Por José Vanderlei Carneiro

 

Tempo dos tempos! O mundo precisa de oração, de transcendência e de espírito de reflexão. O calendário católico convida os cristãos, por quarenta dias, a interiorização e mudança de atitude, isto é, tempo quaresmal. É um período profundo de silêncio, de fé e de compaixão. A semana santa vem depois dessa experiência: revisão de vida. É tempo de conversão e de renovar os propósitos do coração. Tempo de preparar a alma para acolher o sentido maior do amor, que se realizou na opção radical da Graça Divina ao assumir a condição humana, de todos e de todas, preferencialmente dos mais pobres, redimidos pelo sangue do justo e pela dor dos deserdados do mundo. A comunidade cristã, neste período de reflexão vivencia o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus e com Ele de todos os povos que teimam em continuar o projeto salvífico de Deus – “só o Amor Salva!”

Nossa tarefa, hoje, é atualizar este acontecimento de fé e de vida. Isto significa dizer que para além de celebrar o tríduo pascoal, é imprescindível compreender a beleza de Deus no mistério humano, passando da paixão ao amor. Esta ideia tem alimentado muitas experiências de homens e de mulheres comprometidos com a emancipação da vida. A paixão, morte e ressurreição de Jesus estão imanentes na constituição terrena do ser humano, no qual os homens e mulheres se irmanam com a dor e o gozo de todos os povos que passam pela realidade da cruz. A paixão de Jesus começa na sua encarnação, na experiência de sofrimento do pobre, na privação da dignidade e na possibilidade de estabelecer diálogo em liberdade.

O tempo é tecido de contradição, no qual o justo é transformado em vítima e o verdugo em juiz. Pois toda vez que uma instituição ou corporação de poder, seja ela política, econômica, ideológica ou eclesial usa de mecanismos para ludibriar, fere substancialmente o sentido originário da convivência planetária. Sem esse sentido desencadeia um processo de insegurança absoluta das pessoas, configurada na banalidade moral do político, da governança da república e do respeito aos direitos garantidos dos cidadãos.

O objetivo da Campanha da Fraternidade, deste ano, busca o sentido da vida como dom e compromisso, que se traduz nas relações de mútuo cuidado com as pessoas e com o planeta – casa comum.  “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). A abertura de coração vem da hospitalidade samaritana, do olhar terno e compassivo, desprendido da lei e do egoísmo. É tempo de ressurreição e de vida solidária. Tempo de descer a humanidade esquecida da cruz… “tempo de descer da cruz os povos crucificados”, acompanhando o teólogo espanhol, Jon Sobrino.

Desta forma são muitos os crucificados no estado de insegurança. Aqui, já estão incluídos todos os pobres ao sacrifício. Pois estes, conceitualmente, são aqueles que estão desprovidos das condições mínimas de vida: lugar decente para morar, trabalho estável, alimentação razoável, acesso a educação e ao serviço público de saúde… falando em saúde, existem aqueles que não têm água nem sabão, não tem condições mínimas para se protegerem contra o vírus da morte. Os pobres vivem em permanente situação de indigência e de vulnerabilidade. A experiência da morte é um fato presente tanto no cotidiano das famílias como nas manchetes dos jornais.

Para o teólogo Gustavo Gutierrez, os pobres são “aqueles que morrem antes do tempo” ou para história são aqueles que morrem em campo de concentração ou quarentena institucional. “Vida Nua” diria o filósofo. Mas na minha oração, ninguém deve ser levado à morte. Pois com Jesus o véu que separava os que morriam daqueles que eram mortos foi rasgado. O ser humano se encontra consigo mesmo, com o seu duplo sagrado. “E o véu do templo se rasgou em duas partes, de cima abaixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam” (Mateus 27,50-51).

Este evento da experiência cristã, a semana santa, fundamentalmente, é tempo de reflexão, de assumir a cruz dos vulneráveis, de renovar a alma e de esperança – eis o tempo de Páscoa! Leonardo Boff chamaria isso de uma teologia militante “sem pretensas neutralidades nem hipocrisias equidistantes”. Este posicionamento teológico ajuda a compreendermos o sentido desta experiência como passagem da paixão à “contemplação para alcançar o amor”.