Ítalo Lima
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Eu morri a pauladas na rua

eu morri a pauladas na rua
quando andei de mãos dadas com meu namorado
eu morri a pauladas na rua
quando minha risada ultrapassou o som dos carros
eu morri a pauladas na rua
quando dancei livre na calçada
eu morri a pauladas na rua
quando saí de salto alto de casa
eu morri a pauladas na rua
quando nos lábios usei batom
eu morri a pauladas na rua
quando alguém julgou que eu exagerei na maquiagem
eu morri a pauladas na rua
e peço desculpas por ter sujado a calçada do vizinho
eu morri a pauladas na rua
e o último gosto que senti na boca foi do meu próprio sangue
eu morri a pauladas na rua
era uma terça
mas poderia ser quinta
segunda
eu morri a pauladas na rua
poderia ter sido nunca
eu morri a pauladas na rua
e com trinta segundos perdi a visão do meu olho esquerdo
em um minuto e doze minha mandíbula saiu do lugar
eu morri a pauladas na rua
mas não chorei
não porque eu sou forte ou coisa do tipo
quem sabe por ter sido, assim, tão de repente
eu morri a pauladas na rua
porque meu afeto incomodou a vizinhança
eu morri a pauladas na rua
e a esquina inteira fez silêncio
eu morri a pauladas na rua

e minha mãe até hoje me espera para a janta.

Ítalo Lima é escritor e publicitário. e-mail: italolimapoesias@gmail.com

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Cinema nacional – I

O país em crise econômica das grandes, com mais de 13 milhões de desempregados, e a culpa recai, acredite se quiser, sobre o cinema nacional, justamente quando ele vive uma de suas melhores fases – tanto em termos de produção de filmes de boa qualidade quanto em faturamento, garantindo sustento a milhares de brasileiros. Sem falar ainda de várias premiações internacionais abocanhadas ultimamente, a exemplo de Bacurau (Prêmio do Júri) e A vida invisível de Eurídice Gusmão (Prêmio Um Certo Olhar), dos cineastas Kleber Mendonça Filho e Karim Ainouz, que brilharam no Festival de Cannes deste ano. Além da ameaça de extinção ou privatização da Ancine (Agência Nacional do Cinema), o presidente Jair Bolsonaro, talvez achando pouco, quer retomar a triste censura da época militar, batizada de “filtros culturais”, eufemismo usado pra designar proibição do que não agrada estética e ideologicamente aos atuais “donos” do poder. Diante de tal absurdo, não custa nada passear um pouco, de forma sucinta, pela sétima arte nacional.

Seu aniversário é celebrado no mês de junho, mais precisamente dia 19, tendo nascido, segundo os entendidos, pelas mãos do ítalo-brasileiro Afonso Segreto, que ao chegar da Europa a bordo do navio Brèsil, em 1898, resolveu filmar a “Vista da Baía da Guanabara”. De lá para cá muita coisa mudou e hoje a produção audiovisual brasileira, entre altos e baixos, conquistou o público local e ganhou o respeito no mundo inteiro. De uma simples produção no final do século XIX, lançamos atualmente no mercado mais de uma centena de filmes por ano. Em 2013, por exemplo, foram 127 ao todo, alguns atingindo público recorde, a exemplo de Tropa de Elite, com mais de 10 milhões de espectadores. Já Bruna Surfistinha, alvo da crítica do presidente, foi visto por 2.176.999 pessoas. Mas nosso cinema ainda padece, infelizmente, de alguns problemas graves: reduzido número de salas de exibição no país e o preconceito do qual é vítima por muitos brasileiros, inclusive do mandatário maior da nação.

Aos que resistem em ver filmes nacionais, seja lá por qual motivo, aproveito essa discussão para sugerir títulos fundamentais na evolução da produção local, não como especialista no assunto, mas um mero apreciador de nossa cinematografia. Comecemos pelos “clássicos”, filmes já incorporados ao inconsciente coletivo brasileiro: O Ébrio (1946), de Gilda de Abreu, visto por cerca de 12 milhões de pessoas; O Cangaceiro (1953), primeiro filme a conquistar as telas do mundo, escrito e dirigido por Lima Barreto, inspirado na lendária figura de Lampião; O Pagador de Promessas (1962), filme de Anselmo Duarte baseado na peça de teatro de Dias Gomes, ganhador da Palma de Ouro em Cannes; Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, considerado marco do Cinema Novo e tido como o melhor filme nacional de todos os tempos.

Após uma crise profunda, agravada no governo Fernando Collor de Melo, quando o então presidente extinguiu a Embrafilme, veio a “retomada” na década de 1990, com filmes que levaram o público a se entusiasmar novamente com o cinema brasileiro. Dentre outros, vale destacar os seguintes: Carlota Joaquina – Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati, uma bela sátira histórica sobre a vinda e as aventuras dessa espanhola, esposa de Dom João VI, ao desembarcar no Brasil em 1808; O Quatrilho (1995), dirigido por Fábio Barreto, filme baseado no livro homônimo de José Clemente Pozenato, escritor gaúcho; Central do Brasil (1998), o road-movie de Walter Salles, talvez nosso filme mais conhecido no exterior, com Fernanda Montenegro indicada ao Oscar de melhor atriz; Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, adaptação do livro de Paulo Lins, abordando o drama do crime organizado em favela carioca.

