Para não desacreditar, fiquei com um pé atrás. No dia marcado fiz tudo que devia. Atividade física no amanhecer. Contas pagas antes do entardecer. Últimos presentes de natal comprados. Saudei amigos distantes. Visitei parentes. Um corte no cabelo. As unhas ganharam nova cor. Presenteei-me com uma hora de silêncio arrumando gavetas. Nelas encontrei, entre guardados antigos, uma pintura em cobre que veio comigo de uma das viagens pelos Andes chilenos dez anos antes. Então, o dia esticou cada minuto de suas longas horas.

Lembro que, entre os muitos artefatos em cobre ofertados aos turistas, me senti atraída por aquele objeto de forma circular. Não o entendi, é fato. Talvez pela minha deficiência em língua espanhola, a explicação que me foi dada se perdeu. Ficou registrado que não era uma referência Inca, como pensei a princípio. Era Maia. Ficou também o fascínio da minha visão linear do tempo diante daquela concepção espiral, que levava a uma contagem cíclica. Por alguns anos ele esteve pendurado no hall de entrada do meu apartamento. Retirei-o pelo constrangimento de não saber explicar, aos mais curiosos, o que representava cada trecho do minucioso calendário. Ou talvez, porque ele ficava ali dando conta da minha ignorância sobre os avançados conhecimentos de povos bem próximos.

Embora fosse fácil dizer (e eu não estaria mentindo) que das civilizações antigas estudávamos os egípcios, os gregos, os persas, mas não coube no calendário escolar do meu tempo estudos mais profundos sobre os Incas, Maias, Astecas, ou outros povos que habitaram os solos latinos antes que latinos fossem. Calaram-se seus mitos e cosmogonia em favor dos valores religiosos e culturais dos conquistadores. Uma barreira difícil de ser rompida, salvo pelos persistentes estudiosos que decifraram todos os escritos que escaparam da devastação espanhola. Mas isso fica guardado nos livros para quem se ocupa dessa área do conhecimento. Os simples mortais ficamos à mercê das ondas.

E eis que o fim do décimo terceiro baktun despertou interesse e vestiu aquele ano de uma natural curiosidade sobre a cultura Maia. Os pesquisadores afirmam ter sido 2012 um ano importante, não apenas pela visibilidade proporcionada pela interpretação do acontecimento como profecia, mas por novas descobertas como a “sala de um escriba” em um sítio arqueológico na Guatemala, cujos números e imagens confirmam que de fato os Maias operavam com inúmeros ciclos astronômicos. Daí a sua visão cíclica do tempo.

Em um mundo em que para muitos as cenas apocalípticas são diárias, nada é mais acalentador do que a ideia de que a vida cumpre ciclos e se renova. Cá para nós, publico esse texto com a esperança de preencher o vazio que me atormenta. Espantar esse incômodo que me assalta quando encaro o avanço do obscurantismo, a negação de conhecimentos básicos como os que a astronomia/astrofísica tem nos proporcionado desde as civilizações mais antigas. Ou, a negação do valor da ciência, da pesquisa, da filosofia. Tudo para justificar a ganância que um dia, com ou sem profecia, nada valerá. Quem sabe no novo ciclo desse mundo polarizado, os homens tão ciosos de suas diferenças se deem conta de sua origem e do inevitável destino comuns.