Luana Sena

Amar e escrever à máquina

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Manual para pós-graduandos à beira de um ataque de nervos

Ontem entreguei, finalmente, a minha dissertação de mestrado. 147 páginas de dor e sofrimento – bem Maria do Bairro mesmo. Fruto de noites mal dormidas em dois anos – e mais uns quebrados – de pesquisa. Aproveitei o calor da emoção e preparei diquinhas que podem ajudar graduandos/mestrandos/doutorandos na reta final (porque eu agora tô essa pessoa que nem defendeu e acha que já pode sair ensinando coisas por aí):

1) O primeiro passo é abrir mão da perfeição. Eu passei um bom período travada com a minha pesquisa, porque eu achava que ia fazer algo pioneiro, inédito, esplêndido, espetacular, digno de prêmio. Acabei sofrendo para fazer ter nexo a coisa mais simples do mundo de dizer. Não vai rolar, sabe. Desce do salto. Assume que, por mais que você tente um novo olhar, a sua pesquisa sempre vai tomar como base autores que a precedem. Não tem nada nunca dito antes – talvez o que você possa é atualizar ou dizer de outra maneira. Mas vai por mim: quando você entende isso, fica mais fácil fluir a escrita.

2) Tire o elefante das suas costas. No começo do mestrado, eu encarava tudo com muita empolgação e disciplina. Não que eu tenha exatamente relaxado – você nunca consegue totalmente. Vão ser dois anos tentando se divertir pensando na sua problemática de pesquisa, dois anos economizando em ~brusinha~ pra comprar livro, dois anos pensando duas vezes antes de ir para festa porque não pode se dar ao luxo de ficar de ressaca no domingo de manhã e não estudar. Mas, quando você entende que alguns processos ao longo do percurso são mais importantes do que tanta rigidez, o elefante emagrece alguns quilos. E isso faz muita diferença. Aceite que cada um tem seu tempo, tem necessidades distintas, ritmos desiguais e urgências muito particulares. Se você aceitar isso e deixar de se cobrar tanto – mas não ao ponto de perder os prazos por desleixo – a pós-graduação pode ser sim uma experiência leve e linda.

3) Entenda como um processo de autoconhecimento. O seu trabalho final é importante? Monografia, dissertação, tese? É. Mas ele não é, nem de longe, o que mais importa. Ao menos para mim, não foi. Sei todos os pontos fracos da minha pesquisa – ninguém mais do que eu consegue identificar isso – e talvez o principal deles seja a incapacidade dela em reunir tudo que eu vi/vivi/senti/cresci nesses últimos anos. Ela tenta, mas não dá conta de toda a experiência. Ela reflete, mas não a traduz. O período do mestrado desencadeou em mim uma crise de identidade, transtorno de ansiedade e um estágio pré-depressivo – tudo decorrente da desterritorialização avassaladora que sofri. Foi ruim mas foi bom – foi quando pela primeira vez me senti tão perto dos sentimentos mais humanos, todos de uma vez. Faz bem banhar de piscina, imergir. Tentar ouvir teu barulho interno, se olhar no espelho, cortar o cabelo. Se você estiver passando por isso: calma. Respira que vai passar. E não é balela quando  fazem aquela metáfora da borboleta. Depois que esse casulo explode, você só pode voar, cintilante, para cima.

4) Se dedique, mas não deixe de viver. Como diz a profa Ana Maria: “o mestrado tem que ser um projeto de vida, não de morte”. Eu me cobrava muito isso, ao ponto de que no começo não queria fazer mais nada na vida, fora estudar e me dedicar aquilo. O que aconteceu? Nas primeiras derrotas eu me senti um fracasso: nota vermelha, artigo recusado, bronca de orientador. Também percebi que me obrigar a ficar em casa estudando, quando eu não rendia, não fazia o menor sentido e ainda me torturava. Chegou ao ponto que eu não tinha mais interesse em sair nem ver ninguém, porque todo mundo parecia meio óbvio e desinteressante – comigo foi a fase angustiante do ouvido sensível. Foi uma dor até adestra-lo.  E ok que haverá noites em que você vai preferir ficar com alguns filósofos pirados do que com muita gente normalzinha por aí. Mas não vai demorar muito e você vai cansar de tanta erudição e vai pôr Foucault de volta na prateleira enquanto ouve Maiara e Maraisa.

