Wellington Soares

Coisas e outras

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Balada Literária 2016

Visitar São Paulo é sempre uma grande comoção na vida da gente. Imagino viver lá, na capital, colado aos seus mais de 10 milhões de habitantes. No meio daquele turbilhão de emoções e mundos presentes, com infinitas línguas e sotaques e cores, juntos e misturados, naquelas ruas da fascinante e assustadora metrópole. Talvez o coração não resistisse diante de tanta beleza e opções artísticas: Masp, exposições, Avenida Paulista, museus, Parque Ibirapuera, shows musicais, Mercado Municipal, peças teatrais, Catedral Metropolitana, Bienal do Livro, Estação da Luz, Jegue Elétrico, Praça da Sé e, há 11 anos, a Balada Literária de Marcelino Freire, evento cultural dos mais importantes que, dada à sua generosidade, esse nordestino arretado de bom, filho de Sertânia dos pernambucos, abre espaço às facetas luminosas desses inúmeros brasis esquecidos pelo imenso Brasil.

De sua vasta programação em homenagem a Caio Fernando Abreu, iniciada na quarta-feira passada, só não marquei presença, infelizmente, no show de abertura do evento – “Em Tercina”, com Alzira E, Tetê Espíndola e Ney Matogrosso, que, soube depois, ter sido maravilhoso de bom. Mas na manhã seguinte, às 11 horas, lá estava eu na Livraria da Vila, com olhos e ouvidos atentos a fim de assistir ao “Inventário do irremediável”, uma instigante conversa entre amigos envolvendo Claudiney ferreira, Cláudia Abreu (irmã do autor gaúcho), Vânia Toledo e Paula Dip, autora de uma das biografias escritas sobre ele: Para sempre teu, Caio F. No Centro Cultural B_arco tive, à noitinha, a alegria de presenciar um diálogo lindíssimo, mediado pela cantora Fabiana Cozza, com Rogéria e Márcio Paschoal. Sem falar também do incrível sarau dedicado a Elke Maravilha – “Transarau Maravilha”, comandado por Ed Marte e Renato Negrão.

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Na sexta-feira pela manhã, a emoção foi imensurável ao ouvir Marcelo Rubens Paiva comentar Ainda estou aqui, livro dedicado à sua mãe Eunice na luta que ela trava cotidianamente, ao longo desses últimos anos, contra a Doença de Alzheimer. Se já era seu admirador desde a leitura de Feliz ano velho, no qual retrata o episódio que o torna tetraplégico, imagine após ouvi-lo falar com enorme carinho dessa mulher destemida e defensora dos nossos índios que o infortúnio varreu a memória. A conversa feita à noite entre as cantoras Cida Moreira e Marina Lima (filha de piauienses) sobre Caio Fernando Abreu foi algo de arrepiar a alma dos presentes no Sesc Pinheiros, elas que conviveram e foram amigas do autor de Morangos mofados, livro hoje considerado um clássico da literatura nacional.

Já embriagado de felicidade, ainda recebo, antes das apresentações de Ernesto Dabó (poeta de Guiné-Bissau) e Miró (poeta recifense), a ótima notícia que Torquato Neto será o próximo homenageado da Balada Literária. E de repente, depois daí, não mais que de repente, experimentei a insustentável leveza do ser, com o corpo levitando frente às outras atividades do evento: “Tchau, querida”, peça inédita (apenas o 1º ato) de Ana Maria Gonçalves, com direção de Wagner Moura; “Um canto para Noémia de Sousa”, encabeçado pelo Sarau das Pretas; shows de Sofia Freire e Fernanda D’Umbra, no Estúdio Lâmina; conversa entre Cristovão Tezza, Fernando Ramos e Lucimar Mutarelli a respeito dos frutos da literatura; e, por fim, antes de tomar o caminho do aeroporto, participar de uma mesa redonda – “Pedras de Calcutá: Nos caminhos da literatura” – ao lado de feras como Paulo Lins, Simone Paulino, Henrique Rodrigues e Abel Menezes. Mais do que nunca, agora só quero saber, até novembro de 2017, como diria nosso saudoso “Anjo torto”, do que pode dar certo, pois não tenho tempo a perder.

