Luana Sena

Amar e escrever à máquina

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Sinto minha fé tinindo

Não acho nada mole falar da fé. Talvez por isso eu tenha escrito cinco vezes um texto procurando uma perfeição que nunca vem. Antes eu tinha muita propriedade pra falar sobre qualquer coisa e achava todo mundo engraçado e interessante. Hoje não me sinto capaz nem de opinar no facebook. Minhas palavras, eu quero dormir com elas, enquanto assisto suspensa meus muros de certezas desabarem.

Aí teve esse dia almoçando de frente pro rio com meu pai, e ele comia e falava driblando a morte de um jeito que só ele é capaz: “O mundo nunca vai mudar enquanto tiverem pessoas acreditando nisso tudo”. E, sem que me perguntassem, enquanto um camaleão corria para a árvore em cima de nós, eu disse que acreditava em tudo. Acredito em tudo aquilo que as pessoas acreditam lhes fazerem bem.

Não sei quanto a vocês, mas os links que salvo para ler num futuro próximo só me deprimem. Está ali, na minha cara, uma sequência de coisas que eu quis ser e não fui. Veja como está a cidade de Edward Mãos de Tesoura, aprenda a fazer uma horta no ap, inscrição para aquele congresso que passou, nomes curiosos de operações policiais e, deus do céu, 10 coisas que eu preciso saber sobre o desenho do filho que eu não tenho.

Parei de sentir o gosto dos alimentos e não recomendo a ninguém. Mal durmo, mal como e reparei que tanto tenho me magoado  quanto ofendido as pessoas com certa frequência. Fui ontem ajustar meu relógio, numa sala quente e inóspita onde um senhorzinho brincava de acertar ponteiros. Eu rezava para não perder a hora, quando ele me surpreendeu dizendo: “Não há problema algum com seu relógio”. Consenti, desolada. O problema, moço, é esse tempo que não para.

 

Há um rio afogando em mim

Não sei se é porque as coisas no país, de modo geral, andam tão ruins, mas eu dei para perceber a delicadeza sutil de alguns gestos. A generosidade de um novo colega de trabalho, o café compartilhado, o convite para dividir um almoço quando nem se sabe se há comida à mesa. Eu vejo flores em todo mundo. Menos no Bolsonaro, no Bolsonaro não.

Andei viajando pelo sertão do Piauí e comprovando aquela máxima de que o deserto faz brotar belezas. Estive com gente verdadeiramente acostumada com a dureza – ali, nada vem fácil: só se come o que se planta, o perto é longe, o tempo corre diferente, e não sou eu que vou chegar com o frenesi da vida na cidade grande, cheia de coisas pequenas, pra ditar um novo ritmo. O jeito foi sentar, botar os pés no rio, aceitar que às vezes a gente é mais parte do acontecimento do que mero espectador. E, no geral, é daí que surgem as melhores histórias.

Há um rio afogando em mim... secando... secando...

Há um rio afogando em mim… secando… secando…

E aí que num dia rude como ontem, uma mensagem despretensiosa – dessas que a gente grava no Whatsapp e depois fica ouvindo, perplexo com a diferença entre o modo como achamos que falamos e o nosso verdadeiro timbre – me trouxe um carinho na alma. Mais um nome que sai da minha lista de fontes e passa a ocupar o grupo de amigos, não por elogiar o meu trabalho. Sou vaidosa, gosto que as pessoas gostem de mim. Mas é mais que vaidade. É a simples coincidência em nosso modo de ver o mundo, a importância similar que damos mais ou menos as mesmas coisas e a leveza com a qual tentamos encarar a vida. E também o jeito fora dos padrões de cortar a pizza.

Meu coração está partido por um monte de motivos, mas o principal deles é, talvez, que eu queria entregar em mãos o violão que enviei pra Izabel, uma moça incrível que vive na margem do rio Uruçuí vermelho, uns 900 km longe de onde estou agora. Ela não enxerga e aprendeu a ouvir só o que vem de dentro. Eu imagino isso transformado em música e, de repente, penso que estou feliz.

Vamos falar de revista?

No semestre passado eu fiz um estágio docência na Universidade Federal do Piauí, como parte da experiência do mestrado em Comunicação. Ministrei a disciplina Jornalismo Especializado I, com foco em jornalismo de revista – levar a prática profissional para a sala de aula foi uma experiência gratificante para mim e resultou em alunos-amigos pra vida e duas revistas piloto lindas e originais.

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Desde então tenho pensado em dar continuidade a isso – compartilhar conhecimento é a melhor forma de se engrandecer – e, levando em conta que, o que acabam são os prazos, não as pesquisas, eu decidi esticar a sensação boa da troca, do papo, do ensina-aprende em semiose infinita.

Apesar do nome, Jornalismo de Revista não vai se limitar a discutir sucessos editoriais ou falar de mercado. Vamos pensar em um novo olhar sobre a pauta, o estilo magazine e o bom texto para impresso – podendo interessar a quem trabalha em jornal diário, revistas de assessorias e outros segmentos.

