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É possível caminhar

(por Samária Andrade)

memmorias de um sobrevivente

Costumamos falar por aqui que aprendemos um tanto com nossos entrevistados. Não só com o que dizem e nos fazem pensar, mas também o que buscamos recolher sobre eles, em outras fontes, mesmo que muitas tão próximas a eles.

Para fazer a entrevista com Luiz Alberto Mendes, lemos seu blog, sua coluna na Trip, suas postagens no face e alguns de seus livros, em especial “Memórias de um sobrevivente”- o primeiro, escrito e lançado com o autor preso, impregnado de vivências, dores, sentimentos. Impressionam os relatos de quem conhece a engrenagem da prisão por dentro, o bicho-homem, com todas as suas falhas, fragilidades e uma inesperada esperança. São sinceras as histórias das relações entre os presos, a busca de se posicionar como um bandido safo, a dúvida sobre quem é mais bandido ali: quem foi preso ou quem vigia e tenta controlar o que parece incontrolável.

Aqui de fora, você não sabe o que é aquilo. Luiz Alberto sabe. E conta sem amarras, apesar de nos falar, na entrevista, que no livro só tem 10% da verdade. Viver 32 anos preso foi muito mais duro do que se pode ler em “Memórias”. A editora Companhia das Letras aconselhou Luiz Alberto a cortar muita coisa. As 800 páginas inicialmente escritas caíram para pouco mais de 400. ¨Disseram que eu ia massacrar o leitor com aqueles acontecimentos. E ia mesmo” – diz Luiz Alberto na entrevista à Revestrés.

Siga até o final do livro, e encontre nas últimas oito páginas, reunidas sob o título de Epílogo, mais um novo Luiz Alberto: este, um escritor mais maduro, mas com a mesma sinceridade: “Embora, não sei em que porcentagem, talvez possamos regredir, afundar, chafurdar, fracassar, destruir e sermos destruídos, sempre é possível levantar e caminhar”.

Tá lá na página 410.

Insustentavelmente amor

“Não se afobe, não,
Que nada é pra já”

Chico Buarque canta esse trechinho que diz tanto pra mim. Tem dito mais ainda ultimamente. Tenho tentado exercitar a paciência, a flexibilidade, a compreensão…Para escrever aqui, revi meu blog antigo e me vi assustada com as coisas que eu dizia. Irredutível, condicionada às certezas inabaláveis, inflexível. Assustador, com certeza! Morro de medo de rever coisas que escrevo. Se existe um momento que adio a todo custo é olhar pra mim mesma no passado. Ai, que vergonha daquele serzinho toda cheia de si anos, meses, dias atrás. Sempre que releio, rasgo tudo! Insuportável relembrar que tive a ousadia de escrever o que estava pensando e sentindo.

Se eu me arrepender de algo escrito aqui e você der falta, não ligue. Pode ser um súbito momento de profundo desgosto. Para evitar essa frustração de lidar com o que escrevo, resolvi fazer esquemas. No bloquinho de anotações, esquematizei sentimentos, sensações e insatisfações numa tentativa de analisar matematicamente aquele pandemônio interno. Nesse experimento, teve direito a tudo: data, setinhas sinalizadoras de positivo e negativo, legendas e post its.

De vez em quando, utilizo esse recurso. Quando canso de investigar, explorar e esmiuçar cada grão dessa íntima desordem e desisto de tentar etiquetar qualquer eco que venha de mim, gosto de acreditar que existe amor.

“O amor não tem pressa,
Ele pode esperar em silêncio”

Continua Chico, nessa música tão singela, falando de amor. Acho que é esse que fica guardadinho na gente esperando coisas para serem amadas: pessoas, caminhos, memórias. Uma calma carinhosa, que se apodera de você, disposta a esperar o tempo que for preciso para ter algo que se queira bem.

Nesses carinhos que a gente encontra, outro dia encontrei uma coisa guardada que nunca tinha aberto antes. Desde os sete anos de idade, jogo tudo que julgo importante dentro uma caixa. Sem dúvida, uma metáfora de quem escolhe, constantemente, guardar e jogar fora. Não poderia se esperar outra coisa de quem esquematiza as angústias internas e coloca post its nelas. De qualquer forma, bilhetes de amigos de infância trocados na escola, cartas de amor adolescentes e todo tipo de lembranças personificadas em objetos foram guardadas ali e revividos depois de 15 anos. Acho que era o amor daquela tarde esperando para ser amado.

