Wellington Soares
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Loreak (flores)

 

Ane podia esperar tudo, menos receber flores. Ainda mais por não  comemorar nenhuma data especial. Estranhou o fato, mas um sorriso, mesmo tímido, alegrou seu rosto. Talvez por espantar a tristeza da menopausa, embora ainda jovem.  Talvez por amenizar o tédio do casamento, repleto de mágoas e silêncios. Talvez por ser algo inusitado em sua existência. Ou, quem sabe, um tantinho de cada. Feliz da vida, agradeceu ao marido, que indagou: “por quê?”.  Pelas flores que recebi, disse. Não mandou nada e, pior, ficou zangado ao vê-la presenteada com flores. Uma vez, tudo bem, dava pra relevar. Mas toda quinta-feira, infalivelmente, já era demais. Cada buquê mais bonito que o outro. De perfumes e cores variadas – brancas, amarelas, roxas, azuis e rosas. A vida de Ane, a partir daí, nunca mais foi a mesma. Sentia-se agora uma mulher plena, amada e grávida de sonhos. Além de cuidar das flores, passou a observar os homens ao redor, ansiosa por conhecer seu “príncipe” anônimo. Quer estivesse no metrô ou no local de trabalho, o galpão de uma construtora, a atenção era redobrada, embora evitasse encarar nos olhos do possível galanteador. Preferia ser discreta, pela timidez. Para evitar brigas em casa, passou a levar os buquês ao escritório, onde depositava em jarro e regava com prazer. Tais emoções levaram Ane a perder, quem diria, a correntinha que usava no pescoço com seu nome, presente de casamento ganho de Ander. Paralelamente, outro fato marca sua vida: a perda de um colega de trabalho, operador de um guindaste, que mal conhecia. Ao retornar da obra, Beñat perde o controle do carro e bate na grade do balão, morrendo na hora. Comovida, Ane passa a depositar flores semanalmente no local do acidente, coisa feita também pela mãe do rapaz, dona Tere. As duas logo, logo, vão se conhecer, tornando-se amigas. A iniciativa partiu da mãe ao deixar um bilhete pedindo que Ane ligasse pra ela, curiosa em conhecer essa admiradora do filho, uma vez que a esposa dele, Lourdes, de quem não gostava, nunca fora capaz de tamanha grandeza. Foi o amor por Beñat que selou a amizade entre essas duas mulheres sofridas. A primeira, pela condição de mãe, o insuperável amor filial. A segunda, por ter sido a musa inspiradora, o platônico amor curtido à distância. Daí o sentido maior, como um espelho refletido, do gesto em levar/receber flores. Como Ane descobriu, então, que era Beñat o remetente das flores? Simples, juntando as peças do xadrez: para de recebê-las após ele partir e ao ter de volta a correntinha, encontrada na máquina comandada pelo dito cujo. Quem fica chateada com tudo isto, por incrível que pareça, é a Lourdes, viúva do falecido, que não perde tempo em arrumar outro companheiro. Sua zanga nasce ao tomar conhecimento das flores e, sobretudo, da relação amistosa entre sogra e “amante”. A fim de dar o troco, pondo fim aos constrangimentos vividos, resolve procurá-las com as cinzas de Beñat. Afinal, caberá a uma delas – Tere ou Ane –  cumprir o último desejo do morto. Quer saber o desfecho dessa comovente história de amor e entrega? Assista ao filme Loreak, flores em português, um drama espanhol de 2014, dirigido e escrito por Jon Garaño e José Mari Goenaga, exibido pela Netflix.

na cidade que eu plantei pra mim

pai,

são paulo não é só para os fortes.
ou, talvez, eu tenha me tornado um deles mais rápido do que esperávamos.

tratamento de choque. se não descongelar a carne, não come.
tô almoçando paçoca quase todo dia num dos melhores restaurantes da cidade – e não fui eu que disse, foi o the new york times. sei reconhecer meus privilégios – e o maior deles é ter amigos.

eu fico olhando e desejando que o tempo passe logo para que eu pare de olhar as coisas com deslumbre. é ridículo e sabotador, esse negócio de adestrar o olhar – não seria ele o que me faz diferente? por aqui, de repente, eu só desejo ser igual.

são paulo é como o mundo todo. me encanta a ideia de viver em um lugar onde você pode sair na rua feito baby consuelo e pepeu gomes na disneylândia – ninguém vai reparar. o mesmo, no entanto, ocorre se você por acaso infartar em plena paulista às 3 da tarde.

