Num desses dias à tarde, fui visitar os estudantes que ocupam a reitoria da Ufpi desde o mês de outubro. Eles lutam contra a PEC 241 (que no Senado passa a ser a 55), Proposta de Emenda à Constituição que reduz as verbas para a educação, e a Reforma do Ensino Médio, que retira disciplinas fundamentais na formação acadêmica da garotada, tais como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. Ao contrário dos que afirmam que esses jovens não sabem de nada, tese preconceituosa e absurda, a garotada demonstra, pelo que constatei lá, no campus de Teresina, saber mais de seus interesses e demandas do que nossos governantes e representantes parlamentares em Brasília. A fala da estudante Ana Júlia, na Assembleia Legislativa do Paraná, que repercutiu dentro e fora do Brasil, é um inequívoco exemplo dessa consciência política.

Como professor e ex-líder estudantil, não poderia deixar de levá-los minha solidariedade neste momento em que as conquistas educacionais dos últimos anos estão severamente ameaçadas. Onde se viu cortar recursos e abolir matérias essenciais em área tão estratégica para o desenvolvimento do Brasil? E o que é mais lamentável, sem uma ampla e democrática discussão com os verdadeiros protagonistas desse setor: alunos, professores e pais. Na década de 80 do século passado, minha geração ousou lutar também contra os que insistiam em sucatear, a fim de privatizar, a educação pública nacional, uma vez que as elites da época diziam, como dizem agora, que “universidade é para quem pode pagar”. Enquanto muitos não acreditavam, fomos à luta e garantimos muitas vitórias: concurso para professores e funcionários (acabando de vez com as indicações políticas), casas universitárias, bibliotecas e laboratórios de qualidade, transporte decente, eleição direta para reitor e chefes de departamentos e o restaurante universitário (RU) servindo boas refeições.

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Subestimar a inteligência dessa meninada, como fazem as autoridades, não é a melhor saída para essa crise de proporção nacional. Mesmo não tendo o espaço merecido na grande imprensa, hoje o movimento deles não é nada desprezível e merece respeito, como atestam os números a seguir: 1.154 ocupações em escolas, institutos e universidades estaduais, federais e municipais, englobando, pelo menos, 21 estados e mais o Distrito Federal. Não fosse o cancelamento do Enem num monte de escolas pelo Brasil, atingindo quase 200 mil vestibulandos, o país dificilmente teria conhecimento de sua obstinada luta. E pensar que tudo começou, num primeiro momento, nos colégios secundaristas do Paraná, alastrando-se depois aos demais estados. Até instituições superiores, como é o caso da PUC/SP, aderiu ao movimento e entrou em greve, desta vez por não ter o reitor eleito pela comunidade puquiana sido nomeado.

Embora cético hoje em relação ao presente do Brasil, lá na reitoria da Ufpi, diante daqueles jovens, readquiri um pouco de esperança nos destinos de Pindorama, pois vi estampado no rosto de cada um deles, como outrora vivenciei no passado, a certeza da vitória na luta que ousaram iniciar. Não pensando somente neles, no aqui e agora, mas em garantir uma universidade pública e de qualidade para as gerações futuras. E olha que quando a estudantada resolve lutar – e a história é pródiga em grandes lições dessa determinação -, ela não sossega enquanto não atingir seus objetivos. Foi assim na resistência à ditadura e na campanha das Diretas Já, para ficarmos em dois exemplos apenas. Aqui vale relembrar alguns versos de Aviso final, do saudoso Torquato Neto, poema no qual nosso “Anjo torto” sabiamente vaticinava: “É preciso que haja algum respeito,/ ao menos um esboço – ou a dignidade humana se afirmará/ a machadadas.”