Isso porque aqui, pode ser que felizmente, quando existe amor, existe muito amor, amor demais. Eu gosto de me gabar por aí que sou de escorpião com ascendente em escorpião. Relevando toda a intensidade que é ser assim, entre as coisas que eu mais gosto está a intuição apurada. Aquele não-sei-quê que te aponta o que fazer e o que deixar de fazer na vida. Um palpite, uma inspiração, um pressentimento que te guia e te impede. Sobrenatural! Quando estiver de bobeira por aí, pode me chamar pra um papo raso sobre astrologia. Adianto que não rejeito sorvete em quase nenhuma circunstância e tenho grande oscilação de humor.

Sigo cumprindo as regras que vêm de dentro – pura intuição – e, guardando meu medo de ficar, na espreita de acontecer algo novo digno de amor. Acho que esse espaço vai ser assim: todo amor, muito amor, amor demais.

Fica, vai ter post!

Deus é música

Sempre que eu gosto muito de um cantor/cantora/escritor/artista, eu imagino que barato seria ser amiga dessa pessoa. Sentar pra bater um papo com Manoel de Barros na sua oficina de desocupação. Tirar uma selfie com Caetano de cueca. Ligar para Gal pra saber o que é que há. Jogar futebol (eeeeu?) no sítio dos Novos Baianos. Essas viagens.

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Mãe e filho no show “Baby Sucessos – A menina ainda dança” (2014)

Algumas, que é o caso de quem vou falar agora, eu congelo no tempo, no meu desejo medonho e egoísta de ter sido sua contemporânea: Baby Consuelo. Acontece com a Gal também, eu não sei, eu queria ser sua amiga de praia em pleno os anos 70, show Fa-tal, píer de ipanema, etcétera e tal.

Mas eu não sei se bateria o mesmo lance que eu tenho certeza que bateria com Baby. Eu queria ser aquela amiga que a convidou para fugir de casa. Pintaríamos, juntas, os cabelos. E eu veria sua meia dúzia de filhos nascer – quem sabe seria tia-madrinha da Buchinha, ou botaria Zabelê para dormir cantarolando “Acabou chorare”.

Loucuras à parte, tudo isso é só para dizer que nada me tocou tanto, artisticamente, nos últimos tempos, do que o show “Baby Sucessos – A menina ainda dança”. Eu não queria que isso aqui se transformasse em “crítica de disco”, longe de mim. Mas quero tentar ser clara e precisa sobre tudo que senti vendo/ouvindo esse DVD (que aliás, assisti 4 vezes em dois dias).

Baby sempre esteve na minha memória musical porque minha mãe sempre gostou muito de cantar – e meu pai tocava algumas coisas do Moraes Moreira, mas ambos desprezavam um pouco a parte Novos Baianos, que vim conhecer e curtir na adolescência. Depois veio o Pedro Baby, quarto filho de Baby e Pepeu Gomes, que eu conheci tocando com a Gal – é ele o responsável por aquela parte que todo mundo chora, no Recanto, com o solo de Vapor Barato.

Aconteceu (pelo menos é como eles contam), que Pedro teve a sacada de convidar a mãe para um show revivendo seus grandes sucessos. Baby, que há décadas não cantava nenhuma daquelas músicas (ela virou pastora, ou “popstora”, como ela diz), precisou consultar o senhor seu deus para conseguir o aval, mas ele já estava na voz do Pedro: “Você acha que deus não ia querer ver um filho tocando com sua mãe?”

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Baby e 4 dos 6 filhos. Cantou no Rock in Rio em 85 com barrigão de oito meses.

E ela foi. E o show é simplesmente LINDO. Pedro convidou uns amigos (Betão Aguiar, no baixo, é filho de Paulinho Boca de Cantor), montou o repertório e é quem dirige o show. Escolheu a dedo as canções e, mesmo mantendo os arranjos originais, pareceu dar cara nova a tudo. No set, algumas que eu amo de paixão (A menina dança, Tinindo Trincando) e todo o lado esotérico de Baby. Ela quis acrescentar o gospel e ele, enfático: “Mãe, repare bem nas suas letras e me diga se não há, em todas elas, uma presença divina”.

Sinto mini arreperios quando ele transforma os versos de “Planeta Vênus” em “Estamos com saudade, Baby” e a plateia, quase totalmente tomada por pessoas da minha geração, que nunca tinham visto a cantora mais porralouca do Brasil cantando aquilo, grita eufórica. É muito bonitinho também quando ele toma um afoxé da mão da Baby em “Sorrir e cantar como Bahia” (essa não entrou pro DVD, mas tem demais no Youtube) e tira ela pra dançar. Apenas muito, muito amor.

