Querida Luana do último novembro,

como você está bonita cinco quilos mais magra e com essas olheiras que lhe dão ao mesmo tempo um ar de intelectual e preguiçosa. O manequim caiu pra 36 e você, finalmente, caiu na real. O novo corte de cabelo foi a última decisão acertada do verão.

Gostaria, se me permite algum conselho, que você parasse um pouco de chorar, só por um instante, e abrisse a janela para perceber uma coisa: aquela árvore ali, que esqueceram de podar, cresceu tanto que escondeu o pixo no muro e, ainda que cortem os galhinhos e ele volte a aparecer, saiba, Luana, ele não faz mais nenhum sentido. Não significa nada além de um spray desbotado sob a tinta descascada de uma velha construção. E é assim que tudo isso se acomoda agora na parede do seu coração.

Nos últimos dias você se sentiu tão confiante que estaria orgulhosa. Arrumou as malas, pegou estrada, comeu pastel de rodoviária, banhou de porta aberta, foi pro cinema, mergulhou no mar e caminhou sozinha na praia, molhando os pés com as ondas que brincam de vai e vem, quando isso lhe pareceu poético. Estudou feito uma louca pra uma prova e descobriu: o que você enfrentou, menina, foi uma crise de identidade brabíssima. Estou feliz que esteja, aos pouquinhos, resgatando só o que importa de você. Conhecer, se reconhecer, se reinventar – tem umas coisas que, aliás, nem sabemos ainda dar os nomes, mas elas estão acontecendo e sabemos o mais importante: sentir.

Você achou um boy magia numa festa gay (esse dia foi engraçado). Depois beijou alguém muito mais interessante. Você se culpou, se perdoou, ficou confusa, ficou feliz. Começou a ler Cortázar sem entender muita coisa, baixou os filmes do Oscar, arrancou páginas de um caderno velho porque achou que é chegado o momento de escrever uma nova história. E isso não será possível se você não parar de ler insistentemente o último capítulo, certo? Toca pra frente, criatura. Caminha.

Ah, você também arrumou um novo emprego – que parece velho, mas você também não está mais tão nova, convenhamos. O trabalho pode ser o mesmo, mas você mudou, mulher. E é isso que nos importa aqui. Vamos ver como  se comporta em sua versão mais paciente, destemida, que pedala até o trabalho, parou com o açúcar e acha que as horas do dia, que agora lhe parecem longas e angustiantes, estão curtinhas de tanta coisa pra fazer, ver e viver.

Há poucos dias você estava de frente para alguém que lhe dizia: a vida é feita de ciclos.
Uns precisam terminar para que outros comecem.
Ele estava coberto de razão.

Mas o que ele não te disse, minha filha, é que o ciclo que inicia agora é infinitamente melhor.