Por João Caetano Linhares

 

Ao contrário do vemos hoje nos gibis e filmes, o caminho do herói na tradição grega não é retilíneo e tranquilo. Há na tradição do teatro grego um termo que representa bem o momento no qual uma pessoa se torna um herói. Tal termo é atanatisein (Άϑανατίζειν). Todos nós já ouvimos falar do deus grego Thanatós, um dos deuses que representa a morte. Desta forma, devemos chamar a atenção para o alfa (o “a”) no início da palavra grega que define justamente alguém que se tornou um herói. Essa letra, como está posta, simboliza a ausência, ou seja, o herói grego é aquele que sofre, e no final perece, mas que permanece. O atanatisein é o imperecível. Explico: basta ler qualquer texto da tradição grega, seja da epopeia ou da tragédia, que logo vemos que todos os heróis perecem na batalha ou em alguma outra situação, porém é o modo como isto acontece que os torna imperecíveis. O corpo, a vida mundana, se vai, mas a honra (aqui no sentido grego de Tímos que significa estima dos outros) se torna eterna.

O herói grego, no seu caminho de se tornar um atanatisein, não é aquele que tem um final feliz ao lado dos filhos e dos netos. É aquele que mesmo morrendo, fica. Lembremos de Édipo. No famoso coro final da tragédia “Édipo Rei” ouvimos: “Olhai o grão-senhor, tebanos, Édipo, decifrador do enigma insigne. Teve o bem do Acaso – Tykhe -, e o olhar de inveja de todos. Sofre à vaga do desastre. Atento ao dia final, homem nenhum afirme: eu sou feliz!, até transpor – sem nunca ter sofrido – o umbral da morte.”
Pode-se realizar grandes feitos, mas só quem foi capaz de enfrentar com dignidade as maiores provações (lembremos de Heracles) é que será considerado herói. Heitor se torna imortal pelo modo corajoso e honrado que enfrenta Aquiles, o matador de homens. Heitor se torna exemplo de dignidade para quem luta não apenas pela própria vida, mas pela vida de sua família.

O que faz de Édipo e Heitor arquétipos é justamente o modo como a vida se manifesta, não apenas para os grandes homens, mas para todos nós. A qualquer momento tudo que construímos pode ruir. Ou a qualquer momento podemos ser chamados a enfrentar nossa batalha final. Isso ocorre a todos nós. Mas apenas aqueles que sabem enfrentar com dignidade aquilo que se nos advém é que podem ser chamados de heróis e ficam na memória tanto dos seus contemporâneos quanto daqueles que muito tempo depois ainda se recordarão deles.

A estes elementos da Grécia arcaica, gostaria de somar mais, um herdado de nossa tradição cristã: o elemento do martírio. Basta uma olhada na arte pictórica do período que convencionamos chamar de Idade Média que podemos notar que apenas aqueles que sofrem a injustiça em defesa daquilo que os definem é que recebem a palma e a coroa de louros. Neste sentido, os Santos são os heróis da cristandade pois souberam enfrentar a injustiça a qual foram submetidos.
O caminho do herói, então, possui esses três elementos: as realizações, os riscos que o caminho pode apresentar, e os riscos de sofrer injustiças. No nosso imaginário persiste este arquétipo de ações heroicas.

Por este motivo, é necessário que os inimigos de um certo barbudo trancafiado em uma certa masmorra em uma certa republiqueta ao sul do equador saibam que ele é um atanatisein.