Por José Luís de Barros Guimarães
O real sucumbiu-se diante de nós! Perdeu toda a sua exuberância, limpidez e força persuasiva diante da veneração histérica da incompetente insciência. Pouco importa a imponência epistemológica das Ciências Humanas e Naturais, da compreensão sensível de mundo apresentada pelas mais revolucionárias artes experimentais, ou mesmo da impertinência humana que a reflexão filosófica há milênios nos traz. Todas estas denúncias, análises e narrativas têm sido enterradas “na vala comum de um discurso liberal”, como muito bem disse um compositor gaúcho que insiste em cantar que “A violência travestida faz seu trottoir”.
O real sucumbiu-se diante de nós! Mesmo diante das elaborações mentais que o pensamento denuncia ou na estética social que o concreto evidencia, a realidade despencou no abismo da histeria coletiva. O muro existencial que separava a civilização da barbárie ruiu, pois tivemos no santuário do parlamento uma menção elogiosa há um torturador sargento. E diante do culto de quem colocou rato na vagina das perseguidas políticas, bem como o silêncio ensurdecedor da elite burguesa em nome dos bons costumes e da família, santificamos os monstros e mostrificamos os sensíveis. E, a partir deste dia, perdemos a capacidade humana de diferenciarmos Jesus Cristo de Hitler. Banalizamos a vida e glorificamos a morte. Transformamos o Estado brasileiro na expressão sofisticada da necropolítica, mesmo diante da confirmação científica da letalidade da pandemia. E o Thanatos brasileiro, que ressurgiu dos porões imundos de 64, com o colapso da consciência vazia de uma massa apolítica, anestesiada e adormecida, assume sem receio que a vida não vale quase nada se a compararmos com o valor nefasto do dinheiro.
O real sucumbiu-se diante de nós! A terra tornou-se plana, os direitos humanos coisa de vagabundo, os livros converteram-se em mamadeiras de piroca, e a subserviência aos estadunidenses um ato patriótico. Os coachs foram eleitos como a nova comunidade científica, os produtores de fake news como os mais brilhantes jornalistas, o azul e rosa são as cores que determinam se somos meninos e meninas, da mesma maneira que o criacionismo se transformou na mais inovadora biologia. A afirmação de Nietzsche de que “nos indivíduos a loucura é algo raro, mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, regra”, nunca fez tanto sentido, pois estamos a viver uma verdadeiro “Ensaio sobre a cegueira”, como o José Saramago havia “previsto”.
O real sucumbiu-se diante de nós! Não existe mais diferença entre conhecimento científico e teoria da conspiração. Alguns governadores de direita, como Dória e Witzel, para os asseclas bolsonaristas, se transformaram nos mais novos comunistas, assim como a China está sendo chefiada pela cúpula petista. O fascismo consagrou-se como a mais nova religião da política brasileira e as mortes em massa, ocasionadas pela pandemia em parceria com o Estado, não deixou absolutamente ninguém como lágrima nos olhos. Os empresários se transformaram nos mais ilustres humanistas e os bancos privados em belas, nobres e justas organizações de filantropia.
O real sucumbiu-se diante de nós! A história do pensamento antigo apequenou-se diante dos sofisticados palavrões das teorias olavistas, tal qual as universidades construídas com o esforço dos medievalistas desmoronaram, em face da constatação de que o conhecimento produzido na academia é apenas um devaneio da burrice esquerdista. A luz da modernidade foi apagada com o negacionismo obscurantista dos terraplanistas e o bom senso cartesiano sepultado diante da esquizofrenia coletiva. É a roda grande entrando na roda pequena. É o céu cinza anunciando que o planeta vem respirando sob ajuda de aparelhos. É a humanidade assumindo a face sombria do ódio e do terror. São os sonhos de justiça e equidade sendo implacavelmente triturados pela mão invisível do estado em um liquidificador. Trata-se inexoravelmente de uma Nova Era, que se impõe como farsa e tragédia, onde contemplamos perplexos como psicanalistas, que ouvem os grunhidos dos enfermos deitados em um divã, o delírio dos inumanos nos acordando diariamente como o sol radiante da manhã.