Pra ficar tudo ainda mais amorzinho, em setembro, Pepeu Gomes se junta a eles e o trio, então, vai se apresentar no Rock in Rio. Tudo em família. Queria, assim, pra minha vida.

E Baby continua lá, cantando rouquinha, doidinha, menininha. E Pedro, na sua timidez destemida, toca demais. Agradeço por ter insistido na ideia de trazer Baby de volta de matrix (hahaha) para a gente. No fundo eu sempre soube que, em algum lugar por aí, a menina ainda dança.

Címbalos, lutas e olhares

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Nada mais recomendável que abrir este Blog falando de um velho e querido amigo: Emerson Araújo, professor e poeta da melhor qualidade. Natural de Tuntum, interior do Maranhão, onde voltou a residir novamente, ele se formou em Letras na Universidade Federal do Piauí e atuou no magistério de Teresina por anos, lecionando literatura em várias escolas de nossa capital.

Na Federal, fizemos parte da mesma gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE), chapa Espinho, e travamos lutas memoráveis em defesa da melhoria do ensino superior e contra a ditadura militar. Há poucos dias, Emerson voltou à Verde Cap para lançar seu mais novo livro de poesias: Címbalos, lutas e olhares – obra patrocinada pela antiga Fundação Cultural do Piauí (Fundac), através do Sistema de Incentivo Estadual da Cultura (Siec), e com selo da Editora Quimera.

O livro é dedicado ao pai já falecido, Hiran Silva, e conta com a bela apresentação de Assunção Sousa, professora de literatura da Uespi e Ufpi. Após tantos anos sem publicar, o poeta retorna mais amadurecido e zeloso no manejo das palavras, combinando com maestria conteúdo e forma, de tal maneira a sensibilizar o leitor com os seus textos.

Bom tê-lo de volta em livro outra vez, o Emerson Araújo, sacudindo nossas emoções e pondo abaixo algumas certezas. Saravá, poeta!

 

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O tempo parece ter feito bem ao poeta, igualzinho a vinho, pois cada poema lido deixa um gostinho de prazer e leveza na gente. NOVA POÉTICA, em versos metalinguísticos, é um ótimo exemplo disso: “Juntar a palavra medida / Num cálice de diversas linguagens // Sorver em goles pausados / Todas as letras / Todos os sons // Só depois burilar / A palavra rendida na temática / E ofertar ao ávido leitor / Uma fruta lambida.”

Um tema presente nas páginas do livro, abordado por todo grande poeta, é o do lirismo amoroso, mas desprovido, como deve ser, da carga de pieguice e sentimentalidades que infestam a poética nacional. Em Emerson Araújo, o amor brota natural e com delicadeza, sem assustar nem provocar desconfiança na musa inspiradora, como ilustra O NOME DELA:

A palavra que cultivo neste início de verão
Não traz novidades e nem espumas
Há um sol querendo vencer matas secas
Sinais de pés pela estrada
Em lençóis perfumados.

A cantiga de amigo não é minha
Não há vozes profundas nela
Apenas uma mocinha acenando
E um olhar de devorador de estrelas
Pulsação e vertigem no umbral.

Somente o beijo que te dou
Faz poeira e sedição
Há um sol vencido no fim de tarde
Ovelhas no pasto, mulher cortando arroz
O sertão imaginado no nome dela.

Bonito ver o poeta homenagear nos seus escritos, sem cair em louvores estéreis, figuras que o marcaram profundamente, tanto do ponto de vista artístico (Torquato, Borges, Neruda, Rimbaud, Niemeyer) quanto político (Mandela, Marighella) e religioso (Jesus). Ao escritor argentino, ele dedicou um quinteto dos mais bonitos: “Nesse meu tempo de maio / Não sou de mim / Labiríntico / Vou manipulando dédalos / Até o fim”.

Num tributo a Tuntum, Emerson Araújo expressa, em linhas telúricas, sentimentos dolorosos de saudade e crítica: “O poeta canônico volta e meia / Canta a saudade da sua terra / Em versos de extensas frases / Mas o poeta anatômico / Não tem disso não / Ele nem canta / Rabisca palavras ao léu / Para dizer apenas / Que a sua terra é / Um tristecéu.”

O que a gente anda vendo e fazendo por aí

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