Tecer era a atividade que ocupava o tempo e as mentes das mulheres do lugar em que eu nasci. Sabiam fazer e faziam bem. Fiar o algodão. Tingir os fios. Colocá-los no tear.

Contam que todas as casas ao redor ostentavam o seu tear de madeira, armado em algum cômodo. Em muitas delas, na sala de estar (ou de visitas, como costumávamos chamar). A batida do facão sob a urdidura fixando a trama era o som que acalentava os filhos entre uma mamada e outra. Ou, trilha sonora para conversas ligeiras desfiadas entre comadres.

Dali saiam as redes. No amplo sentido que a palavra comporta. O artefato do descanso. O artefato da preguiça. O entrelaçado de fios coloridos, com espessura a depender da força e energia das mãos, formando o tecido que sustentaria os corpos. Dali também partia uma modesta conexão com o mundo, assumindo por outros caminhos o significado que seu correspondente em língua inglesa (net) fortaleceu impondo um novo jeito de viver no século XXI. 

Tecer é conectar-se. Dizia a sabedoria das mulheres andinas muito antes da invasão europeia. Os próprios corpos interligados por fios a uma árvore. Teciam em grupo como se a árvore fosse o ponto de interação. Um cordão umbilical nutrido pela Terra, e através dela pelo Cosmos, fazendo florescer a memória ancestral. Os seus tecidos reproduzem, ao longo dos séculos, as formas geométricas repetidas na grande teia do universo.

Tecer é alimentar uma rede e ser alimentado por ela. Isso me vem enquanto estendo sobre a mesa o tecido que traz até mim a energia das mãos de mulheres do meu lugar em outro tempo. Já não são apenas redes para adormecer. São redes para despertar.  Para apoiar o alimento que nos reúne em volta da mesa.  Para oferecer sustento à conversa em torno de um café.  Manter no real a conexão virtual. Tantas tramas a tecer… A rede que nos diz: fomos, somos, seremos resistência.

Caminhei. Andei pelo mundo. Teci relatos. Fecho o ano retornando à origem só para desejar que 2019 se vá deixando não apenas as duras lições de suas sombras, mas o compromisso que nos leve a tecer um 2020 pleno de cores e de luz!