Da produção mais recente, que não deixa nada a dever aos filmes estrangeiros, enumero uns cinco que deixam nossa alma dando pulos e cambalhotas de tanta alegria: A Busca (2013), dirigido por Luciano Moura, um drama centrado na história de Theo Gadelha (Wagner Moura), médico, que ao tomar conhecimento da fuga do filho ganha a estrada na tentativa de reencontrar-se como pai, esposo e gente; O Cheiro do Ralo (2007), filme de Heitor Dhalia, retrata com humor negro o sadismo de Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja de objetos usados, que explora e humilha pessoas em dificuldade financeira; Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios (2012), dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, inspirado no romance de Marçal Aquino, uma fascinante love story com final surpreendente; O Céu de Suely (2006), com direção de Karim Aïnouz, a triste história de uma jovem que, sem dinheiro, resolve rifar o próprio corpo a fim deixar sua pequena cidade; e, finalmente, Contra Todos (2004), de Roberto Moreira, filme que nos remete à violência das grandes metrópoles, depois do qual dificilmente o espectador continuará o mesmo.

Para onde vão as crianças

 

Acordei hoje cedo com mensagens de felicitação pelo dia dos avós. Delas e das minhas amigas. Elas e eu sabemos o doce sabor dessa vivência. Não estamos sempre juntas. Umas cá, outra lá. Entre nós algumas escadas ou horas de avião. No entanto, há sempre um jeito de resolver essa questão para felicidade geral. Ou para os vazios que se interpõem oferecendo leito para a angústia e as incertezas desse tempo.

Uma voz aqui dentro me diz que não é esse o tom que se espera para esse dia. Desculpa. Não consigo encontrar outro para o dia em que o fascismo dá o primeiro sinal de instalação oficial. Minha geração, avós em sua maioria, sonhou para seus filhos e netos um futuro de paz. Ousou projetar a construção de uma nação que lhes oferecesse oportunidades independente do lar de origem. Acreditou no processo democrático como método de discussão e aperfeiçoamento do caminho. E, logicamente, com correção dos erros inevitáveis. Perdemos. Não conseguimos encurralar aqueles que teimam em frear o curso da história como se houvesse possibilidade de retorno ao paraíso, que entenderam ser seu por direito divino. Aos demais, que aguardem outra encarnação ou o reino dos céus.

Nesse dia que devia ser feliz, olho para elas e meu peito dói. Dói pela perda que 2016 impôs. Perda da chance de oferecer à sua geração um país com possibilidades reais de desenvolvimento sustentável, a partir da inclusão social. No vácuo desses três anos reverbera o que as palavras ainda não conseguem nomear. Não se trata apenas dos altos e baixos próprios da vida, mas da angústia de ver escorrer por entre os dedos algo que foi palpável um dia. De ver a progressão natural reverter o seu rumo, em uma luta que não se deu em campo aberto, mas nos mesmos porões em que facilmente apodrece a sustentação das frágeis democracias latino-americanas.

Tateando entre aperto e estarrecimento, meu coração tenta apaziguar o desencanto abraçando as minhas crianças. Conto-lhes histórias de um rio de forte correnteza que exige, além da união de muitos braços, novos impulsos para se tornar navegável. Elas buscam imagens com as ferramentas que dominam muito melhor que eu. Sugerem que a tecnologia e a transparência, que ela permite, são instrumentos poderosos desta travessia. No sorriso delas descubro que, em algum momento, se fará um clarão e a idade das trevas voltará ao ontem, de onde nunca deveria ter saído.

Vendo passarem as mulas

 

Elas iam cabisbaixas sob o sol do meio-dia. Trotando de leve. Obedecendo ao comando dos que lhes punham cabrestos. Como se o céu não fosse um infinito azul. Como se as ondas não cantassem aos seus ouvidos. Ou a imensidão do mar nada lhes falasse.

– Upa! Upa, cavalinho!

Gritava o dono para despertar clientes. De cavalo mesmo, só um traço esquecido do seu DNA. Nem um pouco da dignidade que faz erguer a cabeça, impor o caminho e o ritmo do galope.

Para os ingênuos, sim eram cavalos. Montavam-lhe, a duras penas, o lombo. Davam voltas, enchendo o bolso do dono. E lá se iam as mulas cabisbaixas, cientes de seu papel neste mundo, agradecidas por terem um lombo e um dono. Quem sabe água e um pouco de feno ao pé de uma árvore no fim do dia. Ou, uma noite de descanso e o sonho de vir a ser cavalo.

