindo beijar quem está morrendo!”.

Perdoar Arandir até que seria possível, juro por Deus, mas voltar a beijá-lo nunca mais. Sempre lembraria dele beijando a boca de um homem. Isso é o fim da picada, mesmo reconhecendo a grandeza de seu gesto. Até relevaria os mexericos da vizinhança, as torturas sofridas da dupla Cunha/Amaro e os ciúmes doentios do Aprígio, meu pai. Nem lavando a boca mil vezes, acredite, eu seria capaz outra vez. E olha que Arandir é o grande amor da minha vida. Aliás, o primeiro e único namorado que tive. O homem que me fez mulher quando eu não passava de uma garotinha boba e virgem. Quanto à insinuação maldosa de ser gilete, cortando dos dois lados, nunca liguei a mínima. Amante do rapaz morto? Canalhice pra venderem jornal. Arandir é macho dos bons, daqueles que querem sexo todo santo dia, por isso não desejar ter filho tão cedo, atrapalha nossa eterna lua de mel. Vontade não faltou de ir ao seu encontro, em hotel no Largo de São Francisco, mas a lembrança do tal beijo pôs tudo a perder.

Selminha não vem, disse pra ele, mas eu vim no lugar dela. Vim por acreditar em você, na sua inocência diante da campanha sacana do jornal Última Hora. Grandíssimo filho da puta, esse Samuel Wainer! Vim também porque, ao contrário da sua esposa, não sinto nojo de você. Vim ainda porque, caso queira me beijar, meus lábios e língua estão à sua inteira disposição. Vim, por fim, pra deixar bem claro o amor que sinto por você. Não de agora, depois do famoso beijo, mas desde o namoro com a minha irmã, que o rejeita logo no momento que você mais precisa. Fiquemos em duas, dentre outras provas do meu amor: ter ido morar com vocês, a fim de ficar pertinho de ti; e ter deixado a porta do banheiro aberta, de forma intencional, para que me visse nuinha da silva, como nasci, desejando meu lindo corpo. Vou mais além, escuta Arandir, em minha louca paixão – querendo, morro agorinha com você, sem pestanejar. Bala ou veneno, tanto faz. Topa?

Seu desgraçado, não bastasse o que fez, tenta agora seduzir Dália, minha  caçula. Sempre falei que você não prestava, não valia um tostão. Mas as mulheres, ingênuas por natureza, são levadas na lábia dos canalhas. Minhas filhas provam isso. Por que eu, Aprígio, o odeio?  Por ciúme da Selminha, talvez você pense. Por ficar bisbilhotando Dália no banheiro, quem sabe. Por você ter casado com Selminha sem minha aprovação, decerto. Por você mentir pra gente que não conhecia o rapaz morto, quiçá. Por nunca ter pronunciado seu horroroso nome, porventura, preferindo chamá-lo de namorado, noivo e marido. Como explicar tamanho ódio, então, você deve estar se perguntando? Simples, meu caro: meu ódio é amor, amor dos grandes, irrespirável de tão sufocante. “Jurei a mim mesmo que só diria teu nome a teu cadáver.” Tudo eu teria perdoado, Arandir, menos vê-lo beijar outro homem que não eu, somente eu. Mesmo tardiamente, aprenda: traição implica morte. É batata!

Eterno passarinho

 

Há pouco mais de um ano você, Caeteense, pena numa cela em Curitiba, preso por “crimes” sem provas, exceto ter optado, desde metalúrgico, em ficar ao lado da mão de obra barata das montadoras de carro, mas nunca esquecido, assunte bem, por todos que reconhecem seu exemplo de vida, como Sérgio Vaz, agitador cultural das periferias do Brasil que, no poema Teimosia, traz um abraço pra você em palavras mais que solidárias: “Não adianta/ quebrarem minhas pernas,/ furar meus olhos/ ou falar pelas costas./ O que sustenta meu corpo/ são as minhas ideias./ Braços descruzados,/ tenho um cérebro com asas/ e sou todo coração./ Se me proibirem de andar sobre a água,/ nado sobre a terra.”

