Luiz Alberto Mendes
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A Visitante

Homenagem póstuma a Silvania Silveira.

E já vão longe os dias de domingo em que eu amava o amor que me abençoava e dava vida à minha vida. Domingos febris. No sábado, como no Pequeno Príncipe de Exupery: “se vens às 4, às 3 já estarei feliz”, eu já vivia o estupor da felicidade. Após a faxina vigorosa na cela, de jogar água fervente até no teto, recolhia-me a cuidar do meu melhor uniforme de prisioneiro. Dobrava do modo mais perfeito possível e colocava embaixo do colchão, para “passar”. O pensamento voava até aquele ser tão completamente amado e a alma palpitava o coração inseguro: será que ela vem? Por mais suas cartas afirmassem que viria, ainda a dúvida cortava em tiras a alegria da aproximação do domingo. Mil coisas podiam acontecer, como já haviam acontecido naqueles anos todos em que ela me visitava. O coração se apequenava e a seda do fio de esperança se agarrava às bordas do pote da angústia que fervilhava. Tentava distrair a mente, tentava pensar, variar, ler, estudar, mas esta, inquieta, teimava em me espremer, torturar. Não dormia, apenas desmaiava de sono. Pela manhã estava aceso como uma árvore de Natal, agitado, nem tomava o café direito. As horas (ah! Insuportáveis horas de espera…) não passavam; se arrastavam como cobras velhas e doentes. Então, como se fosse uma benção dos céus, estava na hora dela chegar. Juro que era difícil acreditar que, mais uma vez, eu conseguira chegar até aquele momento mágico. Ficava ali no corredor dos desesperados que esperavam, como eu, com a alma nos olhos e as mãos trementes. A cada visitante que entrava, o coração saltava na boca: e quase nunca era ela. Até que, de repente, não mais que de repente, como diria o poeta, surgia aquele ser encantado que eu já nem acreditava que existisse de fato. As pernas bambeavam. E quando ela me avistava, corria para mim com seus olhos brilhantes. Nunca ninguém me olhou com tanto amor e eu bebia daqueles olhos escuros, o néctar mais precioso. O calor de seu corpo me trazia novamente à realidade e saíamos dali grudados qual fôssemos apenas um. Eu nem sentia o chão sob meus pés. Não estava mais preso, ela era minha liberdade, tudo soava como poesia e eu, encantado, subia as escadas para ser feliz.

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Luiz Mendes

31/12/2015.

Lugar ao sol

Todos buscam um lugar ao sol. Já vivi isso literalmente na prisão. O lugar que batia os raios solares, nas parcas horas de “recreação” que tínhamos, era reduzido. Então nos espremíamos, acompanhando os raios solares em seu passeio pelo pátio. Partindo daí, posso compreender que as pessoas que gostariam de ser escritores (como eu) tentem de tudo para realizar seus sonhos. O mercado de livros está abarrotado de livros recém-lançados. Boa parte por “escritores independentes”. As gráficas que facilitam as edições pagas estão faturando alto com isso. Nesse pacote há bons escritores que viram, nesse movimento, uma boa oportunidade para lançarem seus trabalhos. Mas colados vêm os que usam desse expediente apenas para se autointitularem “escritores” por vaidade ou pelo status social que o nome possa carrear. Vendem seus livros para familiares, amigos, simpatizantes, desavisados e esgotam seus mercados.

Escritor, para mim, é alguém consagrado pela crítica e pelo público. Que procede profissionalmente, valorizando a profissão escolhida. Há Jornalistas que se tornam escritores. Mas um texto jornalístico é uma reportagem e não um texto de escritor. Para ser um escritor, é preciso que se viva de textos, de livros e bens relacionados. Não me considero escritor; sou um aspirante. Mas jamais paguei para editar um livro. Orgulho-me do meu trabalho e prefiro parar de escrever a ter que pagar. Estou com seis livros publicados. O último está em destaque nas livrarias de SP e outros Estados onde tenho penetração. Editei por várias editoras, mas a que publicou mais livros meus foi a Companhia das Letras. Foram três. Uma trilogia que começa com o “Memórias de um Sobrevivente”. Este livro foi editado há 13 anos e ainda vende. É matéria de estudos e faz parte das indicações de leitura de vários cursos secundários e universitários. Editei pela Geração; Reformatório; e Global. Todas meus contratos são padrão, ou seja, ganho 10% da capa e adiantamento na assinatura do contrato. Tenho coluna na Revista Trip há 13 anos, blog no site da revista e outro blog no site dessa revista Revestrés, aí do Piauí. Todos pagos por textos postados. Também ataco de “frila” em outras revistas e jornais, como Carta Capital, por exemplo.