As mais elegantes, se viam no espelho d’água sobre a areia e já se acreditavam cavalos. Outras sabiam que ainda não tinham chegado lá, e repetiam aos relinchos:

– Não somos os desprezíveis jumentos!

Passavam sob o sol, sem passado e sem futuro, ali diante do meu olhar estarrecido. As mulas!

 

Sergia A. (sergiaalves@hotmail.com)  vive em Teresina-PI, como aprendiz de letras e espantos. Mestra em Letras/Literatura, Memória e Cultura, é autora do livro Quatro Contos, Editora Quimera (Teresina, 2018) e participou de coletâneas diversas: A mulher na literatura Latino-americana, Editora EDUFPI/Avant Garde (Teresina, 2018); Conexões Atlânticas, Infinita (Lisboa, 2018); 2ª Coletânea Poética Mulherio das Letras ABR Editora (Guarujá, 2018); Antologia do Desejo: Literatura que desejamos, Patuá (São Paulo, 2018)

 

 

Olá, tudo bem?

 

Foi com esse bordão acima, repetido desde 2006 no Domingo Espetacular, programa dominical da Record TV, que Paulo Henrique Amorim despontou no cenário nacional, tornando-se um dos apresentadores mais conhecidos da televisão brasileira. A identificação era tamanha que, geralmente, as pessoas o cumprimentavam repetindo sua marca registrada. E melhor, com a mesma entonação inconfundível. A partir daí a empatia, com boas gargalhadas, brotava espontânea entre os interlocutores. Desde a madrugada da última quarta-feira (10), infelizmente, as coisas não amanheceram nada bem para seus familiares, amigos e admiradores. Fomos todos surpreendidos com a triste notícia da partida, após sofrer infarto fulminante, do grande jornalista carioca que dedicou a vida a cobrir fatos marcantes da história contemporânea, dentro e fora do Brasil.

Em novembro de 2015, tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Ao vir lançar O quarto poder – Uma outra história, no Cine Teatro da Assembleia, fui convidado para dirigir os trabalhos, incumbência que aceitei com o maior prazer. Diante de um auditório lotado, PHA discorreu sobre os bastidores da grande imprensa, batizada ironicamente por ele de PIG – Partido da Imprensa Golpista –, sob um olhar crítico e demolidor, retrospectiva de quem conhecia a fundo esse fantasma que manipula, em parceria com as elites econômicas e políticas, o imaginário coletivo de nosso povo. Não tendo absolutamente nada, sobretudo a Globo, de imparcial nesse tabuleiro sujo do poder. Concluída a palestra e dados os autógrafos de praxe, que foram inúmeros, rumamos para um restaurante a fim de saborear um prato típico da culinária local e, claro, trocar ideias sobre a conjuntura da época. Da conversa, ficaram seu humor refinado, inteligência fora do comum e uma risada maravilhosa.

A partir daí passei a acompanhá-lo por meio das redes sociais, especialmente do Conversa Afiada, blog de notícias que mantinha no Youtube com o objetivo de fazer um contraponto à imprensa comercial, desafiando o coro dos rendistas contentes, dos que teimam em algarismar os amanhãs. Entre outras qualidades, despontavam nele o amor pelo Brasil, a defesa intransigente da democracia e o combate diário à ideologia fascista. Lutas que o levaram a ser perseguido, processado e demitido de vários órgãos de imprensa – seu afastamento do Domingo Espetacular, por exemplo, para ficarmos no último e mais recente caso. Dizia, magoado, PHA: “Tantas são as ressalvas previstas na própria constituição que os poderosos supostamente ofendidos acabam por prevalecer na justiça brasileira. E assim, pelo bolso e pelo constrangimento político e moral, funciona de fato no Brasil uma censura à liberdade de expressão, uma censura à palavra, uma censura ao pensamento.”

Andando na Praça Benedito Calixto em 2016, bairro Pinheiro/SP, não é que encontramos – eu e Lucíola –, naquele formigueiro humano, a figuraça do Paulo Henrique Amorim, a quem cumprimentamos felizes, pelo acaso, com seu famoso bordão de guerra: “Olá, tudo bem?”. De memória privilegiada, ele nos reconheceu de imediato, abriu um sorriso e foi logo dizendo: “O pessoal do Piauí, não é mesmo?”. E durante alguns minutos, uma vez que ele tinha compromisso agendado, papeamos ali mesmo, na rua, sobre diversos assuntos. Enquanto falávamos de nossa ida à Balada Literária, comandada pelo intrépido Marcelino Freire, ele queria saber da cajuína, do calorão bom de Teresina e do gostoso capote que havíamos degustado naquela inesquecível noite de novembro. E agora ficamos privados, quando mais precisávamos, de sua voz lúcida e mordaz contra o discurso de ódio e a ameaça de autoritarismo que ameaçam o estado de direito. PHA, presente!