5) Não subestime o tempo passando. Gente isso é muito sério. Isso é o mais sério. Todas as dicas anteriores você pode pular, mas essa aqui, anote e guarde dentro do coração. A gente se boicota toda hora com o tempo. Eu, pelo menos, sou a rainha do “amanhã eu faço”. Deixo tudo pra última hora, tô sempre correndo contra o relógio e culpando Murphy. Mas a verdade, meus amigos, é que ninguém é mais culpado das coisas não darem certo do que euzinha. Sempre ali, me puxando o tapete. Procrastinando, procrastinando. Daí dá às vésperas de entregar a dissertação e você tá lá, desconhecendo trechos que você mesma escreveu. Você começa a agradecer silenciosamente a todos os livros que precisou recorrer em desespero e já estavam fichados (<3), porque jamais daria tempo de reler tudo. Ah, outra dica valiosa é não confiar na memória. Nunca. Outro dia fui salva por uma anotação do meu primeiro dia de aula no primeiro dia do mestrado. Anote tudo, guarde tudo, organize tudo. Isso é mais importante até do que ser inteligente ou disciplinado. Se não precisar usá-las depois , pelo menos vão servir de recordação: você vai reler, um dia, e ver o quanto aquilo tudo sempre fez bastante sentido.

Segue firme e de nada :)

 

Trevo

Mamatcha é doida e meiga. Eu não sei tudo da história dela, pois peguei pela metade. Sei que era gata top que adorava uns looks ousados – foi pra praia de melissa aranha em 81. É uma morena cor de jambo com canela, canta bem, tem pavor de roupa mal passada e chama “Netflits”.

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                                                    trevo <3

Ela casou com meu pai – que neste aspecto teve muito bom gosto – e teve a Mirinha. Eu cheguei só seis anos depois, dando trabalho, com o coração todo furado. O que mais me lembro desta época, fora as barbies que ganhei no hospital e a dieta a base de beterraba, é da minha mãe sempre do lado, às vezes chorando, às vezes fingindo que tava tudo bem (criança saca dessas coisas). Eu prometi a ela que nunca ia morrer.

Voltei pra ti, mãe. Pro teu colo, pra tua comida – comida de mãe nutre, alimenta a alma e o coração. Segurou a minha mão nas maiores crises, chorou comigo, deu comida na boca, dormiu abraçada porque eu tinha medo. A melhor parte de voltar pra casa foi ter todo esse carinho quando mais precisei – e também dividir os brincos e colares arrasantes com essa mulher.

Eu tenho bastante certeza de que eu não teria conseguido chegar aqui sem ela.

Tu é trevo de quatro folhas, mãe.

Você sofre, se lamenta, depois vai dormir

Oi lindas, hoje vou ensinar como se recuperar de uma fossa em cinco passos :)

1) Faça o que precisar fazer para parar de sofrer pelo passado, sem se preocupar com o futuro.

Aqui vale de tudo: excluir o ex do facebook, bloquear no insta e whats, cortar relações com amigos em comum (desculpa sociedade), apagar fotos, jogar caixas de lembranças na lata de lixo (FRÁGIL: cuidado, moço, aí vai meu coração quebrado). Se joga no recalque, aceita tua dor de cotovelo. Vale tudo. Menos matar pessoas (porque sim, essa ideia passa pela cabeça). De resto, não precisa ter medo de parecer infantil, imatura, nem se apegar as lembranças por medo da tua autocrítica no futuro. Só tu pode se julgar, mas tu também não precisa ser cruel contigo. A gente muda mesmo, e não tem problema nenhum se arrepender mais na frente por ter se desfeito daquelas cartas ou ter escrito aquele texto: tudo isso fez parte do que você foi um dia, foi necessário pro teu processo. Aceita. Vida que segue. E isso tem um total de zero problemas.

2) Mude o seu caminho – literal e metaforicamente.

Provavelmente você aprendeu as melhores rotas e atalhos com seu último namorado. Você sabe fugir do trânsito, você tem ótimas referências de caminhos e lugares, sabe chegar de olhos fechados naquela sorveteria onde iam todo sábado a tarde. Mas tudo agora parece um campo minado – é preciso ter cuidado em cada esquina para não doer. Portanto, minha amiga, mude o caminho. Pede uma pepsi twister ao invés de coca. Não tem destino de uma rota só – existem n caminhos, n maneiras de chegar num mesmo lugar – aliás, você pode nem querer chegar a lugar nenhum e tá tudo certo também. Bora passar por aquela rua nova, cajuína é ruim pra caralho e se perder faz muita parte. O google maps tá aí pra isso.

3) Coloque novamente os óculos.