Embora tenha condições de viver uma vida modesta como escritor, faço palestras, monto e aplico projetos educacionais e culturais. Os projetos me dão prazer; sou comprometido com certos ideais sociais. Claro que ajudam a fazer face às minha obrigações socioeconômicas. Mas não posso me dizer escritor.

Estou no esforço por chegar a essa condição. Gosto muito de estudar biografias de grandes escritores. Não encontrei um só deles que, antes, não tenha sido também um grande leitor. Sou essencialmente um leitor; e desses aficionados há mais de 40 anos. Leio muito, leio tudo que posso e até onde minhas vistas cansadas aguentam. Por isso não concordo quando vejo as pessoas se autointitulando “escritores” porque publicaram um ou mais livros de edição paga. O mundo editorial é cruel e blindado, eu sei. Então compreendo quem tenta furar o cerco pagando edição. É um dos meios de abrir caminho para um talento desconhecido. Mas não pode ser um fim em si.

Um poeta não é alguém que posta algumas poesias melosas ou esdrúxulas no facebook e publica livros de poesias pago. É muito mais complexo ser poeta do que ser escritor. Nem todos os grandes escritores foram poetas. O poeta é inspiração absoluta e não belas palavras pinçadas aqui e acolá. Poesia não é essa coisa apelativa que se vê postada diariamente nas redes sociais. Poucos foram os poetas que conseguiram se destacar, como Fernando Pessoa, Drummond, Cecília Meireles, Florbela Espanca ou Vinícius de Morais. Carece de muita sensibilidade e inspiração. Tenho um livro publicado que chamam de poesias: “Desconforto”. Mas jamais me considerei poeta. Não frequento saraus exatamente por isso. São apenas textos existenciais, sem rima ou pretensão. Poeta é aquele que nos impressiona uma simples batida de olhos. Que nos emociona fortemente com uma frase apenas: “Te amo em largo, lasso e profundo”, como diria a grande poetisa inglesa.

É preciso um pouco mais de modéstia, um pouco mais de auto-crítica, um pouco mais de trabalho, de esforço e luta junto às editoras. Não mostro livro algum antes de quatro ou cinco revisões, palavra a palavra, parágrafo a parágrafo e capítulo a capítulo. Tenho pudor. Gosto de deixar meu texto redondo para que não haja dificuldade para os que me lêem. Acredito que quando um livro é fácil de ler é porque o autor teve cuidado para com seus leitores. Creio que a relação escritor/leitor é para ser um caso de amor. Escritor também é feito de suor e insegurança como todas as outras profissões. Não há nada de valor nesse mundo que não cause dor, angústia e solidão.

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Luiz Mendes

20/12/2015.

Cultura Criminal

Meu nome é Luiz Alberto Mendes. Cumpri 31 anos e 11 meses de prisão. Estou solto há quase doze anos. Não há ressentimentos. Concordo que os erros que cometi sejam passíveis de severas penalidades. Também, como todos, quero segurança para aqueles que amo. Apenas considero que prisão, tal como existe no país, é instituição falida e não cumpre a função para a qual foi projetada. Muito pelo contrário.

Cumpri minha pena lendo e escrevendo. Fui analisando tudo o que vi e vivenciei, tentando compreender o que acontecia e porque. Aqueles que orientam a opinião pública acerca da vida intramuros, desconhecem completamente sobre o que falam. Como ninguém cobra veracidade, já que os interessados, os presos, têm suas bocas fechadas, prisão, tal como ela é, permanece uma ideia obscurecida. A consequência é obvia: ninguém sabe como atuar nessa área.

De cerca de 30 anos a essa parte, as prisões têm sido degradadas. O que havia de investimento, de tentativa de recuperação social do homem preso, foi sendo dilapidado. A verba reduziu-se drasticamente em relação direta à superlotação dos presídios. Setores prioritários como educação, trabalho e saúde foram perdendo a importância. Prisão tornou-se depósito em que se enterram homens em pé.

