Por José Vanderlei Carneiro

 

O que escrevo, eu sei, não diz o que sinto. Não direi um palavrão. Não farei nenhuma apologia ao crime. Não disseminarei o ódio, nem mesmo em nome da paz. A palavra sofreu interrupção e a justiça foi golpeada. É como se houvesse um surto insano generalizado. Todos os sentimentos ruins se tornaram públicos. As instituições foram banalizadas sem credibilidade nem respeito. Restou o indivíduo com sua estupidez. O indivíduo sem propósito se tornou aquilo para qual foi inventado – homo demens, demens! É a materialidade da violência. “ – Você sabe, estou pensando em uma coisa. Na prisão, as pessoas são autorizadas a sair para tomar ar fresco ou para tomar sol todos os dias, mas nós, aqui, quase nunca saímos.”

Não sou Martha de Catharina Ingelman-Sundberg. Não praticarei nenhuma contravenção, mas prenda-me, por favor! Você acha que ainda tem algum um lugar em que a razão não seja absolutamente fútil e que o direito não tenha sido usurpado? Veja a expressão da política contemporânea: política ou antropofagia. “Pouco me importo!” Está escrito: “Tudo vem do pó e tudo retornará à lama”.  E nós assistindo nas redes! Venho nos frames do pensamento, desejando um lugar ao sol, pois está tudo tão cinza nestas manhãs. Não tenho conseguido distinguir o “cidadão de bem” do cidadão normal.  “Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos ofendidos! Você sabe bem: Conheço o meu lugar!”

Não desejo ser feliz, não quero saber de Agostinho, Lutero ou Calvino. Nem do Deus deles.  “Serás Deus ou Deusa? Que sexo terás? Mostra teu dedo, tua língua, tua face…  Deus dos sem deuses.” Eu quero mesmo é ter uma vida em texto, corpo e gozo. Portanto, prenda-me, por favor! Do contrário, vou fazer igual ao amigo do amigo meu, “Vou-me embora para Pasárgada. Aqui eu não sou feliz. Lá a existência é uma aventura. De tal modo inconsequente…”, sem hipocrisia ou moral farsante. “- Você entende? Eu posso querer morrer jovem ou mais tarde possível, mas quero viver a vida como ela é, enquanto eu puder.” Mas aqui não fico. Não gosto de armas, não posso falar nem ter amigos, não existe lei nem leitor, somente amenidades e palermice.

Preciso conversar comigo. “Deus dos sem deuses. Deus do céu sem Deus. Deus dos ateus. Rogo a ti cem vezes. Responde quem és?” Quase como uma “lógica extravagante” analisada pelo filósofo francês. Eles jamais compreenderão! Pois o que nos orienta na vida é o avesso do avesso das coisas do coração, uma espécie de inversão da sensatez. “Jamais poderão aprisionar nossos sonhos!” Se para o grego antigo, o filósofo tinha a função de governar com sabedoria, para o tupiniquim moderno é preciso somente um atestado de insanidade mental para navegar sobre a geração wi-fi. O sentimento de humanidade se tornou clamor do espírito. Esse é uma dimensão do amor incompreensível. Para chorar precisa-se apelar aos tribunais.  A que ponto chegamos!

Prenda-me para que eu possa ler mais, meditar mais, amar mais, ir às profundezas do silêncio para contemplar a delirante forma de pensar do menino. “Os meninos e o povo no poder”. Equivoco absoluto. Reina a irracionalidade, o ressentimento, o ódio… O fim da política foi efetivado. Eu preciso voltar à semiótica para operar com a teoria da ação. “Amo a esquerda pela burrice ingênua: ela acredita no povo. Pensa que o povo é racional, e desanda a tentar convencer por meio de argumentos, verdades e razão. Não sabe que o povo é levado pela imagem”, assim falou o poeta. Eu preciso investir na psicanálise para entender o abismo da alma humana.

Remeto a estratégia de ação da Martha e de suas amigas, para dizer que, ao contrário delas, não planejarei nenhum assalto. Os aparelhos de repressão mudaram. Não há porrete como na ditadura. O que há é sedução midiática. “A fala macia da serpente é mais eficaz.” O senhor sabe que meu apelo é sincero. Prenda-me, por favor, pois terei a resiliência da experiência do caído e o reconhecimento do homem bom que diz: “…tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me. (Mt.25, 35-36). No “cárcere” da alma, o desejo a dignidade, a gratidão, o ode à paz sobressaem à liberdade.