Há um ano e 16 dias você, Retirante, sofre na Polícia Federal da capital paranaense, preso por “crimes” que não cometeu, exceto ter ousado criar um partido que desse voz e vez a milhões de trabalhadores, mas jamais abandonado, ouça com atenção, por um monte de gente que admira sua coragem, como Adriane Garcia, poeta mineira que, em dísticos críticos, no texto Ideia, firmou posição contrária a tal absurdo: “Seu nome/ É ferida aberta //  Seu nome/ É prisão política // Seu nome é/ Brasil sem fome // Seu nome/ É nome operário //  Mas seu nome/ Roda o mundo // Aprisionaram/ Seu nome-carne // Isolaram/ Seu nome-espírito // Mentiram/ Sobre seu nome // Mas seu nome/ Virou nome-ideia.”

Há exatos 381 dias você, Pernambucano, come o pão que o diabo amassou numa solitária em Curitiba, preso por ser “dono”, embora nada conste no seu nome, de um triplex e de um sítio fajutos, quando tudo não passou, via cambalacho jurídico, de armação pra tirá-lo da disputa presidencial, mas continua ainda hoje, escute direito, guardado no coração dos brasileiros, como Jessé Andarilho, escritor revelado em favela carioca que, entre balas perdidas e preconceitos de todo ordem, resolveu homenageá-lo em Silva, versos pra lá de instigantes: “Liberdade é o que eu e a maioria dos brasileiros queremos/ Uma pessoa que fez mais pelo nosso povo/ Luta é o que nos une, é o que nos motiva, é o que nos revigora/ A estrela do Silva ainda brilha e isso ninguém pode apagar.”

Há mais de 60 semanas você, Nordestino, carrega uma pesada cruz em prisão da PF, na distante capital do Paraná, por “crimes” amparados em convicções, e não provas, numa clara perseguição política das elites que, refutando qualquer mobilidade social, legado de seu governo, resolveram trancafiá-lo injustamente, mas nem por isso, favor atentar, capaz de estancar o grande amor pelo filho de dona Lindu, como Eric Nepomuceno, tradutor dos bons que escreveu, certa vez, o seguinte a respeito do Cara: “Porque solto, ele é um perigo para os que tratam este país como feudo próprio. E uma esperança concreta e iluminada para os abandonados de sempre, que com ele viram que é possível alcançar uma outra realidade, que lhes foi negada ao longo dos tempos.”

Há pouco mais de um ano você, Guerreiro, foi apartado de nosso convívio sob a alegação de – mentira deslavada – ter usado dinheiro público em benefício pessoal, quando sabemos que a motivação é outra: cortar direitos, entregar riquezas e voltar a ser quintal norte-americano, mas esclarecidos que somos, graças à sua luta por um Brasil inclusivo e democrático, dizemos, inspirados em Quintana, a plena voz: todos esses que aí estão/ atravancando seu caminho/ aceitem que dói menos/ eles passarão…/ enquanto Inácio, o Luiz, será um eterno passarinho.

“Probleminhas” coisa nenhuma

 

As aulas daquela manhã, comecinho de 1979, estavam chatas pra burro, até eles surgirem, alunos de medicina, nos convidando a um tal de Congresso da UNE. E disseram mais: havia sido posta na ilegalidade, pelos milicos, com o golpe de 1964. Que diacho era aquilo, pensei comigo, desistindo de antemão. UNE? Nunca ouvira falar na vida. Mas foi eles mencionarem Salvador, palco do evento, para meu coração dar pulos e cambalhotas de alegria. Gaiato como sempre, expressei interesse em participar, embora nada soubesse de nossa entidade máxima. Menos ainda, de suas lutas em defesa do ensino superior gratuito e de qualidade. Por um Brasil mais justo também. No fundo, queria mesmo, a exemplo de outros colegas da Biologia, era desfrutar das belezas de Salvador – cidade de praias lindíssimas, comidas apetitosas, ritmos envolventes e, sobretudo, de mulheres bonitas e sensuais. Que me aguardasse a Bahia, pois estaria lá nos dias 29 e 30 de maio, participando do tão aguardado “Congresso de Reconstrução”.