Tudo é simples e claro. Os transgressores são recolhidos da ação criminosa diretamente para as prisões. Cada qual com seu modus operandis e conhecimentos especializados no crime. Provêm de bairros, cidades e até países diferentes. O homem é um ser que produz cultura. Onde estiver e em que condição estiver, é produtor cultural por natureza e necessidade. Que cultura poderá produzir, a partir das informações criminosas que traz consigo, abandonado às suas próprias cogitações, entregue a seus desvarios e à sua visão distorcida do que seja a vida?

Dadas tais condições, se conclui que o ser aprisionado só poderá produzir a cultura do crime. Será espontâneo. É a única possível, não há meios ou qualquer incentivo para qualquer outra. A sociedade os abandona nas mãos daqueles que dirigem as prisões, sem efetuar cobrança alguma. Criam aquela cultura traduzida pela somatória das ações criminosas acumuladas no meio em que convive obrigatoriamente. É a cultura do abandonado.

E o que contém essa cultura? A ciência de quem aprende a sobreviver ao meio adverso. É obvio que aprimora suas técnicas e realiza novos aprendizados criminosos. Aprende a esvaziar-se de seus sentimentos mais nobres: “coração de malandro é na sola do pé”. Qual o diálogo possível entre quem matou ou roubou, com quem traficou ou sequestrou? Fica fácil concluir que será sobre crimes, já que não há outro assunto que lhes venha de fora para conversar.

O nordestino, depois de décadas morando no Sul do país, continua gostando de comer, ouvir, a comida e a música de sua terra. Cultura não morre, permanece para sempre. São segmentos que, em sequência, formam cada um de nós. Uma vez contaminado pela cultura criminal, a dificuldade de superá-la é considerável. Anos imerso numa tal cultura, impregna o inconsciente. A vítima (só pode ser vítima quem esta a mercê de tal doença social) terá sua capacidade crítica prejudicada. Procurará seus iguais e afins, os únicos que falam sua linguagem e possuem seus valores culturais. Os passos seguintes serão óbvios.

Quando não se toma atitude alguma e se julga que essa cultura criminal deve ser lesiva apenas à sua vítima, erra-se longe. É tal qual jogasse uma bomba para o alto e se esperasse que ela criasse asas, como pássaros, e voasse para longe. A ação de qualquer cultura visa sua expansão. Qual vírus social de contaminação espontânea, devorará culturas mais enfraquecidas. Foi assim que nasceram o comando Vermelho, o Terceiro Comando, as Milícias no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital em São Paulo.

Posteriormente, desenvolveram maior capacidade de organização econômica, política e de fogo. Do domínio das prisões para o controle dos morros, favelas e das periferias das grandes cidades, foi um pulo. A cultura desses lugares sempre esteve fragilizada pela miséria, pelo analfabetismo e pelo desemprego. Prato cheio para uma cultura poderosa como a criminal, alimentada pelo tráfico de cocaína.

A solução, está claro, não é invadir o morro com fuzis e metralhadoras. O confronto com carros blindados, balas e bombas trará mais revolta e espaço para a criminalização do povo humilde e sofrido dos morros, favelas e das periferias. Antes é preciso levar trabalho, cultura, escola, cursos, livros, psicologia e assistência social. Lazer, arte, esporte, emprego, cursos profissionalizantes, enfim, instrumentos sociais de valorização humana.

Nas prisões, abrir os portões e colocar o homem fora das grades não significa libertá-lo. Para que a liberdade seja verdadeira, necessário se faz que seja cultural, econômica e psicológica. Posto que liberdade é conquista moral e social.

As bombas não vão criar asas.

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Luiz Mendes

17/12/2015.

Corpo Presente

O oriente que buscamos para nos orientar, está sempre mais ao oriente. Até meus 20 anos, tratei meu corpo com toda violência que minha inconsciência foi capaz. Fugi de casa aos 11 anos de idade. Fui morar na cidade, essa mãe desnaturada. A liberdade me atraia. Ficava febril olhando os meninos de rua indo e vindo, pulando, brincando e rindo sob as luzes dos neons.