Novembro azul

Lembro que ao completar 40 anos, resolvi encarar o temível toque retal. Queria saber como andava a próstata, evitando qualquer surpresa desagradável. Afinal, longe de querer partir tão moço, sem ter amado ainda o suficiente. Confesso que a posição do exame não é das melhores. Mas não chega a ser também o inferno pintado por aí. Tudo feito com profissionalismo e num piscar de olhos. Com a mão envolvida por uma luva e usando vaselina, o jovem médico introduz o dedo no “forever” da gente, segundo gíria da rapaziada. Estranho mesmo é o desconforto sentido depois, sobretudo, no dia seguinte, uma dor resultante de algo que entrou em lugar indevido. A compensação, por outro lado, chegou com a boa notícia de que a próstata estava no tamanho normal. Não era dessa vez, portanto, que a morte iria me envolver em suas ardilosas tramas.

O câncer de próstata, conforme dados oficiais, tem matado um número significativo de homens. Não só no Brasil como no restante do mundo. Um monte deles por simples desinformação, alheios aos cuidados que o sexo masculino deve ter com o desenrolar dos anos. Outros tantos, talvez a maioria, ainda presos a tabus machistas antiquados, do tipo de recusar qualquer procedimento ou exame que ponha em dúvida a sua masculinidade. Parte das campanhas educativas sobre o assunto, inclusive, reforçam tais preconceitos, a exemplo da que vi estampada na camiseta de um humilde senhor: “Sou homem com H. Não dou chance pro câncer de próstata”. Intrometendo-se assim, de maneira indevida, na opção sexual dos homens. Depois por não informar corretamente que todo homem, independente de qualquer coisa, deve se submeter a uma avaliação clínica anual a partir dos 40 anos.

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Segundo dados do Ministério da Saúde, o câncer de próstata já é o terceiro tumor maligno mais diagnosticado no Brasil e o quinto que mais ceifa vidas. Ainda que esteja se sentindo bem e não tenha histórico familiar, o homem deve procurar um urologista a fim de realizar dois procedimentos essenciais e complementares – o exame de sangue e o toque retal. O primeiro aponta, através da dosagem do Antígeno Prostático Benigno (PSA), a existência de algum tipo de problema. Quanto ao segundo, embora constrangedor, confirma ou não a necessidade do médico agir sem demora. Descoberto precocemente, o câncer de próstata apresenta um grande potencial de cura por meio da radioterapia ou de cirurgia. Não esquecer que a maior incidência do tumor ocorre entre homens acima de 60 anos, notadamente negros.

Morrer é inevitável, queiramos ou não. Geralmente independe de nossa vontade. Entretanto, bobeira é o termo empregado para quem resolve se encantar ainda novo, vítima de sua própria ignorância ou de seus lamentáveis tabus. Quantos caras interessantes partiram antes da hora por receio de enfrentar uma inofensiva dedada. De cor, enumero alguns nomes bastante conhecidos e que deixaram saudade: Valdick Soriano, seresteiro-mor das cantigas de dor de cotovelo; Johnny Alf, precursor da bossa nova; Frank Zappa, guitarrista e compositor norte-americano; e, por fim, Telly Savalas, ator que encarnava o detetive “Kojak”. Lembro agora, nessa difícil escolha entre a vida e a morte, da sábia tirada filosófica de Quincas Borba, o mais instigante personagem da vasta galeria machadiana: “verdadeiramente, só há uma desgraça – é não ter nascido”.

 

Ao menos um esboço

Num desses dias à tarde, fui visitar os estudantes que ocupam a reitoria da Ufpi desde o mês de outubro. Eles lutam contra a PEC 241 (que no Senado passa a ser a 55), Proposta de Emenda à Constituição que reduz as verbas para a educação, e a Reforma do Ensino Médio, que retira disciplinas fundamentais na formação acadêmica da garotada, tais como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. Ao contrário dos que afirmam que esses jovens não sabem de nada, tese preconceituosa e absurda, a garotada demonstra, pelo que constatei lá, no campus de Teresina, saber mais de seus interesses e demandas do que nossos governantes e representantes parlamentares em Brasília. A fala da estudante Ana Júlia, na Assembleia Legislativa do Paraná, que repercutiu dentro e fora do Brasil, é um inequívoco exemplo dessa consciência política.

Como professor e ex-líder estudantil, não poderia deixar de levá-los minha solidariedade neste momento em que as conquistas educacionais dos últimos anos estão severamente ameaçadas. Onde se viu cortar recursos e abolir matérias essenciais em área tão estratégica para o desenvolvimento do Brasil? E o que é mais lamentável, sem uma ampla e democrática discussão com os verdadeiros protagonistas desse setor: alunos, professores e pais. Na década de 80 do século passado, minha geração ousou lutar também contra os que insistiam em sucatear, a fim de privatizar, a educação pública nacional, uma vez que as elites da época diziam, como dizem agora, que “universidade é para quem pode pagar”. Enquanto muitos não acreditavam, fomos à luta e garantimos muitas vitórias: concurso para professores e funcionários (acabando de vez com as indicações políticas), casas universitárias, bibliotecas e laboratórios de qualidade, transporte decente, eleição direta para reitor e chefes de departamentos e o restaurante universitário (RU) servindo boas refeições.

