Por Francisco das Chagas Amorim de Carvalho

 

E se estivéssemos todos unidos não pelas ideias, mas pelas plantas dos pés? [daqueles que ainda pisam no chão]; então aprenderíamos a lição dos ipês-amarelos: quanto mais perto do azul do céu, mais se entranham no coração da Terra. Então veríamos que a linha do horizonte é o lugar onde se equilibram as crianças e a bailarina, onde cultivam os poetas, onde está o jardim das utopias. Veríamos que o interior da rosa vai dar neste lugar onde tudo nasce, é a direção que temos em comum: o lado de dentro das coisas, no fundo, a face interior do mundo, é por aí que passa o círculo que contém todos os círculos; tudo na vida é circular, uma ciranda.

E se as plantas nos conhecem, a cada um de nós, e por isto o chá de lírio para a imaginação, o de alecrim para a memória, os florais de Bach e tudo mais? Por isto nos restaura entrar na mata, andar com os pés no chão, abraçar uma árvore, entrar na água. E se foi o vento que fez os meus cabelos? O amanhecer e as estrelas, os meus olhos? E se foi o cantar dos pássaros e as ondas do mar esculpiram meus ouvidos? Explicaria porque tua voz e te perfume me atraem? E se realmente são palmas as mãos em mãos amigas?

Como podem se vender a terra, os rios, e todas as vidas que são livres no ar, se elas vieram antes? Como podem dizer que são propriedades de alguém? Os minerais são propriedades da água, o ar puro propriedade das florestas, nós somos propriedade da Natureza. Que tristes faculdades de economia e de comércio estas que diante do mar e das florestas não veem beleza, apenas toneladas de matéria para negociarem na Bolsa de Chicago.

No dia do juízo, em um prato da balança colocarão meu coração, no outro uma pena. Mas toda a economia tem se baseada no “ouro”, “a verdade se pesa em ouro”, “o silêncio vale ouro”, explicam que é por sua raridade e por seu brilho …por ser pouco na naturaleza… Porém, uma criança bem alimentada também brilha, então, isto é já uma raridade? E nossa moeda fosse tempo de vida? Um prato de comida seria um tanto de tempo de vida. Uma camisa vale um tanto de vida.

E se o futuro estivesse lá atrás ou suspenso nas estrelas como os desejos? É costume pendurar as melhores sementes da safra nas vigas da casa, como penduramos nossos pensamentos, nossos sentidos; talvez por isto olhamos para cima quando queremos lembrar; uma semente é um cristal de tempo, palpável, esta potência de futuro, experiência presente, é a memória da Terra.

E se a vida fosse um sonho? Seria necessário sonhar tanto que esparramasse pelas beiras da realidade; a verdade é o caminho feito das pegadas dos muitos que sonham, ou então um sonho que se esqueceu de acordar; é esta praça onde os muitos caminhos se encontram.

E se é nossa raiva e nossa alegria que move as tormentas, esfria, faz chover e jorrarem os vulcões? A lama tóxica que escorre naquele rio, que mata o peixe e o pescador, é egoísmo líquido que escorre das veias do homem civilizado – a ganância que nomeia de progresso. A vida precisa do tempo d e m o r a r… Vou escrever um poema e chamar Elogio ao pote de barro.

E se todos os animais nos compreendem mas se negam mostrar, com medo de que lhes ensinem a trabalhar? Eis a solução para o desemprego: trabalhar dois dias da semana, todos os outros dias é para cantar, ornar esta terra, aprender a tecer uma rede, ler um livro, brincar.

Se parássemos de produzir, produzir, produzir; cada um teria tempo de produzir para si; se entre amigos tudo é de todos, não faltaria para ninguém. Se parássemos de crescer, crescer, crescer, haveria o tempo de florescer, perfumar, e dar frutos, amadurecer.

Por outra parte se diz: “está falando água”, como se água fosse coisa sem valor. Quanto menos valoramos o essencial, mais diminui o nível dos rios e secam as fontes. Escasseia a água, o essencial é isto que brota e se entrega, sem nada cobrar. Só podemos dar o que sai de nós mesmos.

E se todos fossemos educados na língua dos pássaros? Fui a Sevilla e reparei que as pombas do Parque María Luísa falam a mesma língua que as pombas do Parque Ibirapuera ou da Praça da Bandeira; fui iniciado na língua dos pássaros, em algum momento da sua história a humanidade esqueceu o idioma da paz. Sim, a cada dia se ouve menos a voz da natureza, os animais e insetos estão cada dia mais em silêncio, e mais distantes; por isto, talvez, cada vez menos nos entendemos.

Os corretos andam curvados, e pelo peso, já fora do eixo, pois a declividade da eclíptica tem uns 23 graus; os que parecem tortos, que são leves e plainam, estão com a Terra.

E se existisse tendência política nas plantas? Existiria o movimento da vida. Observei que as plantas quando acordam, giram em uma espiral ascendente à esquerda; quando sonolentas e esvai sua vitalidade giram no sentido contrário, se endireitam.

…um amigo entendido me disse que estes movimentos têm a ver com o girar dos astros, então é isto: uma fenomenologia das ideias políticas – não é pela força da gravidade, os corpos não caem, ou são atraídos pela força do coração da terra, ou se deixam levar para o nada…