Nas ruas, pedia comida nas mesas dos restaurante até, com os meninos da cidade, aprender a roubar. Comecei cheirando éter e acetona. Aprendi a beber desde muito pequeno, do fundo do copo de meu pai. Depois conheci a maconha. Em seguida vieram as “bolas”. Preludin, Anorexil, Perventin, Estelamina, Ferlantin, dexamil, um monte. Remédios que vendiam nas farmácias e eram a base de anfetaminas. Comecei a me aplicar com cerca de 14 anos. Primeiro foi Instilaza e Risnoteg. Depois vieram as célebres “garrafinhas” de Perventin. Furei as veias enfurecidamente. Vivia para sugar todo prazer que pudesse atingir com meu corpo.

Preso, fiquei na maconha e no cigarro. Bebia quando conseguíamos destilar ou decantar algum álcool. As pessoas sequer imaginam a luta que desenvolvíamos para tomar um gole de “Maria Louca”. Destilávamos de tudo: arroz; beterraba, batata, cascas de frutas, frutas, açúcar e tudo que desse álcool. E o ferramental? Artesanato puro misturado à nossa inigualável capacidade de improvisação e invenção.

Aos poucos, fui largando. Tudo era escasso e parco, nem valia a pena tamanho esforço. Paulo Freire afirma que na medida em que o ser toma conhecimento dos códigos de comunicação da humanidade, faz uma releitura do mundo. Comigo se deu exatamente assim. Digo sempre que os livros me salvaram, salvam e salvarão sempre. Só depois que os livros penetraram em minha vida é que pude entender que existiam outros caminhos, outros campos de ação.

Só então comecei a me tratar melhor. Até então, era apenas o corpo, minha única fonte de prazer e liberdade. Não havia nada além dele. Aos poucos, fui conhecendo o pensamento, a imaginação e a capacidade de criar espaços de vida além do corpo. No decorrer dos anos, os conceitos foram mudando e o corpo foi se tornando veículo através do qual eu podia chegar à liberdade, ao prazer e à felicidade (mesmo que fugaz, mas absolutamente necessária). Não era mais o fim que justificava meios. Não era mais um corpo. Eu agora tinha um corpo e estava aprendendo a colocá-lo a serviço de minha alegria de viver.

Aprendera a fazer ginástica na cela forte da Penitenciária. Através do encanamento da privada, (nosso nauseabundo telefone), um companheiro explicava as posições e eu executava. Venho sendo preso e espancado desde pequeno. Primeiro ao preconceito porque nasci bastardo. Depois às neuroses alcoólicas de meu pai que me espancava e prendia em casa. Nas ruas eram os comissários de menores e os policiais que prendiam e espancavam. No Juizado de Menores os funcionários e os meninos maiores abusavam. Imediatamente ao ultrapassar os 18 anos, fui preso e só sai em 2004, com 51 anos de idade. Mas depois que aprendi o valor de ter um corpo sadio, nunca mais parei de me cuidar. Atendimento médico e medicamentos aqui fora, é uma grave preocupação da população. Imagine lá dentro, à mercê, sem poder sequer reclamar.

Fiz de tudo para manter a forma e a saúde. Improvisei pesos com canos de ferro e latas cheias de concreto. Bancos de caixotes de banana. Cabos de vassoura, grades, pátio de recreação, tudo era ferramenta para meu esforço. Aprendi séries de ginástica, boxe, corrida, capoeira, um monte de modalidades esportivas. Gostava de esportes em que eu era o desafiante e desafiado. Ao sair, passei por uma avaliação física na Fórmula Academia. O médico veio me cumprimentar pelo excelente estado físico que me encontrava.

De lá para cá, cometi alguns excessos. Cedi em algumas disciplinas e tentei algum equilíbrio. Não podia mais ficar me prendendo, me segurando. Havia um limite. De um certo ponto em diante, vira obsessão e opressão. Com descabida alegria, bebi um pouco e participei mais abertamente da vida. Estava aprendendo auto controle, quando adoeci. Recente, 10 anos depois, em exames clínicos, descobri que estava doente de verdade. Meu corpo estava cobrando excessos da juventude. Estou fazendo um monte de exames e vou entrar em tratamento severo. Provavelmente serei operado ou passarei por rigoroso tratamento quimioterápico. Queria envelhecer bem e chegar seguro na outra ponta da corda, mas parece que vai ser impossível.

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Luiz Mendes

03/12/2015.