tudo aqui é superlativo. a distância, o afeto, a poluição. a peleja começa com a inconstância do céu – as pessoas seguem pela rua ignorando a garoa, alheias ao fato de que, da noite para o dia, a temperatura caiu dez graus. e, à menor ameaça de tempo ruim (ou “bonito pra chover”, como a gente diz mais poética e verdadeiramente por aí) os ambulantes brotam feito chuchu na serra: eles têm sombrinha e capa de chuva. não use se não quiser parecer um turista à toa.

meio dia eu só penso em poder parar, mas a cidade não permite, o que é ótimo para indecisos ou pessoas que pensam demais – apenas colabore com o fluxo e siga, sempre deixando a esquerda livre. um sobe e desce atordoante de escadas que faz a gente se sentir um daqueles trabalhadores subterrâneos de Metrópolis, para usar uma metáfora tão assustadora quanto atual.

ora veja você, eu que não caminhava nem até a esquina, em teresina, tô aqui achando que qualquer lugar a 1km é perto.

são paulo é uma babilônia. é absolutamente fácil ser seduzida. tudo é feito para funcionar, e eu só posso achar impressionante como as pessoas abrem espaço, os carros param para quem atravessa, o padeiro vai trabalhar, as pessoas bebem gin e meia noite parece um horário ok para se passear com o cachorro.

essa cidade é um liquidificador. por aqui o relógio dá duas voltas para a frente, o que faz ainda mais apaixonante qualquer pessoa que me dá um minuto de atenção. elas estão sempre sem tempo, irmão, e, ao mesmo tempo, arrumam tempo para tudo. não há fronteiras rígidas entre o que é trabalho e o que é lazer, caiu o muro do público e privado e ficou tênue demais a linha entre o paraíso e o pesadelo. que agonia, eu tô amando.

você tinha que ver a praça da república tomada de gente no carnaval. o theatro municipal, o vale do anhangabaú, o copan, a estação da luz no fim de tarde depois da gal cantando balancê na chuva – a embriaguez é mesmo audaciosa.

há um comum acordo de que é permitido e autorizado você se drogar – todo mundo se droga por aqui, é barato, acessível e pra muita gente necessário. é quase como um mea culpa da cidade, uma permuta: me dê o máximo de você e eu posso lhe oferecer o melhor (ou o pior) de mim. é uma espécie de compreensão coletiva do tá foda viver, mas já que é o jeito, vamos criando mecanismos pra tornar ~suave – e eu odeio essa palavra e a forma como o paulistano a usa para descrever tudo.

todo dia eu lembro de alguma coisa que eu esqueci e que é completamente possível viver sem. sinto muita falta dos meus livros, eles ajudavam a explicar quem eu sou. estou há um mês usando um chinelo tamanho 42 que encontrei pelo ap. as paredes, as plantas, os recados e os quadros denunciam que alguém foi feliz por aqui antes de mim. e isso é um sopro de que tudo é possível, na cidade do imprevisível.

tô esperando o dia em que você vai entrar num avião.
vem, e não esquece de trazer seu violão.

bjs,

lu.

 

Navegando por entre as águas da Memória Trágica de Khronos

José Luís de Barros Guimaraes

 

Não pretendo rogar a Deus para que se interceda nos ventos desgovernados que levam sem destino o Navio sem Capitão deste projeto de Nação. Desde quando os seus representantes lusitanos assassinaram sem misericórdia – ao som de um belo fado português – os filhos de Deus Tupã, sabe-se que não se pode contar com as suas intervenções de outrora relatadas na bíblia sa(n)grada! Não pretendo depositar o leve sopro de esperança naquilo que o Velho Mundo idealizou, no auge de sua burguesa racionalidade, de boa, bela e verdadeira Humanidade, pois aprendi com o Zumbi dos Palmares que o horror e a barbárie possuem os mesmos traços humanos desta decadente humanidade. Do céu só cairá violentas tempestades; e dos homens bem nascidos permanecerá a cínica tirania contra as várias minorias que exigem botes salva vidas de uma pátria despida de sensibilidade e empatia.

Todavia, na falta de um bom guia deste Navio sem Capitão, que vai afundando cada vez mais esse projeto mal elaborado de nação, suplico-te Khronos, ó deus do tempo, pai da nossa majestosa História, inventor do passado, presente e futuro, presenteia-nos com a sua Trágica Memória para que nos conectemos, sem demora, com os grandes Traumas adormecidos destes quinhentos e dezenove anos sofridos de subserviência coletiva.

