Elas iam cabisbaixas sob o sol do meio-dia. Trotando de leve. Obedecendo ao comando dos que lhes punham cabrestos. Como se o céu não fosse um infinito azul. Como se as ondas não cantassem aos seus ouvidos. Ou a imensidão do mar nada lhes falasse.

– Upa! Upa, cavalinho!

Gritava o dono para despertar clientes. De cavalo mesmo, só um traço esquecido do seu DNA. Nem um pouco da dignidade que faz erguer a cabeça, impor o caminho e o ritmo do galope.

Para os ingênuos, sim eram cavalos. Montavam-lhe, a duras penas, o lombo. Davam voltas, enchendo o bolso do dono. E lá se iam as mulas cabisbaixas, cientes de seu papel neste mundo, agradecidas por terem um lombo e um dono. Quem sabe água e um pouco de feno ao pé de uma árvore no fim do dia. Ou, uma noite de descanso e o sonho de vir a ser cavalo.

As mais elegantes, se viam no espelho d’água sobre a areia e já se acreditavam cavalos. Outras sabiam que ainda não tinham chegado lá, e repetiam aos relinchos:

– Não somos os desprezíveis jumentos!

Passavam sob o sol, sem passado e sem futuro, ali diante do meu olhar estarrecido. As mulas!

 

Sergia A. (sergiaalves@hotmail.com)  vive em Teresina-PI, como aprendiz de letras e espantos. Mestra em Letras/Literatura, Memória e Cultura, é autora do livro Quatro Contos, Editora Quimera (Teresina, 2018) e participou de coletâneas diversas: A mulher na literatura Latino-americana, Editora EDUFPI/Avant Garde (Teresina, 2018); Conexões Atlânticas, Infinita (Lisboa, 2018); 2ª Coletânea Poética Mulherio das Letras ABR Editora (Guarujá, 2018); Antologia do Desejo: Literatura que desejamos, Patuá (São Paulo, 2018)