Eu sei como é isso de parar de enxergar. Tenho 3 graus de miopia e passei os últimos dois anos achando que esse acessório não me favorecia – eu não queria ver ninguém, e era ok ser guiada por quem segurava a minha mão. Veja bem, ele era os meus olhos. Mas ele nunca pediu pra ser. Eu apenas me sentia protegida e certa de que os óculos só eram necessários em casos de andar só – o que eram momentos extremamente raros. Quer dizer, é o contrário. Eu andava sempre junto, mas constantemente só. Agora eu ando só, mas me sinto sempre um monte. E uso óculos. E fico linda.

 

4) Pode chorar, mas não deixe nunca de dormir por isso.

Não precisa, amiga, mascarar a dor. Pode chorar sim, pode chorar muito, mas vamos fazer o seguinte: sempre que você chorar, aproveita esse tempo pra refletir sobre o que tá doendo, entende teu sofrimento, vive ele um bocadinho mas depois te levanta. Vai pro mundo lindamente, como se você estivesse plena – ninguém precisa te ver por dentro. As pessoas vão olhar e dizer que tu tá ótima, que tá linda, que tá bem, tá tudo show – porque é até mais fácil pra elas aceitarem que passou no tempo que elas julgam adequado passar – mas deixa. Chora no teu quarto, com teu travesseiro, mas depois para e vai dormir. Não perde o teu sono por isso, porque perder sono dá espinha, olheira, e se virar noite chorando o teu olho vai ficar parecendo picado por marimbondo. Vai por mim.

5) Em nenhuma hipótese esqueça o lado bom.

No fim, é tudo uma questão de ponto de vista. Há males que vem para o bem, tudo que acontece de ruim na vida da gente é pra melhorar e etc. Você com certeza já ouviu essas teorias e achou clichê, ou, presa na sua angústia, não conseguiu observar que é só mudar o ângulo de visão para perceber o lado bom das coisas. Qualquer coisa. Pra mim, por mais óbvio que isso possa parecer, tem sido revelador. Separar de uma pessoa foi ao mesmo tempo me reconectar com outras. Esquecer de alguém foi a minha forma de lembrar de mim. Trabalhar muito agora é só um jeito de ter sapatos novos e perder o celular foi o pretexto pra comprar um novo. É um exercício diário, mana. Em passos curtos. Vai tentando. Sabe que horas a noite é mais escura? Instantes antes do amanhecer.

 

 

A terapia, ouça a terapia

Eu conheci a Luana, talvez, no momento mais conturbado da minha vida.
É bem significativo que a circunstância tenha sido essa, você pode dizer, porque na profundeza que eu estava afundando, qualquer mão podia ser considerada uma boia.

Obviamente, escolhi pelo nome.
Mas também pelo método que, pesquisei, ela utilizava: a Gestalt-Terapia.

Muitas pessoas passam anos migrando de psicólogo para psicólogo, sem conseguir se encontrar com nenhuma abordagem. O processo é tenso, cansativo, imagino, e por isso digo que tive muita sorte pois encontrei, logo de cara, uma boa terapeuta e uma abordagem que me contemplava.

A Gestalt tem um monte de características que se encaixam comigo: a maioria dos filósofos que Luana lê são existencialistas, é uma terapia de contato (ela pode me contar coisas dela e opinar sobre as minhas), está em constante busca pelo nosso equilíbrio (quem não?) e promove novas formas de olhar para a vida, onde nada é definitivo (graças a deus). Além disso, essa coisa do foco estar no como, e não no porquê, tem tudo a ver com a corrente teórico-metodológica que eu utilizo no mestrado e que bagunçou – pra melhor – a minha vida: a Análise de Discursos. Basicamente, eu e Luana falamos a mesma língua.

Com o tempo as sessões ficaram leves e gostosas. Não preciso nem dizer que no começo, além de estranhar tudo, você ainda é julgado por procurar auxílio de um profissional em um mundo onde TODOS OS BONS PSICÓLOGOS ESTÃO COM AGENDA LOTADA. A gente tem que urgentemente rever isso, porque, ou o mundo tá todo pirado, ou a gente é que é só preconceituoso mesmo.

Eu ouvia, de pessoas que eu amava: “Pra que tu vai gastar 200 reais pra chorar lá, chora em casa mesmo”. Mas eu persisti, por mim, pela minha saúde mental, e não deixei – com muita luta – que nada disso me abalasse. E todas as vezes que eu usei minha sessão para chorar, eu estava crescendo.

