Por Jullyane Alves Teixeira

 

Desse rosto que é meu e que carrega todas as rugas que o tempo e os sorrisos e as mágoas me trouxeram, às vezes desconheço, às vezes me enamoro. Desse corpo que me trouxe até aqui, às vezes deixo estar, às vezes o celebro. Aprendi a me amar aos bocados, os olhos grandes, o nariz adunco, as olheiras persistentes, os cachos rebeldes, os seios pequenos, as cicatrizes nos joelhos de menina arteira, a silhueta que por muitos anos lutei para que se encaixasse nas métricas.

Ninguém me rouba mais de mim. Os meus abraços cabem afetos sem tamanho e minhas lágrimas lavaram minha alma. De quem eu sou e de onde eu vim, como cheguei e para onde quero ir, meus pés cansados de solas gastas sabem todo o caminho que percorri. Fiz dos percalços minha escola. Não sou quem quero ser ainda, mas estou bem longe de quem já fui.

Ninguém me rouba mais de mim. Meus gostos estranhos por fotografia e cinema antigo, as gatas pela casa que arranham móveis e pensamentos, as plantas e os livros que tomam o espaço em demasia, meu ateísmo que não se importa com santos da fé de minha companheira pela casa, minha certeza de não haver necessidade de trazer mais pessoas ao mundo. Tudo o que hoje é parte de mim me orgulha dum tanto, o que por muito tempo tive que defender com unhas e dentes.

Ninguém me rouba mais de mim. Dos meus abismos, das minhas birras, dos meus sonhos impublicáveis. Tudo que é meu está entranhado nos meus músculos e veias e sangue. Tudo que de mim me faz gente, ser pensante, indivíduo. Aprendi a me amar aos bocados e hoje me amo tanto que não me caibo inteira: transbordo.