Jeany da Conceição de Maria Rodrigues

Ao ser desafiada a escrever algo para a revista indaguei sobre o que escrever e tive como resposta que estaria livre para escrever sobre “qualquer coisa”, temas que fossem para mim relevantes.
Refletindo um pouco mais sobre o que seria qualquer coisa, percebi que qualquer coisa é muita coisa. Será que posso mesmo falar sobre qualquer coisa? Em caso afirmativo, ate quando terei esse direito respeitado?
Quando um dia pensei em me graduar em História, nunca imaginei que chegaria o momento que faria parte efetiva do processo histórico, tal qual li nos livros e assisti nos filmes. O que vinha na mente é que aqueles assuntos já estariam todos bem resolvidos. A História se encarregou de passar tudo a limpo.
No entanto, o que sinto no presente é um profundo receio de não poder mais falar sobre qualquer coisa. Ter a voz silenciada que nem muitos tiveram ao longo dos séculos. Ao mesmo tempo sei que tantos outros nunca tiveram a oportunidade de mostrar sua verdade.
Como historiadora é muito desesperador ser convidada a silenciar. O ofício do historiador se baseia em dar voz aqueles que nunca tiveram vez. Resgatar aquilo que ficou escondido, que foi impedido de se manifestar.
A quem interessa não podermos falar sobre qualquer coisa? E por que falar sobre qualquer coisa é assim tão grave? Do que devemos nos esconder? Quem determina o que é qualquer coisa?
Em qual esquina da História nos perdemos a ponto de não podermos ser quem somos? Quem se apropriou do discurso e impediu que a minoria que é maioria, dele não fizesse parte? São muitos questionamentos. Para alguns há respostas, para outros há apenas mais dúvidas.
O fato é que no dia de hoje muitas coisas parecem fazer total sentido. Para que a História possa seguir seu curso é necessário que aprendamos com ela que determinados fatos precisam ser escancarados, enfrentados, desnudados, dissecados a ponto de não restar mais nada incompreendido.
Não precisaríamos passar por esse momento se conhecêssemos e aceitássemos nosso passado de forma a reparar alguns erros, mas uma vez que ele se descortina à nossa frente é importante entender que muitos dos direitos conquistados, não estão de fato garantidos, é preciso estar vigilantes a ponto de não permitir que a História nos torne a cobrar por um passado mal resolvido.
Só quando um direito, que normalmente, não foi por nós conquistado se encontra ameaçado, é que nos damos conta que qualquer coisa é sim, muita coisa.