Também ouvi que isso tudo era besteira, que o primeiro passo era a gente ignorar COISAS QUE EU SENTIA. Essa opinião, além de insensível é extremamente ignorante, porque qualquer manual de como tratar alguém com depressão que você pode facilmente acessar no Google começa por: aceitar que está doente e procurar auxílio.

Enfim, eu tô contando isso tudo, que são experiências extremamente pessoais, porque muita gente tem me perguntado sobre como é e por onde começar a terapia. Senti necessidade de vir falar desse tabu que é. Tá passando da hora da gente encarar que a doença mental é uma realidade, um problema de saúde como qualquer outro, que deve ser tratado e que, com a ajuda de profissionais, da família e dos amigos, é possível a gente combater para que não evolua. Foi isso que eu fiz e me orgulho.

Estou aí no corre há alguns meses, não me arrependo, e não imagino mais a minha vida sem minha xará. Eu já mandei email de madrugada num momento de muita angústia, e só da resposta vir rápida, carinhosa e tão atenciosa, fez uma diferença enorme em mim naquele dia. Não se iluda que é como conversar com amigos ou com a mãe: as pessoas, elas estão sempre cheias de dedo pra nos dizer muita coisa, ou dão conselhos muito pontuais, porque elas estão prenhes de sentimentos e expectativas sobre nós – ou mesmo porque é sempre mais simples opinar a respeito da vida alheia. A terapia é outra coisa. É conversar com você mesmo e, de vez em quando, levar um tapa na cara.

Mas nem sempre é só choro e tapa.
Na última sessão, perdemos longos minutos falando do filme Fragmentado. Foi quando Luana soltou linda e fofa:  “se você não fosse minha paciente, seríamos grandes amigas”.

A terapia do som que faz bem.

 

E o passado é uma roupa que não nos serve mais

Querida Luana do último novembro,

como você está bonita cinco quilos mais magra e com essas olheiras que lhe dão ao mesmo tempo um ar de intelectual e preguiçosa. O manequim caiu pra 36 e você, finalmente, caiu na real. O novo corte de cabelo foi a última decisão acertada do verão.

Gostaria, se me permite algum conselho, que você parasse um pouco de chorar, só por um instante, e abrisse a janela para perceber uma coisa: aquela árvore ali, que esqueceram de podar, cresceu tanto que escondeu o pixo no muro e, ainda que cortem os galhinhos e ele volte a aparecer, saiba, Luana, ele não faz mais nenhum sentido. Não significa nada além de um spray desbotado sob a tinta descascada de uma velha construção. E é assim que tudo isso se acomoda agora na parede do seu coração.

Nos últimos dias você se sentiu tão confiante que estaria orgulhosa. Arrumou as malas, pegou estrada, comeu pastel de rodoviária, banhou de porta aberta, foi pro cinema, mergulhou no mar e caminhou sozinha na praia, molhando os pés com as ondas que brincam de vai e vem, quando isso lhe pareceu poético. Estudou feito uma louca pra uma prova e descobriu: o que você enfrentou, menina, foi uma crise de identidade brabíssima. Estou feliz que esteja, aos pouquinhos, resgatando só o que importa de você. Conhecer, se reconhecer, se reinventar – tem umas coisas que, aliás, nem sabemos ainda dar os nomes, mas elas estão acontecendo e sabemos o mais importante: sentir.

Você achou um boy magia numa festa gay (esse dia foi engraçado). Depois beijou alguém muito mais interessante. Você se culpou, se perdoou, ficou confusa, ficou feliz. Começou a ler Cortázar sem entender muita coisa, baixou os filmes do Oscar, arrancou páginas de um caderno velho porque achou que é chegado o momento de escrever uma nova história. E isso não será possível se você não parar de ler insistentemente o último capítulo, certo? Toca pra frente, criatura. Caminha.

Ah, você também arrumou um novo emprego – que parece velho, mas você também não está mais tão nova, convenhamos. O trabalho pode ser o mesmo, mas você mudou, mulher. E é isso que nos importa aqui. Vamos ver como  se comporta em sua versão mais paciente, destemida, que pedala até o trabalho, parou com o açúcar e acha que as horas do dia, que agora lhe parecem longas e angustiantes, estão curtinhas de tanta coisa pra fazer, ver e viver.

Há poucos dias você estava de frente para alguém que lhe dizia: a vida é feita de ciclos.
Uns precisam terminar para que outros comecem.
Ele estava coberto de razão.

Mas o que ele não te disse, minha filha, é que o ciclo que inicia agora é infinitamente melhor.