Há pouco mais de 15 dias, boa parte das pessoas de quem vale a pena se dizer amigo hoje completou cem dias de solidão. 100 fucking dias confinado. Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que a quarentena seria quarenta dias? Logo depois começamos a trabalhar com a ideia de que, bom, talvez durasse até o fim do semestre – mas o semestre parecia algo ainda muito longe também de acabar. E fomos todos aprendendo a repetir que, tudo bem, “isso tudo vai passar” – sem se tocar, talvez, que, o que vai passando enquanto a gente espera tudo isso passar é também um pouco de vida.
Você não tá quarentenando bem se ainda não pintou uma parede, tentou fazer pão ou cortar o próprio cabelo. Acreditou que teria audiência se, why not?, começasse a usar o IG TV – os casos mais críticos se atreveram a baixar o oriental TikTok. Virou o louco do skincare, achou uma caixa de fotografias, intitulou-se mãe de planta, tentou vestir o pet, pediu um delivery totalmente dispensável na madrugada e depois ficou se remoendo de remorso porque, afinal, morte ao capitalismo e a exploração da mão de obra precarizada – fica tranquilo, amanhã acontece o #ApoioBrequeDosAPPs e você pode postar isso nas suas redes e ser absolvido de sua tão grande culpa. Será o seu canudinho no oceano, fica só aqui entre nós.
Fomos lançados a um confinamento compulsório. É tipo um BBB, mas sem prêmio, sem liderança e sem desejo algum de sair lá fora porque, tal como o leão do Roberto Carlos, o corona está solto nas ruas. Quem, durante este confinamento, obrigado a sair para serviços essenciais não sentiu um misto de pânico e prazer, que atire a primeira pedra. Não negue que no fundo, bem no fundo, ali depois do calafrio e da sensação de quase morte ao ter que topar com pessoas amontoadas na fila da padaria ou batendo um pão de queijo com as mãos dentro do supermercado, sentiu uma mini felicidade por estar de volta a uma cena cotidiana da qual um dia fizemos parte. O drama é que meio segundo depois dessa sensação, o prazer dá lugar a certo desespero – estou me arriscando no meio de uma pandemia por um pedaço de queijo fresco, é isto mesmo, Brasil? – e a luz da razão que geralmente gira em meia fase se acende e você quer correr, chorar, gritar, sei lá, dar três tabefes em um bolsominion. A frustração invade todo o ambiente.
A geração da conexão tornou-se também a única capaz de promover o descontato humano. Você consegue lembrar a última vez que deu aquele abraço?
Estamos – nós, os privilegiados – isolados, confinados, hiperconectados. Será? No 4º mês somente cedi as lives – não sei ainda se gosto, mas tal qual Caetano já aprendi a mandar corações e me sinto “vivo, muito vivo”. O que não quer dizer, no entanto, que não sejam tristes, muito embora se pretendam alegres. Especialistas pipocam em telas o tempo todo e de repente a angústia do não saber se estamos aproveitando tudo se transfere do real pro virtual – se é que se pode dizer que havia, ainda, ao menos uma só pilastra de sustenção nessa pretensiosa divisão. Outro dia perdi a live muito interessante de um amigo porque estava eu mesma presa em minha própria live. Segmentados, juntos, distantes, próximos e separados. Excesso também pode ser escassez.
Talvez você esteja preso com pessoas que escolheria levar pra Lua se possível fosse se mudar pra lá. Talvez esteja a um passo de jogar sua companhia pela janela porque ela nem de longe seria alguém com quem você escolheria passar o resto da vida trancado. Talvez sozinho esteja lidando tão bem com a solidão – que não significa estar solitário: cedeu aos encontros online, as festas no zoom, as videochamadas (você lembra que isso um dia foi um recurso que a gente abominou?) – que nem se deu conta de que houve um tempo em que considerávamos importante e defendíamos a coisa do contato humano. Paradoxalmente, a geração da conexão tornou-se também a única capaz de promover o descontato humano. Você consegue se lembrar a última vez que deu aquele abraço? Desculpa ser eu aqui, do nada, te trazendo essa verdade, viu. A live do Gil me destruiu.