Por Estevan de Negreiros Ketzer

 

Quando pensamos sobre o que pensamos articulamos a possibilidade de pensar, no infinitivo, o pensado, substantivo. Com isto estamos dando algum lastro para que não haja somente um conceito, mas sim exigimos um esforço ou trabalho sobre o que já está articulado, porém, não conhecido pela experiência. Isto quer dizer, já possui lugar, portanto pode ser encontrado tanto na história das ideias como em uma rede neural entre dendritos e axônios. Este paradigma também me conduz a crer que certos pressupostos lógicos também estejam articulados nesta atividade. Ledo engano.

Quando tratamos de educação em um país em que 29% de sua população é composta por analfabetos funcionais, segundo o IBGE, totalizando algo em torno de 38 milhões de pessoas. Ao realizarmos o exame PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), obtivemos em 2018 o número 59º lugar entre 79º países. Esse número não seria tão ruim não fosse o fato de investirmos 5,7% do PIB. Um investimento muito alto. Podemos perguntar tranquilamente por que ainda não temos uma série de ganhadores do Prêmio Nobel. Não temos e não teremos as condições para ter um, pelo menos não um com sua formação integral no Brasil. Pelo simples fato de que investimos muito mal esse dinheiro, muito pior, investimos muito mal no básico, e temos dificuldade de ajudar nossas crianças a lerem. Ler é decodificar um código, letra por letra em seu fo-ne-ma, articulando sons com a boca, ativando regiões do cérebro responsáveis pela linguagem, como o lobo temporal (som) e córtex frontal inferior (avaliação da informação). Esta região é completamente diferente de região que gera imagens em nosso cérebro, como vemos na parte posterior do córtex pré-frontal. A linguagem com o tempo também é algo que se desenvolve, ela percorre nossa capacidade afetiva e cognitiva, nos torna seres cada vez mais complexos e também nos ajuda a preparar as diferentes dimensões da realidade que nos cerca.

Então trazemos a pergunta: o que é ser um intelectual no Brasil? Quem de nós é capaz de tornar a linguagem complexa a partir de uma base educacional simples? Sem a base educacional simplificada na estrutura fo-ne-ma, não temos como adquirir um significado complexo da linguagem. Nas palavras de José Monir Nasser: “O que chamamos de educação é na verdade ensino.” Transformamos a ideia grega de Paideia, amplitude da realização de nossas virtudes, em uma fábrica de diplomas, numa espécie de bom mocismo e tapinha nas costas que vem tornando-se paulatinamente sinônimo de incompetência em todas as áreas, tanto práticas quanto teóricas. Tão pouco fomos ensinados a discutir com argumentos sólidos sobre um determinado ponto de vista. Nossa educação se massificou para que concordássemos solenemente em entender sem o necessário empecilho das dúvidas. E neste ponto, justamente pela dúvida, é que nasce a curiosidade pelo saber.

Nosso sistema simplificado, burocratizado, simplesmente transformou os estudantes em profissionais práticos ou profissionais teóricos. O temor reside em esquecermos que ambos lidam a favor da sociedade na luta por melhorias na qualidade de vida de todos os brasileiros. Temor de estarem ambos alienados dessa função primordial, seja aqueles que trabalham para o Estado ou os profissionais autônomos. Em ambos os registros tanto a inteligência quanto a efetividade, são necessários. E aí podemos questionar a qualidade que estes profissionais têm ao avaliarem a sociedade e darem justificativas para suas decisões. Aqui pesa a ideologia muito mais do que a consistência de técnicas ou métodos para construir a partir de um dado uma informação. Vemos esta dissolução com a perda da verdade na relação entre professor e aluno, por exemplo.

Avançamos então um pouco além do ensino fundamental e médio para encontrar o professor diante do ensino superior, aquele que é o mais altamente qualificado para o cargo, pois ensina e prepara futuros profissionais. Quem é esta pessoa? Que espaço ele ocupa na mentalidade brasileira? O que este profissional produz? E só por estas breves questões encontramos profundas diferenças se o compararmos aos que não são acadêmicos. Parece haver um “destaque” que lhes outorga não o direito, mas sim o dever de um saber. E com este questionamento vemos a tamanha quantidade de artigos, livros e demais produtos desenvolvidos para agradar satisfatoriamente seus pares. Este profissional atingiu um “destaque”, certamente pelo seu mérito, mas não podemos negar que ele cumpre também uma função social muito interessante. Ele não apenas produz muito como, em ciências humanas, adquire um estatuto de autoridade sobre o conhecimento, um lugar privilegiado entre os outros profissionais que não estão ali, pois avaliam teses, escrevem pareceres, dão menos aulas do que um professor de nível básico. Estamos diante de uma figura que aparece como parte dessa antena da sociedade, como Ezra Pound reconheceu bem na figura do intelectual. Não apenas isso, como muitas vezes ele é por nós assim chamado de “intelectual”, ainda que revele problemas de educação básica profundamente enraizados na sua formação primordial. Esses problemas estão lá, em estado de sono, mas quando se levantam parecem muito fatigados, no melhor exemplo de Nietzsche, apresentam a perturbação da virtude. O tempo é mal aproveitado e não poucas vezes nascem produtos teratológicos que nem mesmo uma formação superior é capaz de desenvolver. E quem traz a verdade para qual espécie de público? Estou agora me referindo a figura do jornalista ou aquele que deveria assim sair da sua opinião e mergulhar no campo da argumentação diante dos fatos. O jornalista ao entrar no mesmo sistema que o professor recebe a mesma alcunha de antena social, tradutor dos anseios ou Robin Hood dos sem voz em nosso país. Sua figura pesa não apenas na fabulação de uma justiça maior do que o STF, mas torna-se capaz de mobilizar as massas ignorantes em favor de um realismo utópico, preparando eleitores de vinte anos que estão prontos à militância das minorias. Uma realidade mais real que a realidade? Talvez esta se torne a assinatura deste comunicador. E não menor é o tormento de quem precisa estar por dentro das notícias fresquinhas do dia, com ou sem Covid-19, com ou sem fakenews. Esse mal estar já nos atravessa desde a entrada dos militares no poder, quando a educação se massificara mais ainda com a obrigatoriedade do ensino técnico, durante a década de 1970 e a precariedade da educação básica e média. Isso só torna a pergunta mais inquietante: quem ou para o que estamos formando? Qual é o sistema que opera em silêncio ainda que seja destinado tanto em termos financeiros à educação, mas tão pouco da qualificação de toda a sociedade para esse dinheiro? Qual é o real sentido de pensar em uma terra devastada que não abandona sua dimensão outrora colonial?

E aqui todos nós somos um: um voto pelo lugar de fala que não seja apenas de minorias, tais como índios, transgêneros, negros, miseráveis, loucos, ou deficientes congênitos de todas as espécies. Entretanto, eis aqui um voto pela dignidade expressando assim o desejo iminente pela cidadania cada vez mais esquecida. Não será importante ao intelectual ser cidadão brasileiro e participar do mesmo desconforto consigo antes do que com a sociedade? Ali onde o constrangimento sofre sem resposta ou deixamos as massas nos afetarem…