Permita-nos, pela  da passagem do tempo, nos desprendermos desta criminosa ilusão de que o mundo nos reverencia por emanar da nossa alegria, tropicalismo, e antropofagia, pelas várias raças que aqui habitam, o autêntico valor do pacifismo. Não somos filhos de Gandhi, nem primos distantes de Dalai Lama, não carregamos em nossa biografia a compaixão de Jesus Cristo, e muito menos em nossa história o belíssimo discurso de Martim Luther King. O mar revolto por onde trafega este grande Navio sem “rimas, ventos e velas”, com a bandeira tremulante verde e amarela, foi pintada com o vermelho sangue dos vários corpos sem vidas que não geraram, por partes dos pseudopatriotas ignorantes e cretinos, nenhuma comoção coletiva.

Por sermos uma tripulação esquecida, que não se atenta em assistir os velhos filmes que são exibidos – na grande sala vazia da nossa Memória Perdida – repetimos diariamente, a cada segundo do imponente Presente, os mesmos horrores de um passado recente. Não há distância entre o instante e o ocorrido, pois apesar das ambientações, falas, pretextos e contextos distintos, o que temos é o eterno retorno do mesmo de uma história de imenso sofrimento para todos os nativos, negros, mulheres, pobres e pretos.

Quando ouço risos cínicos em comemoração ao fim do órgão responsável pela proteção do direito dos índios, percebo que o sangrento legado de Domingo Jorge Velho permanece vivo nas ações do pseudo-Capitão decrepito que joga ao mar os grandes e furados patos amarelos. Quando me deparo com o assassinato em série de personalidades de luta como Marighela e Marielle, ou de todos os filhos esquecidos de Xangô, seja na fila do banco, passeando na rua, em supermercados ou dentro do metrô, percebo que continuamos a navegar sem nenhum pudor ou receio, nos aterrorizantes e bárbaros Navios Negreiros.

Quando leio os relatos de violências físicas e psíquicas bem como os feminicídios nossos de cada dia – ignorando a inteligência, o corpo, o direito e a vontade das minas – percebo que continuamos com os mesmos hábitos violentos dos velhos Senhores de Engenho. Quando leio nos jornais que mais um LGBT foi assassinado sem pudor por representantes de um Deus que ainda não aprenderam o significado do amor, percebo que nunca deixamos de viver um Apartheid à brasileira de sexo, raça e gênero.

Por isso Khronos, ó majestoso deus do Tempo – que essa tripulação que nunca sentiu o violento vento da nossa triste história ecoar por entre os tímpanos da nossa atrofiada recordação – ouça o coro imponente da sua Trágica Memória reverberar nos espíritos adormecidos que necessitam apenas se colocar no lugar do outro para, talvez, quem sabe, um dia, entender que esta tripulação, enquanto nação, permanece completamente perdida.

E talvez, quem sabe, um dia, descartando do horizonte esse Deus assassino e essa Humanidade em ruinas, possamos remodelar o Destino deste projeto mal elaborado de Civilização que insiste em navegar em uma missão suicida em direção aos fortes arrecifes. Que a dor insuportável das nossas feridas, que estão há quinhentos e dezenove anos expostas, latejantes e em carne viva, talvez, quem sabe, um dia, seja o nosso mapa, bússola e guia. E talvez, que sabe, um dia, possamos nos perdoar. E talvez, quem sabe, um dia, ao encararmos os nossos horrores, possamos tirar a esperança pra dançar. E talvez, quem sabe, um dia, possamos despertar do maior dos sonos para finalmente navegar por entre as águas da Memória Trágica de Khronos…

Um piauiense na ABL

 

Um Cidadão Piauiense, paulista de Araraquara, é o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito no dia 14 deste mês. Reconhecimento mais que merecido pela qualidade literária de sua obra, uns 40 e tantos livros, incluindo vários gêneros – romance, conto, crônica e literatura infantil. Seu nome é Ignácio de Loyola Brandão, escritor consagrado dentro e fora do Brasil. Entre seus livros, destacam-se Zero, Não verás país nenhum, Dentes ao sol, Veia bailarina, O menino que vendia palavras e O beijo não vem da boca, título pra lá de sugestivo.

Por ter um carinho especial ao Piauí, onde veio algumas vezes, e elogiar o Salipi em todo canto, que considera uma das melhores feiras literárias do país, ele se tornou um querido conterrâneo nosso. Sem falar também de escrever sempre sobre as coisas boas daqui: suco de bacuri do mestre Abrahão, escolas de excelência como Dom Barreto e Casa Meio Norte, as delícias de nossa culinária, a hospitalidade que nos caracteriza e a presença questionadora dos leitores locais nas discussões literárias. O título foi apresentado pela deputada Margarete Coelho e aprovado por todos os parlamentares da Alepi, em 2012.

