Era uma fria tarde de sexta quando a cortina branca de meu quarto fitou-me pelo braço. Assustei-me ao perceber que tal pedaço de pano tinha forma e gesto feito humano. Que beleza disposta ali a me arrancar suspiros e desejos. Carregou-me nos braços como se peso algum sobrevoasse em meu corpo. Não tinha forma humana, tinha vida própria a cortina branca de meu quarto.

Entre fios e embalo, o beijo na boca era em qualquer lugar. Toda ela era carícia: a cortina branca de meu quarto. Beijo nenhum me foi tão sincero quanto os lábios esvoaçantes da cortina branca de meu quarto. Foram dias de cortejo e mãos dadas pela janela. Esqueci do emprego, de descer o lixo na calçada, de ir à padaria e responder os e-mails. Vizinhos batiam em minha porta, eu lá, nos braços formosos da cortina branca de meu quarto. Perdi a fome, não tinha sede e nada em mim era fraqueza. Havia apenas um amor incondicional pela cortina branca de meu quarto.

Logo me ensinou a dançar no embalo do vento, guiou meus passos como se soubesse a razão do outono. Girava-me em giros sóbrios, depois me cobria de beijos, e de beijos e voltava ereta novamente repetir todos os atos. E de novo, e de novo. Sem cansaços. Sem lamento. A me encher de ternura. Envolto ao ministério de uma forma fluida. Espessa. Bailante. Onde não havia tontura: nos braços da cortina branca de meu quarto.

Então ela me pediu em namoro. Eu trêmulo disse sim já quase nem acreditando. Foram dezenas de rodopios. Girávamos enlaçados. Como se fôssemos um só. Eu e a cortina branca de meu quarto. Fizemos amor na garoa fina do inverno. Despi-me ligeiro e atento para que o frio invadisse e de calor eu logo precisasse, para que nua a cortina branca do meu quarto tão rápido me envolvesse, aquecesse. Foi ali, envolto de um pano fino que fiz o mais esplêndido e sincero sexo de toda a minha vida. De me arrancar suspiros. De sobressaltar os olhos. A despencar pela janela. Eu e a cortina branca de meu quarto.

O hálito da morte tem cheiro de orvalho matinal.

Ítalo Lima é escritor e publicitário. e-mail: italolimapoesias@gmail.com

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