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Subestimar a inteligência dessa meninada, como fazem as autoridades, não é a melhor saída para essa crise de proporção nacional. Mesmo não tendo o espaço merecido na grande imprensa, hoje o movimento deles não é nada desprezível e merece respeito, como atestam os números a seguir: 1.154 ocupações em escolas, institutos e universidades estaduais, federais e municipais, englobando, pelo menos, 21 estados e mais o Distrito Federal. Não fosse o cancelamento do Enem num monte de escolas pelo Brasil, atingindo quase 200 mil vestibulandos, o país dificilmente teria conhecimento de sua obstinada luta. E pensar que tudo começou, num primeiro momento, nos colégios secundaristas do Paraná, alastrando-se depois aos demais estados. Até instituições superiores, como é o caso da PUC/SP, aderiu ao movimento e entrou em greve, desta vez por não ter o reitor eleito pela comunidade puquiana sido nomeado.

Embora cético hoje em relação ao presente do Brasil, lá na reitoria da Ufpi, diante daqueles jovens, readquiri um pouco de esperança nos destinos de Pindorama, pois vi estampado no rosto de cada um deles, como outrora vivenciei no passado, a certeza da vitória na luta que ousaram iniciar. Não pensando somente neles, no aqui e agora, mas em garantir uma universidade pública e de qualidade para as gerações futuras. E olha que quando a estudantada resolve lutar – e a história é pródiga em grandes lições dessa determinação -, ela não sossega enquanto não atingir seus objetivos. Foi assim na resistência à ditadura e na campanha das Diretas Já, para ficarmos em dois exemplos apenas. Aqui vale relembrar alguns versos de Aviso final, do saudoso Torquato Neto, poema no qual nosso “Anjo torto” sabiamente vaticinava: “É preciso que haja algum respeito,/ ao menos um esboço – ou a dignidade humana se afirmará/ a machadadas.”

Santo remédio

Ai! de nós sem os cientistas e suas descobertas. Estaríamos até hoje, acredite, mergulhados na mais aterradora escuridão. E o pior, reféns de crendices e superstições absurdas. Nada pior, afinal, que a ignorância, o desconhecimento das razões que nos levam a complicadas situações na vida, sobretudo, no campo da saúde. E de repente, depois de anos de pesquisa, surgem dois estudiosos que aliviam nossas dores, ao afirmarem, deixando-nos de boca aberto, que assistir à missa é “remédio para melhorar a saúde física e mental das pessoas”. Enquanto ficamos por aí angustiados, desnecessariamente, por um monte de bobagens e enriquecendo a indústria farmacêutica com toneladas de drogas. Inacreditável é que basta apenas, segundo os pesquisadores de Harvard, ir à missa, pelo menos, uma vez por semana. Portanto, uma solução simples e sem custos.

São dois esses filhos de Deus que chegaram a tão extraordinária conclusão: VanderWeele, professor de epidemiologia na Universidade de Harvard, e John Siniff, especialista em comunicações. Segundo eles, “saúde e religião estão muito ligadas” e, de acordo com o estudo que publicaram, pessoas que costumam frequentar serviços religiosos “apresentam um menor risco de morte na próxima década e meia”. Sem falar que reduz significativamente as taxas de depressão e suicídio nesse segmento. Caso ainda ache pouco, disseram que participar de missa “aumenta a probabilidade de um matrimônio estável, leva a maiores doações caritativas e um maior voluntariado e compromisso cívico”. Tudo por conta e obra de uma mensagem de fé e esperança que encontram nesse momento de entrega espiritual.

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Como faz tempo que não frequento missas, o alarme disparou nos meus ouvidos. Quem sabe não encontre aí explicações para uma série de doenças e neuroses que andam tirando o meu sono. Pra falar a verdade, nem lembro quando fui à missa pela última vez. Vez e outra, assisto a pedaços de missa nessas solenidades de formatura e casamento. Mas as coisas não funcionam assim, pelo que falam os eminentes cientistas, sendo preciso uma frequência semanal. Cristão relapso, confesso que missa nunca foi o meu forte, preferindo o diálogo direto com o Senhor e seu Filho. Desconfiado por natureza, sempre evitei os intermediários, até por considerá-los tão ou mais pecadores do que eu. Às vezes que dona Raimunda me levava às novenas na Vila Operária, às terças-feiras se não estou enganado, ficava quase sempre do lado de fora – paquerando as meninas bonitas do bairro e saboreando um delicioso picolé Amazonas.

