Um Cidadão Piauiense, paulista de Araraquara, é o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito no dia 14 deste mês. Reconhecimento mais que merecido pela qualidade literária de sua obra, uns 40 e tantos livros, incluindo vários gêneros – romance, conto, crônica e literatura infantil. Seu nome é Ignácio de Loyola Brandão, escritor consagrado dentro e fora do Brasil. Entre seus livros, destacam-se Zero, Não verás país nenhum, Dentes ao sol, Veia bailarina, O menino que vendia palavras e O beijo não vem da boca, título pra lá de sugestivo.

Por ter um carinho especial ao Piauí, onde veio algumas vezes, e elogiar o Salipi em todo canto, que considera uma das melhores feiras literárias do país, ele se tornou um querido conterrâneo nosso. Sem falar também de escrever sempre sobre as coisas boas daqui: suco de bacuri do mestre Abrahão, escolas de excelência como Dom Barreto e Casa Meio Norte, as delícias de nossa culinária, a hospitalidade que nos caracteriza e a presença questionadora dos leitores locais nas discussões literárias. O título foi apresentado pela deputada Margarete Coelho e aprovado por todos os parlamentares da Alepi, em 2012.

Quanto orgulho, não é mesmo? A fim de expressar tamanha alegria, resolvo compartilhar trechos de uma entrevista que Loyola – feita por mim e a jornalista Isabel Cardoso – concedeu ao jornal Meio Norte em 2013, com exclusividade, sobre vários temas ligados ao universo livresco e à emoção de ser um Cidadão Piauiense.

 

Como nasceu em você o gosto pelo livro e o desejo de ser escritor?

“Desde as redações escolares no ensino primário, hoje fundamental. As professoras Lourdes Prada e Ruth Segnini, vivas ainda hoje lá em Araraquara, vejam só, ainda converso com quem me ensinou a ler e escrever, liam minhas redaçãos, as meninas me olhavam, os meninos invejavam, e eu, carente, porém, tímido, introvertido, me sentia admirado. Escrever e ler minimizava minha solidão, diminuía minha pobreza, eu filho de um ferroviário, quase operário, mas um homem que lia muito e comprava livros com dificuldade. Na juventude, eu e minha geração lemos todos os livros legíveis da biblioteca municipal. A literatura me ocupou por inteiro, queria escrever. Mais tarde, no jornal, em São Paulo, percebi que muitas entrevistas ou reportagens não se esgotavam quando publicadas. Sentia que podia ir além, acrescentando imaginação, fantasia. O jornal era documento, realidade. A literatura ampliava meu mundo. Ainda amplia. Comecei a perceber que na vida havia “personagens”. Cada ser humano à minha volta tinha (tem) uma história. Conhecia alguns, inventava outros. O jornal me levou à literatura, porque esta não passa da realidade transcrita poética, literariamente. Os contos de fadas, os livros de piratas, Tarzan, Júlio Verne, “As mil e uma noites” me revelaram as proezas da imaginação, do delírio, da insanidade como normalidade.”

O livro Zero, tido como o melhor de sua obra, fará 39 anos em 2014, justamente quando o golpe militar no Brasil completará meio século. Por que um livro censurado e publicado há tanto tempo ainda permanece no imaginário dos leitores?

“Vou atrever a dizer porque foi um livro verdadeiro, sofrido, refletindo um país sofrido, humilhado, ofendido, espezinhado. Zero tornou-se um livro emblemático, ouso dizer. Talvez nenhum outro tenha retratado com tanta força e sinceridade um momento de angústia de um Brasil e dos brasileiros. Dos livros daquele tempo, quantos restam com a mesma força e ainda impactando, sendo lidos e adotados? Quer saber como foi o regime militar? Leia Zero, que foi escrito com raiva, ódio da ditadura, desesperança, esperança, tudo. Tenho muito medo hoje de que as circunstâncias da política brasileira possam conduzir a um novo Zero. Muito medo.”

Em 2008, você ganhou o prêmio Jabuti com o livro infantil O menino que vendia palavras. Explique que história é essa e se dá para sobreviver como escritor no Brasil.

O menino que vendia palavras é a minha história. Fui aquele menino. Ainda sou. O livro mostra como eram as relações entre aluno e professor, entre pai e filho. É um livro simbólico que, bem lido, mostra como a educação no Brasil piorou, dissolveu, derreteu. O ensino é hoje para o Enem, para passar no vestibular, para buscar uma profissão que dê muito dinheiro. Nosso ensino exige psicólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos, teorias de todo tipo. Menos a do aprender a viver a vida, o sonho, viver para o prazer, a alegria, a solidariedade. Quanto a viver de livros? Não, não dá. Se um dia a população ler, os livros venderem, poderemos viver deles. Por enquanto é paixão e paixão alimenta, empurra. Cada um de nós tem um trabalho para se sustentar. E daí? Vou chegar aos 80 anos e não reclamo de um só minuto de minha vida.

Para alguém que sonha em ser escritor, quais sugestões você daria e que livros recomendaria ler?

“Todos os que caiam na mão. Com o tempo vai ver o que é bom, o que é ruim. Os bons ficarão na sua cabeça, na sua alma, te orientarão.

O que representou para você ter se tornado, em 2012, um Cidadão Piauiense?

“Carinho. Muita emoção. Ser aceito, querido, é uma coisa que todo ser humano precisa, sente falta. Veja aquele menino que se orgulhava quando a professora lia as redações dele. Ser piauiense é como se vocês daqui estivessem lendo e gostando de minhas redações – hoje livros, contos, crônicas, etc – acariciando minha cabeça, fazendo afagos, me dizendo “eu te amo”. Como se estivessem me oferecendo um suco do Abrahão, com todos segurando o copo.”

 

Parafraseando o cantor baiano, digo alto e bom som: Ei! Ignácio, hoje e sempre, seus conterrâneos do Piauí, felizes da vida, mandamos um abraçaço especial pra você