O Dito dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre,
alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse,
alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho,
miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.

(Guimarães Rosa, Campo Geral)

 

Desconfio sempre das receitas de felicidade, esse termo abstrato que só se concretiza em momentos únicos, às vezes imperceptíveis de tão pequenos e, portanto, não reaplicáveis. Contudo desde que a sua procura passou a ser objetivo de vida, tornou-se alvo das campanhas publicitárias que o vendem em qualquer esquina nas mais diversas embalagens. Então, eis que um dia me chega um convite para um concurso promovido por uma rede de supermercados. O desafio era apresentar uma receita de felicidade, com apenas 500 caracteres, tendo a Páscoa como tema.

Sem nenhuma pretensão com relação ao concurso mas sentindo-me desafiada, resolvi esquecer o incômodo da palavra receita ou da ideia de felicidade como objeto de consumo e descrever o pulsar das coisas miúdas. Um prazeroso exercício de paciência que o tempo de avó me permite realizar. A pressa consumista cede lugar ao sabor de pequenos gestos que ensinam sentir e respeitar o tempo do outro. Sacrifício. Aprendizado. Transformação. Algo me diz que isso tem a ver com Páscoa, ou não?

Ingredientes:

· 01 unidade de avó impaciente

· 01 neta de sete anos, delicada, curiosa e insistente

· 10 mm de chuva sem vento

· 01 livro de origami, com pacote de papel dupla face

· 01 frasco de paciência em gotas

· Ovinhos de chocolate a gosto.

Modo de preparo:

Junte avó e neta na varanda. Deixe a chuva cair até obter um clima ideal. Abra o livro nas páginas do coelho e da caixa estrela. Insistência ativada, a neta deve desafiar a avó com um sorriso irresistível. Iniciar as dobraduras, intercalando gotas de paciência até o ponto de consistência. Acrescente aos erros boas risadas. Misture os acertos com beijos e abraços apertados. Recheie as caixas com os ovinhos e reserve até o domingo de Páscoa. Repita o procedimento se achar que valeu a pena sentir no miudinho a alegria nas profundas.

 

 

Sergia A. (sergiaalves@hotmail.com)  vive em Teresina-PI, como aprendiz de letras e espantos. Mestra em Letras/Literatura, Memória e Cultura, é autora do livro Quatro Contos, Editora Quimera (Teresina, 2018) e participou de coletâneas diversas: A mulher na literatura Latino-americana, Editora EDUFPI/Avant Garde (Teresina, 2018); Conexões Atlânticas, Infinita (Lisboa, 2018); 2ª Coletânea Poética Mulherio das Letras ABR Editora (Guarujá, 2018); Antologia do Desejo: Literatura que desejamos, Patuá (São Paulo, 2018)