Riqueza Desperdiçada

Hoje estive pensando sobre a energia, a arte, invenções e possibilidades de novas idéias desperdiçadas, na pessoa de todos os presos de nosso país. Passam de 500 mil homens e mulheres. Parece que podemos dispor assim, perdulariamente, de tais capacidades.
Do que posso entender, os seres humanos nascem com capacidades diferentes uns dos outros. E o Criador distribui tais dons de tal modo que parece, aleatórios. Como o sol que brilha para todos, ai também parece não haver privilégios. Claro, pessoas com mais condições econômicas, terão mais facilidades para desenvolver suas habilidades. Mas isso não lhes garante a genialidade. Há muitos exemplos de homens que não possuíam as mínimas condições existenciais, mas cujo talento, arte ou capacidade extrapolaram. E foram reconhecidos para todos os tempos.
Poderíamos citar inúmeros. Os grande gênios sofreram muito em suas existências. Para falar só de contemporâneos Marx passou fome com toda sua família; Freud, quando vivia em Viena, só saia de casa à noite: seu único paletó era puído e furados nos cotovelos. Charlie Chaplin ficou órfão aos 9 anos, depois que sua mãe enlouqueceu e morreu de fome para alimentá-lo.
Se quiséssemos recuar na história, poderíamos comentar de Sócrates obrigado a beber cicuta porque ensinava a juventude de seu tempo a pensar. Giordano Bruno; João Huss; e Joana D’arc foram queimados nas fogueiras da Inquisição. Poderíamos citar o fim trágico do Mahatma Gandhi. A vida de 27 anos preso de Nelson Mandela e os 14 anos de prisão (10 dos quais em cela solitária) de Pepe Mujica, por um ideal. Ainda temos o exemplo máximo de Jesus, que era do povo e nasceu como nascem os filhos de mendigos e viajantes da tormenta.
O tesouro da uma nação é seu povo. Não sei quem disse isso, mas verdades não necessitam de nomes para serem evidentes. Mas em que sentido? Na capacidade, cultura, educação, conhecimento e principalmente no sentido emocional da pátria, comunidade desse povo. Quanto mais investimentos na educação, cultura e lazer desse povo, mais fortuna se acumulara. A capacidade humana é transcendente. As vezes dá saltos e eis um brilhante mais valioso. Ou como querem os velhos marxistas: do velho nasce o novo e a síntese promove a história humana.
O que pensar de nosso país? Nosso povo sempre foi vassalo, tangido como gado e condenado à ignorância. Usado, abusado e eternamente relegado a si mesmo, abandonado à sua própria capacidade de se virar. Estamos em pleno século vinte um. O país evoluiu, mas veja como o povo é tratado ainda. As escolas poucas e sempre depredadas. O nível e as condições de ensino da pior qualidade. Embora os esforços dos últimos governos, não há amor e nem respeito pôr esta base da sociedade. As famílias se reduzem aos núcleos básicos para sobreviver. A saúde e a previdência social estão falidas há décadas. Não há lazer barato.
A cultura é uma piada. Quantas existem? Aquela do teatro, consertos musicais, cinemas (agora quase todos em shopping centers), livros, só existe para quem tem como pagar. O povo, relegado à suas próprias condições foi alienado de sua vida nas novelas e no jornal nacional. As favelas e morros fervilham de vidas humanas. Somente nos últimos tempos criou-se programas universitários e da casa própria, financiados pelo governo federal.
Atrás desse povo desvalorizado há séculos pelos que foram responsáveis pela riqueza da pátria, existe ainda um outro nível social. Os marginalizados; os excluídos; os inempregáveis; os perseguidos; os encarcerados; aqueles cujos ouvidos escutam outros tambores. Estes estão além do que o povo recebeu nesses últimos governos. Não terão chances nem de tentar o esforço que o restante da população realiza para melhorar sua condição existencial.
Quantos, entre esses marginalizados, poderiam contribuir para a riqueza da pátria? Quem poderia dizer que descendente de escravos, Machado de Assis pudesse ser o maior literata do país? Quantos de nossos artistas e grandes inteligências nasceram em berço esplendido? Nas penitenciária; filas de emprego; nos locais de catação de lixo, nas instituições para menores infratores ou abandonados, etc., pode estar grande parte da riqueza da nação. E assim desperdiçada, apagados na lata do lixo social.
Que tal começarmos a exigir que se faça alguma coisa a respeito? Até quando, parodiando Gabriel, o Pensador, vamos jogar a riqueza do país pelo ralo?

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