eu morri a pauladas na rua
quando andei de mãos dadas com meu namorado
eu morri a pauladas na rua
quando minha risada ultrapassou o som dos carros
eu morri a pauladas na rua
quando dancei livre na calçada
eu morri a pauladas na rua
quando saí de salto alto de casa
eu morri a pauladas na rua
quando nos lábios usei batom
eu morri a pauladas na rua
quando alguém julgou que eu exagerei na maquiagem
eu morri a pauladas na rua
e peço desculpas por ter sujado a calçada do vizinho
eu morri a pauladas na rua
e o último gosto que senti na boca foi do meu próprio sangue
eu morri a pauladas na rua
era uma terça
mas poderia ser quinta
segunda
eu morri a pauladas na rua
poderia ter sido nunca
eu morri a pauladas na rua
e com trinta segundos perdi a visão do meu olho esquerdo
em um minuto e doze minha mandíbula saiu do lugar
eu morri a pauladas na rua
mas não chorei
não porque eu sou forte ou coisa do tipo
quem sabe por ter sido, assim, tão de repente
eu morri a pauladas na rua
porque meu afeto incomodou a vizinhança
eu morri a pauladas na rua
e a esquina inteira fez silêncio
eu morri a pauladas na rua

e minha mãe até hoje me espera para a janta.

Ítalo Lima é escritor e publicitário. e-mail: italolimapoesias@gmail.com

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