Quanto orgulho, não é mesmo? A fim de expressar tamanha alegria, resolvo compartilhar trechos de uma entrevista que Loyola – feita por mim e a jornalista Isabel Cardoso – concedeu ao jornal Meio Norte em 2013, com exclusividade, sobre vários temas ligados ao universo livresco e à emoção de ser um Cidadão Piauiense.

 

Como nasceu em você o gosto pelo livro e o desejo de ser escritor?

“Desde as redações escolares no ensino primário, hoje fundamental. As professoras Lourdes Prada e Ruth Segnini, vivas ainda hoje lá em Araraquara, vejam só, ainda converso com quem me ensinou a ler e escrever, liam minhas redaçãos, as meninas me olhavam, os meninos invejavam, e eu, carente, porém, tímido, introvertido, me sentia admirado. Escrever e ler minimizava minha solidão, diminuía minha pobreza, eu filho de um ferroviário, quase operário, mas um homem que lia muito e comprava livros com dificuldade. Na juventude, eu e minha geração lemos todos os livros legíveis da biblioteca municipal. A literatura me ocupou por inteiro, queria escrever. Mais tarde, no jornal, em São Paulo, percebi que muitas entrevistas ou reportagens não se esgotavam quando publicadas. Sentia que podia ir além, acrescentando imaginação, fantasia. O jornal era documento, realidade. A literatura ampliava meu mundo. Ainda amplia. Comecei a perceber que na vida havia “personagens”. Cada ser humano à minha volta tinha (tem) uma história. Conhecia alguns, inventava outros. O jornal me levou à literatura, porque esta não passa da realidade transcrita poética, literariamente. Os contos de fadas, os livros de piratas, Tarzan, Júlio Verne, “As mil e uma noites” me revelaram as proezas da imaginação, do delírio, da insanidade como normalidade.”

O livro Zero, tido como o melhor de sua obra, fará 39 anos em 2014, justamente quando o golpe militar no Brasil completará meio século. Por que um livro censurado e publicado há tanto tempo ainda permanece no imaginário dos leitores?

“Vou atrever a dizer porque foi um livro verdadeiro, sofrido, refletindo um país sofrido, humilhado, ofendido, espezinhado. Zero tornou-se um livro emblemático, ouso dizer. Talvez nenhum outro tenha retratado com tanta força e sinceridade um momento de angústia de um Brasil e dos brasileiros. Dos livros daquele tempo, quantos restam com a mesma força e ainda impactando, sendo lidos e adotados? Quer saber como foi o regime militar? Leia Zero, que foi escrito com raiva, ódio da ditadura, desesperança, esperança, tudo. Tenho muito medo hoje de que as circunstâncias da política brasileira possam conduzir a um novo Zero. Muito medo.”

Em 2008, você ganhou o prêmio Jabuti com o livro infantil O menino que vendia palavras. Explique que história é essa e se dá para sobreviver como escritor no Brasil.

O menino que vendia palavras é a minha história. Fui aquele menino. Ainda sou. O livro mostra como eram as relações entre aluno e professor, entre pai e filho. É um livro simbólico que, bem lido, mostra como a educação no Brasil piorou, dissolveu, derreteu. O ensino é hoje para o Enem, para passar no vestibular, para buscar uma profissão que dê muito dinheiro. Nosso ensino exige psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, teorias de todo tipo. Menos a do aprender a viver a vida, o sonho, viver para o prazer, a alegria, a solidariedade. Quanto a viver de livros? Não, não dá. Se um dia a população ler, os livros venderem, poderemos viver deles. Por enquanto é paixão e paixão alimenta, empurra. Cada um de nós tem um trabalho para se sustentar. E daí? Vou chegar aos 80 anos e não reclamo de um só minuto de minha vida.

Para alguém que sonha em ser escritor, quais sugestões você daria e que livros recomendaria ler?

“Todos os que caiam na mão. Com o tempo vai ver o que é bom, o que é ruim. Os bons ficarão na sua cabeça, na sua alma, te orientarão.

O que representou para você ter se tornado, em 2012, um Cidadão Piauiense?

“Carinho. Muita emoção. Ser aceito, querido, é uma coisa que todo ser humano precisa, sente falta. Veja aquele menino que se orgulhava quando a professora lia as redações dele. Ser piauiense é como se vocês daqui estivessem lendo e gostando de minhas redações – hoje livros, contos, crônicas, etc – acariciando minha cabeça, fazendo afagos, me dizendo “eu te amo”. Como se estivessem me oferecendo um suco do Abrahão, com todos segurando o copo.”