Para dividir a experiência comigo eu convidei Teresa Raquel Bastos, jornalista pela PUC-SP que atua há dois anos como repórter da revista Globo Rural – agronegócio, um segmento em expansão que tanto vende revista na banca quanto bomba no Twitter. Ela também teve passagem pelas revistas Época SP e Marie Claire, e pode compartilhar conosco um pouco da rotina de produção desses veículos.

O minicurso será dividido em dois dias – sexta (6) e sábado (7) -nos turnos manhã (9h-12h) e tarde (14h-17h) com carga horária total de 12 horas. Os inscritos também terão direito a certificado de participação.

Qualquer dúvida, mande um email pra mim: luana.lia.sena@hotmail.com

 

 

A verdade sobre mim

Não, não teve texto de ano novo porque talvez – mas só talvez – não tenha tido ano novo algum. Peguei uma greve no mestrado, de modo que 2015 está estanque e pode ser esse o motivo da ausência de um reveillón em mim. Não somente. A verdade é que lá em janeiro do ano passado eu comecei um ano que só vai terminar daqui a dois. Aguardemos.

Mas é estranho aguardar sem que o tempo que passa seja marcado pelos acontecimentos – nada acontece, novamente, em mim. Não consigo mais ser mil. Não que um dia eu tenha conseguido, mas é fato que está bem mais difícil agora parar de problematizar tudo, falar de bobagem com os amigos, tomar um vinho – eu que nunca fui de vinho, veja você – escutando Gal cantando Azul. Tudo tem ficado tão intenso enquanto tento convencer a mim mesma que as coisas não precisam ter o peso de um elefante.

Fui acometida por uma LER na mão direita e agora digito enquanto penso no ousado projeto do meu corpo de tentar prender tantas palavras em mim. Dei pra ir deitar as 4 da manhã, mas isso nem significa exatamente dormir.

Fico muito bem em mim e, aparentemente, parei de sofrer por saudade ou expectativas. Sou de uma apatia terrível, tanto faz se tá frio, tanto faz se calor, se estamos na noite de sábado ou se a quarta-feira derrama cinzas pelo país. Você vai me ver sorrindo e pensar que estou curtindo pra valer qualquer momento, mas na verdade, em qualquer hipótese, pode apostar que eu preferia estar no sofá lendo o Twitter.

Saudade pra presente

Quando eu era criança, o mês mais esperado do ano era dezembro – e não era por causa dos presentes de natal ou da comilança. Era porque meu avô me levava numa livraria pra comprar o material escolar do ano seguinte e, como bicho solto, eu escolhia tudo de mais lindo e da moda, do jeitinho que eu queria. Canetas com bolha de sabão. Caderno com cheiro de chocolate. Corretivo multicolorido. E um monte de coisa que, na prática, não surtiam nenhum efeito nos estudos. Mas faziam eu me sentir no colégio.

Cresci uma adulta obsessiva por papelarias. Algumas pessoas ficariam felizes em bares, shoppings, churrascarias, galerias, teatro ou supermercado. Mas eu fico muito bem, obrigada, cercada por bloquinhos, envelopes, grampeadores, clipes coloridos, canetas e tubos de corretivo. O certo é que em duas décadas e meia de existência, finalmente, eu descobri como canalizar isso para o bem.

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Ano passado, através das cartinhas de Natal dos Correios, conheci Pâmela e Dayron. Ambos estudam e moram na periferia de Teresina, e, ao invés de bola ou boneca, pediram ao Papai Noel seus kits escolares para o próximo ano. A Pâmela foi meio modinha: queria tudo da Monster High, essas bonecas espantosas que invadiram a tv, as mochilas e os cadernos. Já o Dayron, mais tradicional, queria tudo da Hot Wheels. A lápis, o menino de 11 anos escreveu: “minha mãe e meu pai não tem condição de compra poriso eu estou tipidino”.

Montar os kits de Pâmela e Dayron foi um dos meus maiores prazeres daquele ano. Escolhi tudo como para mim mesmo: as melhores canetas, o caderno mais bonito, o estojo temático, e atentei até para os detalhes de borrachas e lapiseira. Em outros tempos eu levaria tudo pra casa, na minha compulsão por esses trecos, entocaria em uma gaveta e provavelmente nunca usaria. Dessa vez eu embrulhei tudo e deixei nos Correios.

Esse é o primeiro Natal sem o meu avô. Não pensem vocês que não dói – a lembrança dele está em cada momento, em todo detalhe, naqueles frames que povoam meu pensamento antes de dormir. Mas nesse tempo de ausência eu entendi que uma forma de preservar a memória de uma pessoa, é perpetuar as coisas boas que ela fazia.

Seja onde você estiver, vô, estará no sorriso de Pâmela e Dayron na manhã do 25.

Sinto sua falta. Feliz Natal.