Na semana seguinte, já estávamos todos engajados – alunos da UNI-RIO e de outras universidades e faculdades cariocas – na campanha financeira.  Para o aluguel de ônibus, usamos todos os meios possíveis a fim de arrecadar grana: festas, rifas, pedágios, livros de ouro, bingos e shows musicais. Não faltaram apoio e solidariedade das pessoas, inclusive de artistas e escritores famosos, todos entalados com a ditadura militar. Ninguém aguentava mais tirania e respirar medo. Nesses espetáculos, geralmente de caráter lítero-musical, ouvíamos textos e cantigas de protesto, embalados por um profundo sentimento de “liberdade, essa palavra” / – segundo a poeta Cecília Meireles – “que o sonho humano alimenta / que não há ninguém que explique / e ninguém que não entenda”. E não é que conseguimos, depois de ralar bastante, materializar a sábia tirada de Fernando Pessoa, poeta português – “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.

Ao longo do percurso, driblando as escaramuças dos homi, finalmente chegamos a Salvador, onde fomos bem recebidos. A hospitalidade dos baianos nos aguardava de portas abertas, cedendo um cantinho pra descansarmos o esqueleto e embalarmos nossas utopias. Foi na abertura do Congresso, o 31º da história da entidade, que experimentei uma das mais fortes emoções da vida. Um coro de aproximadamente 10 mil universitários – de todos os cantos deste imenso e misturado Brasil – cantando o Hino da UNE, sob a batuta de Carlos Lyra, autor da melodia inspirada em letra de Vinícius de Moraes, nosso querido poetinha. Contido no refrão, o espírito combativo da classe estudantil: “A UNE reúne futuro e tradição / A UNE, a UNE, a UNE é união / A UNE, a UNE, a UNE somos nós / A UNE, a UNE, a UNE é nossa voz”.

Foi lá que senti, num misto de indignação e esperança, uma vontade danada de chorar. Um chuvaceiro de lágrimas, para espanto de todos da delegação, sem querer cessar. Mal sabiam que o choro do “Piauí”, como fora batizado por eles, era a expressão sofrida de alguém inconformado com seu estado de completa alienação. Mas que prometia a si mesmo, a partir daquele instante, ser mais atento aos “probleminhas” do país. E o melhor, inserido nos embates políticos do nosso povo. Ao lado dos excluídos do farto banquete dos ricaços. Que não abriria mão, aliás, de saber o que se passava no Brasil da ditadura civil-militar, a exemplo do desaparecimento de Honestino Guimarães, o estudante de geologia da UNB e presidente da UNE homenageado naquele encontro, preso e sumido em outubro de 1970, quando tinha apenas 26 anos e um caminhão de sonhos pela frente.

Desde Salvador de 1979, sou outro homem, mais consciente e politizado, capaz de distinguir, de longe, o pessoal da Casa Grande e seus “digníssimos” representantes. Infelizmente ainda movidos pelos mesmos sentimentos de outrora: egoísmo, insensibilidade social, nariz empinado e ganância sem limite. E também, claro, encharcados de ódio à plebe rude. Hoje tenho clareza, mais do que nunca, que ao aceitar o convite daqueles jovens acadêmicos de medicina, estava eu contribuindo não somente para a refundação da UNE, como para o renascer de um cidadão que não aceitaria ser ludibriado pela segunda vez. “Probleminhas” coisa nenhuma, houve golpe e ditadura sim, senhor Capitão, e não adianta ocultar os cadáveres e os instrumentos de tortura debaixo do tapete.