 

Parafraseando o cantor baiano, digo alto e bom som: Ei! Ignácio, hoje e sempre, seus conterrâneos do Piauí, felizes da vida, mandamos um abraçaço especial pra você

Balada Literária 2019

 

A Balada Literária deste ano vem tinindo de boa ao homenagear duas figuras importantes da cultura nacional: o educador Paulo Freire, autor de Pedagogia do oprimido, e o poeta Elio Ferreira, autor de América Negra, nordestinos comprometidos com um Brasil mais justo e solidário. O primeiro na área pedagógica, daí ser o Patrono da Educação Brasileira; o segundo, no campo literário, com uma obra instigante do ponto de vista da negritude. Além disso, o evento ocorrerá, no Piauí, em quatro cidades do estado – Oeiras, Floriano, Parnaíba e Teresina, municípios que possuem campi da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), parceira nessa jornada de debate sobre temas oportunos na conjuntura atual. Embora dito por Paulo Freire, a expressão a seguir resume a prática de ambos: “Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.”

Esta é a terceira edição realizada em solo piauiense, tendo aportado por aqui em 2017, quando a Balada celebrou a obra perturbadora de Torquato Neto, um dos ícones da Tropicália, movimento que deu uma boa chacoalhada na arte nacional – “Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo”. Entre outros convidados, estiveram em Teresina Jards Macalé, parceiro musical de Torquato, e Carlos Rennó, compositor dos mais talentosos da MPB. Ano passado, foi Graça Vilhena a homenageada local, ela que é tida como a melhor de nossas poetas, obra feita de essencialidades e lirismo – “ Foi o cafuné/ das andorinhas/ que adormeceu/ os sinos da cidade.” Tudo por iniciativa de Marcelino Freire, pernambucano de Sertânia radicado em São Paulo, um agitado cultural que não mede esforços em ligar os distintos brasis num só – “Toda palavra lavra, toda palavra colhe. Os livros são sementes, são árvores frondosas. Abaixo as armas. E viva as palavras”, disse ele em entrevista ao jornal Balada News.

A Balada 2019 começou nesta quarta-feira (13) por Oeiras, nossa primeira capital, berço de grandes escritores: O. G. Rego de Carvalho, José Expedito Rêgo e Rogério Newton, no campus Possidônio Queiroz, da Uespi, com mesas redondas nos turnos manhã e tarde. Às 10h, no auditório da universidade, houve o bate-papo sobre a obra/vida de Elio Ferreira: “Itinerário poético – Das performances de rua à afirmação da negritude”, com as presenças ilustres do autor, professor Harlon Lacerda (Coordenador do Curso de Letras) e do poeta Kilito Trindade, sob mediação deste aprendiz de cronista. Prosseguiu às 14h30 com a conversa “A leitura do mundo precede a leitura das palavras”, a respeito do projeto pedagógico de Paulo Freire, a cargo de Lucineide Barros e Leiliana Rebouças, com mediação de Iraneide Soares, todas professoras da instituição. O desfecho ocorreu num lugar paradisíaco, o Mirante Morro da Cruz, em show lítero-musical reunindo poetas da cidade e de Teresina. Uma noite repleta de muitas emoções e sentimentos. De tão marcante o evento, ficou o compromisso de retornarmos no próximo ano, iniciando a Balada 2020 por lá.

Em Floriano, terra natal de Elio Ferreira, acontecerá no dia 10 de abril, campus Josefina Demes/Uespi, berço também de Getúlio Targino Lima, jornalista e advogado, e de César Crispim, diretor do Grupo Escalet e idealizador da Paixão de Cristo no município. Depois chega, em 2 de maio, ao campus Prof. Alexandre Alves/ Uespi, na cidade de Parnaíba, onde nasceram Assis Brasil e Benjamim Santos, nomes consagrados dentro e fora do Piauí no romance e teatro, respectivamente.  Entre os dias 13 e 14 de agosto, no campus Torquato Neto e Theatro 4 de Setembro, a Balada Literária tem seu desfecho em Teresina, com a vinda de palestrantes e artistas nacionais. Em seguida, prossegue em Salvador, sob a batuta do poeta Nelson Maca, e finaliza em São Paulo, origem do evento, no período de 4 a 8 de setembro, reunindo todas as tribos culturais, gente  dos centros e das periferias do Brasil – “Poesia, poesia./ Quando estamos juntos/ é como se eu tivesse marcado um/ encontro com Deus/ na minha própria casa”, como bem expressou nosso poeta florianense.