E agora me surgem esses cientistas dizendo que ir à missa faz bem para a saúde física e mental. Caso tivesse ouvido minha mãe, ela que completou 92 anos este ano, estaria hoje livre de tantas apreensões e remédios. Em sua pesquisa, VanderWeele e Siniff destacam que “algo na experiência e participação religiosa comunitária é importante. Algo poderoso parece suceder aí e melhora a saúde”. Mas deixam claro que isto é bem diferente, como muitos pensam equivocadamente, incluindo o autor dessas mal traçadas linhas, de uma “espiritualidade privada ou prática solitária”. Ambos concluem afirmando que o resultado mexe até mesmo com os nossos propósitos de vida. E eu aqui, feito égua, sem eira nem beira nesta travessia absurda.

Escolas leitoras

leitoraA conversa em Altos girou em torno, dentre outros temas, da conquista e formação de novos leitores, tarefa bastante desafiadora nos dias atuais. Todos ali presentes, reunidos no Salão do Livro, queriam compartilhar estratégias nesse sentido: qual a melhor forma de levar alunos do ensino fundamental a gostarem do saudável hábito de ler? Embora não exista uma receita única para enfermidade tão grave que acomete o Brasil, é possível apontar várias ações imediatas e simples que, adotadas como filosofia pedagógica, costumam dar bons resultados.

Primeira, incentivar a organização de feiras literárias como a que estava ocorrendo no momento, tanto de caráter abrangente, atingindo o município em geral, quanto de aspecto restrito, realizada por unidade escolar, ambas celebrando o livro acima de tudo – objeto de desejo que permeia o imaginário das pessoas.

Segunda, criar o gosto pela leitura em sala de aula, não somente nas disciplinas de comunicação e expressão, mas envolvendo as matérias como um todo, levando os alunos a perceberem que os textos têm vida, descortinam infinitos horizontes e são fontes de importantes conhecimentos. Lembrando-os da sempre atual lição de Henry Thoreau: “Quantos homens já não iniciaram uma nova era em suas vidas ao ler um livro?”.

criancaA terceira é de fácil adoção também: criação de bibliotecas públicas, tanto nas escolas quanto em pontos movimentados da cidade, com empréstimos de livros aos interessados e renovação constante de seus acervos. Recomenda-se aqui que as pessoas escolhidas para administrá-las sejam criativas e, acima de tudo, amantes da leitura, daquelas que não só apreciam como inoculam a paixão pelo livro nas outras.

Outra ótima opção é organizar saraus poéticos com alunos e professores lendo textos de livre escolha, produzidos por eles ou estudados em sala de aula. Nessas ocasiões, levar escritores para falar sobre a arte da palavra, bem como de sua obra, é interessante e recomendável. Jorge Luís Borges foi quem, nesse aspecto, matou a charada: “Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca”.

Agora é bom frisar que nenhuma estratégia de fomento à leitura vai longe sem o verdadeiro comprometimento da escola e da família. Ou seja, professores e pais que abracem a causa, dando testemunho de devoção ao livro, fazendo com que o mesmo chegue às mãos da garotada, de preferência desde as séries iniciais. Querer formar leitores por decreto e sem dar exemplo, costumo falar, é tarefa quase impossível.

Daí a importância dos mestres e pais incluírem tal produto no cardápio alimentar da meninada, dentro e fora da escola – o livro apresentado como iguaria que nutre, sobretudo, nossa alma sedenta de explicações para o absurdo da existência. E que sirvam como sobremesa o delicioso pudim da escrita, essa instigante construção do edifício humano por meio da linguagem. Victor Hugo foi quem disse sabiamente: “Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como um corpo que não come”.

No diálogo estabelecido com os participantes do SaLiAltos, a maioria formada por mulheres, constatei feliz a disposição de todos em formar cidadãos éticos e “loucos” por livros, a chamada loucura mansa, como bem a definiu o saudoso bibliófilo José Mindlin. Para tanto, urge construirmos escolas e comunidades leitoras com urgência, sob o risco de esquecermos que “a virtude paradoxal da leitura é de nos abstrair do mundo para nele encontrar algum sentido”.