Era o comecinho de 1980 quando, pra cursar Letras, cheguei à Universidade Federal do Piauí. Que na época, carinhosamente, chamávamos de Federal. Única instituição de ensino superior que tínhamos no estado, criada por Alberto Silva em 1971, marco importante de nossa história. Sem ela, continuaríamos no atraso ainda hoje. Calouro repleto de sonhos, pouco mais de 20 anos, não imaginava os desafios que teria pela frente. Infelizmente, nem o badalado milagre econômico foi capaz de suprir algumas de suas carências: laboratórios, uma melhor biblioteca central, transporte decente, RU de qualidade e ausência de CEU (Casa do Estudante Universitário). Não bastassem esses problemas, dois outros nos incomodavam bastante – professores e funcionários entrando por indicação política, o chamado “pistolão”, e a tentativa de privatizá-la, velho desejo das elites tupiniquins. Sem falar da escolha indireta, sem a participação da comunidade acadêmica, dos reitores biônicos.
Embalados pela bela canção Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, que tocava fundo nossa alma quixotesca, sobretudo, o sugestivo refrão – “Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer”, fomos à luta pra reverter o dramático quadro da Ufpi. Primeiro, retomando as entidades estudantis (DCE e CAs) dos pelegos, lideranças a serviço dos homi. Segundo, construindo um programa em defesa da universidade pública e de qualidade. Terceiro, definindo a democracia e a liberdade no país, suprimidas pela ditadura militar, como bandeiras prioritárias do movimento. E, por último, ocupando os espaços públicos (universidade, ruas e praças) em defesa de nossas utopias mais caras: Brasil mais justo/ solidário e educação gratuita para todos.
Paralelamente a tudo isso, realizávamos um montão de atividades lúdicas, no campus Petrônio Portella, a fim de deixar claro que, além das pautas educacionais e políticas, não abríamos mão da arte como manifestação de rebeldia e fonte de prazer – “A gente não quer só comida/ A gente quer comida/ Diversão e arte”. Daí o surgimento das Quintas Culturais, no Salão de Jogos, festinhas regadas a namoros, papos legais, beijos e algo mais; dos Festivais Universitários, celeiro de talentos artísticos, nos quais despontaram grandes nomes da música piauiense; da Quadrilhada, no Centro de Esportes, o espírito junino animando nossas tradições sob a benção de Luiz Gonzaga. Fora exposições de pintura e fotografia, bem como apresentação de grupos de teatro e dança. Tudo junto e misturado, sem preconceito e moral fundamentalista – “A gente não quer só comer/ A gente quer prazer/ Pra aliviar a dor”, segundo o Titãs, banda de rock nacional.
E não é que os filhos e filhas da Ufpi, como eu e tantos outros de minha geração, estamos voltando à Federal, onde colhemos o melhor de nós, em termos profissional e humano, nesta quarta-feira, dia 29, a fim de defendê-la dos que atentam, novamente, contra suas verbas e autonomia. O objetivo é o mesmo de sempre, asfixiá-la financeiramente para, sem condições de funcionar, ser entregue a grupo privado. A cobrança de mensalidades, igual o modelo norte-americano, viria em seguida, privando alunos pobres de um futuro melhor. Nem criativas, nossas elites, são no modus operandi. Por meio de um show lítero-musical, reunindo poetas e artistas locais, faremos chegar aos representantes do mercado – os tais de rentistas, figuras que ganham sem produzir – que não aceitaremos, em hipótese nenhuma, que eles algarismem o amanhã de nossa juventude.