pai,

são paulo não é só para os fortes.
ou, talvez, eu tenha me tornado um deles mais rápido do que esperávamos.

tratamento de choque. se não descongelar a carne, não come.
tô almoçando paçoca quase todo dia num dos melhores restaurantes da cidade – e não fui eu que disse, foi o the new york times. sei reconhecer meus privilégios – e o maior deles é ter amigos.

eu fico olhando e desejando que o tempo passe logo para que eu pare de olhar as coisas com deslumbre. é ridículo e sabotador, esse negócio de adestrar o olhar – não seria ele o que me faz diferente? por aqui, de repente, eu só desejo ser igual.

são paulo é como o mundo todo. me encanta a ideia de viver em um lugar onde você pode sair na rua feito baby consuelo e pepeu gomes na disneylândia – ninguém vai reparar. o mesmo, no entanto, ocorre se você por acaso infartar em plena paulista às 3 da tarde.

tudo aqui é superlativo. a distância, o afeto, a poluição. a peleja começa com a inconstância do céu – as pessoas seguem pela rua ignorando a garoa, alheias ao fato de que, da noite para o dia, a temperatura caiu dez graus. e, à menor ameaça de tempo ruim (ou “bonito pra chover”, como a gente diz mais poética e verdadeiramente por aí) os ambulantes brotam feito chuchu na serra: eles têm sombrinha e capa de chuva. não use se não quiser parecer um turista à toa.

meio dia eu só penso em poder parar, mas a cidade não permite, o que é ótimo para indecisos ou pessoas que pensam demais – apenas colabore com o fluxo e siga, sempre deixando a esquerda livre. um sobe e desce atordoante de escadas que faz a gente se sentir um daqueles trabalhadores subterrâneos de Metrópolis, para usar uma metáfora tão assustadora quanto atual.

ora veja você, eu que não caminhava nem até a esquina, em teresina, tô aqui achando que qualquer lugar a 1km é perto.

são paulo é uma babilônia. é absolutamente fácil ser seduzida. tudo é feito para funcionar, e eu só posso achar impressionante como as pessoas abrem espaço, os carros param para quem atravessa, o padeiro vai trabalhar, as pessoas bebem gin e meia noite parece um horário ok para se passear com o cachorro.

essa cidade é um liquidificador. por aqui o relógio dá duas voltas para a frente, o que faz ainda mais apaixonante qualquer pessoa que me dá um minuto de atenção. elas estão sempre sem tempo, irmão, e, ao mesmo tempo, arrumam tempo para tudo. não há fronteiras rígidas entre o que é trabalho e o que é lazer, caiu o muro do público e privado e ficou tênue demais a linha entre o paraíso e o pesadelo. que agonia, eu tô amando.

você tinha que ver a praça da república tomada de gente no carnaval. o theatro municipal, o vale do anhangabaú, o copan, a estação da luz no fim de tarde depois da gal cantando balancê na chuva – a embriaguez é mesmo audaciosa.

há um comum acordo de que é permitido e autorizado você se drogar – todo mundo se droga por aqui, é barato, acessível e pra muita gente necessário. é quase como um mea culpa da cidade, uma permuta: me dê o máximo de você e eu posso lhe oferecer o melhor (ou o pior) de mim. é uma espécie de compreensão coletiva do tá foda viver, mas já que é o jeito, vamos criando mecanismos pra tornar ~suave – e eu odeio essa palavra e a forma como o paulistano a usa para descrever tudo.

todo dia eu lembro de alguma coisa que eu esqueci e que é completamente possível viver sem. sinto muita falta dos meus livros, eles ajudavam a explicar quem eu sou. estou há um mês usando um chinelo tamanho 42 que encontrei pelo ap. as paredes, as plantas, os recados e os quadros denunciam que alguém foi feliz por aqui antes de mim. e isso é um sopro de que tudo é possível, na cidade do imprevisível.

tô esperando o dia em que você vai entrar num avião.
vem, e não esquece de trazer seu violão.

bjs,

lu.